Delícias do cochilar

Imagino que deva existir, em algum lugar do país, um homem que ainda bota pijama para dormir a sesta. Pelo menos um deve haver.

A sesta, do latim sexta: hora do dia romano, a atual doze horas ou meio-dia, a siesta dos espanhóis, a nap dos ingleses, a nossa velha soneca ou cochilo, foi reabilitada. Pesquisas informam: o cochilo pós-almoço é saudável, pois reduz o estresse; regula a pressão arterial; diminui a freqüência cardíaca; aumenta a produção de insulina; melhora a atenção; reduz o risco de acidentes laborais e aumenta o rendimento do
trabalho.


 



Quase metade do mundo faz a sesta em respeito ao chamado biológico da hora de dormir. É a sabedoria da natureza que desacelera o corpo para reenergizá-lo, conferindo maior disposição para a lida do resto do dia, via restauração natural das energias. Pesquisa da NASA concluiu que descanso de 40 minutos no meio da jornada aumenta em 34% o rendimento individual, pois repõe as energias e diminui o risco de acidentes no trabalho.


 



E por que e como a cochilada após o almoço tem essa bola toda? Ocorrem dois momentos de baixa de temperatura corporal, uma preparação para o sono, por das volta das 23:00 e das 12:00. São momentos de sonolência fisiológica. As comidas calóricas estimulam a baixa de temperatura corporal. A coincidência da baixa de temperatura do corpo com o horário do almoço potencializa o sono fisiológico.
A equipe de Denis Burdakov, da Faculdade de Ciências da Vida de Manchester, descobriu, recentemente, como as células cerebrais que nos mantêm despertos se ''desligam'' depois que comemos: A glicose, o açúcar na comida pode parar a produção dos sinais nas células cerebrais que nos mantêm acordados. Isto é, foi revelado como a glicose bloqueia, ou inibe, os neurônios que produzem as orexinas, proteínas vitais para a regulação do estado de consciência.


 



Cochilar é um dos segredos do bem-estar e da longevidade. Hoje ganha adeptos como uma bola de neve. Vide exemplo da Associação Portuguesa dos Amigos da Sesta (APAS), criada em junho de 2003, em Ansião, distrito de Leiria, com 200 associados, entre eles o ex-presidente da República Mário Soares. A APAS realizou a I Conferência da Sesta, em 2006. Prates Miguel, presidente da APAS afirma: a sesta é uma pausa natural, que ajuda a saúde física, psíquica e mental das pessoas e uma postura natural e salutar, restauradora de energias e não de um vício de preguiçosos e de fuga ao trabalho.


 



Tenho o hábito de cochilar após o almoço. É um imperativo biológico. Adoro cumpri-lo. Em casa, durmo de verdade. No trabalho, cochilo de 15 a 20 minutos. Odeio almoçar em restaurante. Em geral só saio para jantar. Jamais convido alguém para almoçar em minha casa porque preciso cochilar depois. Preciso… e adoro.


 



Muita gente ao descobrir que cochilo torce o nariz e tripudia: é coisa de nordestino, claro! Quando não adjetiva com preguiçoso. Do mesmo modo que ignorantes dos benefícios e das delícias da sesta, no mundo inteiro, interpretam a sesta como indolência e preguiça dos latinos. É que a vida moderna quase extinguiu a sesta, mas pessoas adeptas da sesta, agora podem, cientificamente, dar o troco.


 



Luis Fernando Veríssimo, em Elogio da sesta, suspeita que no Brasil a sesta esteja se transformando num luxo anacrônico. Sobrou a sesta disfarçada, breves cochilos na frente da TV depois do almoço, sempre com o risco de ser despertado por uma explosão em algum lugar do mundo. A sesta envergonhada e com culpa. Não mais a sesta assumida, programada, com tradição e regras fixas. Mas imagino que deva existir, em algum lugar do país, em algum subúrbio ou grotão, um homem que não conhece a própria importância, que não sabe que é um símbolo e um exemplo para os seus conterrâneos: um homem que ainda bota pijama para dormir a sesta.


 



Pelo menos um deve haver.


 


Uma doce e grata recordação, desde a infância, era o fazer silêncio após o almoço para que paivelho e vovó dormissem! Ninguém podia dar um pio. As crianças eram ''recolhidas'' aos seus quartos. Óbvio que aprendemos a fazer a sesta, pois deitadas, caladas e embaladas numa rede o sono chegava de mansinho… era uma delícia.

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