Desenvolvimento, mas…

A quadra histórica vivida pelo nosso país demanda a discussão de determinadas categorias em outro patamar. A principal delas é a do desenvolvimento. É muito pouco uma ou outra força política aderir e colocar o desenvolvimento como o centro de sua estratégia socializante. O nível em que se encontra o debate é baixíssimo. Ideias só ganham consequências se transformadas em força material.

Escrevi anteriormente neste espaço sobre o que creio ser a grande afinidade de esquerda no desenvolvimento. Evidente que ninguém se coloca frontalmente contra o desenvolvimento. Nem pudera. Porém, nunca uma categoria de análise foi tão desgastada e vitima de um rebaixamento conceitual tão grande quando a relativa ao desenvolvimento. É só perceber que toda vez que essa palavra aparece na roda, um uníssono “mas” é seguida da mesma. “Somos a favor do desenvolvimento, mas…”. Após o “mas” vem uma série de palavras de ordem: “desenvolvimento com distribuição de renda”, “desenvolvimento com distribuição racial e de gênero de renda”, “desenvolvimento com justiça social”, “desenvolvimento com ganhos salariais reais”, “desenvolvimento ambientalmente sustentável”, “desenvolvimento sem poluição”, “desenvolvimento com acessibilidade”, “desenvolvimento com amor livre”, “desenvolvimento mais humano”, “desenvolvimento com políticas públicas disso e daquilo”, “desenvolvimento com democracia” etc.

Independente das boas intenções anexas ao “mas”, temos de ir além quando o assunto são as condicionantes ao desenvolvimento. O tal do “mas” é uma forma sutil, subjetiva de negar. As condicionantes em si completam a negação da negação. Por exemplo, difícil observar um discurso do tipo “desenvolvimento com maiores taxas de investimentos”. Ou “desenvolvimento com ativo papel de uma política industrial e planificação do comércio externo”. Infelizmente muitos companheiros nossos de viagem se locupletam muito com a tarefa, cristã, de “distribuir renda”. Poucos se preocupam em saber como se gera renda e o papel da taxa de câmbio num projeto de longo alcance que envolve geração e distribuição de renda. No fundo, a preocupação com a inflação, por parte de nossos companheiros de barco, encobre um profundo analfabetismo funcional – e oportunismo político – expressada por afirmações do tipo, “desenvolvimento com controle inflacionário”. E dá-lhe taxa de juros e câmbio flutuante!

A “negação da negação” e sua outra face encerrada no analfabetismo funcional macroeconômico têm raízes claras.

O que era um frenesi no campo progressista até o Golpe de 1964 transformou-se num transtorno político simplesmente inexplicável. Até 1964 o desenvolvimento sempre se constitui numa bandeira estratégica, essência da “questão nacional”. A esquerda que ganha força no final da década de 1970 deixa esse legado de lado, por pura vergonha ou mesmo anticomunismo. Desde então, bater em tudo que se relacione com desenvolvimento faz bem à saúde. Os “pensadores”, “intelectuais” desse movimento todo no fundo sempre tiveram como método a negação da história. O que no fundo significa a negação da própria nação. Negar a história significou, e ainda significa, jogar na lata do lixo toda a brilhante experiência brasileira de desenvolvimento iniciada com a Revolução de 1930 e encerrada com a espetacular implantação de um Departamento 1 Novo (indústria mecânica pesada) no final da década de 1970 e a consequente construção de hidrelétricas do porte de Itaipu e Tucurui, o metrô de São Paulo (construído com equipamentos fabricados no Brasil), a transformação da Petrobras nessa potência que nos orgulha e ver a agricultura brasileira no topo do mundo.

Só se recorre à história para buscar agentes históricos capazes de assumir a culpa pelos nossos problemas. Trata-se de uma forma de esgueirar-se da radical análise com visão de processo histórico. Jeito e maneira de substituir a abstração (visão de processo histórico) pelo abstrato (visão religiosa e/ou ideologizada). Ao invés de ganhar aplausos toda vez que se diz que entre 1930 e 1980 o Brasil “cresceu concentrando renda” seria mais honesto estudar a fundo as raízes da via prussiana brasileira, da industrialização sem reforma agrária e da formação rápida de capital na transferência de atividades, outrora legadas à fazenda, às cidades (industrialização). Não vou discutir aqui essa verdade absolutizada do “cresceu concentrando renda”. Será que quem trata as coisas desta forma consegue relacionar o investimento com a transformação deste em uma miríade de rendas? E acredita de pés juntos que a poupança precede o investimento?

A negação do desenvolvimento é uma forma de negar, ou fugir da contradição. Evidente. Negar e fugir é mais simples do que observar, historicizar e propor saídas progressistas a determinado problema criado pelo desenvolvimento. Ninguém aqui acha que o desenvolvimento é um mar de rosas. Ao contrário, trata-se de um processo doloroso, restritivo, onde todo o corpo social se transforma, dando gás a mais contradições que por sua vez é o próprio motor do processo. Daí somente no aprofundamento do desenvolvimento esta a solução de nossos impasses. O impasse do “modelo” baseado no consumo, que para muitos foi inventado em 2003, é o impasse do próprio golpe de 1994 (Plano Real) que coloca na variável consumo a única forma de aferir algum ganho em matéria de PIB em detrimento da proscrição do investimento de longo prazo, pois se choca diretamente com a estratégia da “estabilidade monetária”.

O debate de ideias, neste aspecto, coloca-se no campo do chamado “longo prazo”. Infelizmente. Pois o modelo baseado em ganhos de consumo em detrimento da produtividade do trabalho já deu o que tinha que dar. Se o limite do capital é o próprio capital que se promova a expansão do capital. Não tenhamos medo da contradição. Pior, não fujamos dela. Não nos escondamos no biombo de visões micropolíticas, setorizadas, fragmentadas amplificadas por corporações sociais, variável brasileira do “Consenso de Washington Cultural”.

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