Decisão de velho

Uma reflexão sobre a qualidade do fim de vida e a importância do Testamento Vital para decisões dignas.

Foto: Reprodução/Pixabay

E por falar em velhice…. agradecendo a Claudia Marina

Quase onze por cento da população brasileira têm mais de 65 anos, diz o IBGE. Preocupação com a previdência, com a saúde, com as estruturas adequadas, com o lazer. A sociedade não se preparou para esse crescimento, terá que se adequar rapidamente. São preocupações gerais em que se têm fortes impactos sobre o Estado e sobre as finanças públicas. Mas, há, também, decisões individuais a serem tomadas pelos que atingem esse estágio. Este é o tema deste texto.

Um grupo de aposentados. Reúne-se toda última quarta-feira do mês. Lemos textos, discutimos opções tomadas, caminhos futuros. Angústias, insatisfações são tratadas, mas não só. Bom ver como pequenas conquistas aparecem, como novas perspectivas dão sentido à vida. Sempre, naturalmente apontadas como vitórias, tornam muito prazerosa a participação.

Um dilema é colocado. Como ter um fim de vida com qualidade. Dois problemas relatados nos inquietam. Por um lado, como minorar o sofrimento de um fim artificialmente prolongado em que a qualidade é substituída pela longevidade sem o mínimo respeito à qualidade de vida. Ficar a mercê das tecnologias, mesmo sem esperanças. O mais importante, o segundo. Como evitar que sejamos um ônus permanente para os nossos queridos, com angústia de terem que se defrontar com decisões difíceis sobre nossos caminhos em período em que não pudermos mais tomar decisões?

Uma amiga propõe. Leia o livro de Luciana Dadalto, “Testamento Vital”. Uma Tese transformada em livro. Aceitei a proposta e fui lê-lo.

Uma bela reflexão que aponta caminhos. Como todo texto advindo de trabalho acadêmico tem seus vícios. O primeiro capítulo exige um esforço. Definições e aspectos metodológicos tratados. Lembro de dizer aos meus orientandos quando ainda era professor que o capítulo metodológico poderia ser retirado se não fossem as exigências acadêmicas. Quem é da área vê repetir discussões por que já passou inúmeras vezes, quem não é, não percebe a importância de certas nuances apresentadas. Mas, vale o esforço para dele passar, o tema é bem tratado.

Aprendo com certa clareza a diferença de Eutanásia e Ortotanásia.  No Brasil, a segunda é o que é legal. Entendida como limitar ou suspender esforços terapêuticos que apenas prolongam a vida de doentes terminais em situações em que os profissionais da saúde vêem como irreversíveis, à luz do conhecimento científico atual. No meu entender, sofrimento para o paciente e muito mais para a família e entes estimados.

Nessa situação, surge a importância dos Cuidados Paliativos. Alívio do sofrimento, tratamento da dor e de outros sintomas de natureza física, psicossocial e espiritual através de uma abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares. Minora o sofrimento da família e do indivíduo.

Uma palavra me chamou a atenção. A idéia de hospice. A necessidade de locais específicos para ser atendido por cuidados paliativos, quando doenças letais apontam que as terapias convencionais não terão eficácia.

Nesse quadro, possível para todos e quaisquer indivíduos, mas mais provável para os idosos, como deixar expresso desejos, enquanto se tem discernimento e se tem lucidez mental, de como deve ser conduzido seu tratamento, sua vontade alicerçada em seus valores éticos e morais. É disso que se trata.

Em diferentes países, caminhos foram assumidos e diversos os instrumentos utilizados. Desde diretrizes antecipadas psiquiátricas ou de demência, ordens de não reanimação, procurações para cuidados de saúde, ou mesmo orientações caso se esteja em estado vegetativo permanente.

Em todos eles existem aspectos das áreas de saúde e jurídicos a serem tratados. Em todos eles, é bom contar com um médico de confiança que tenha especialidade em geriatria. Também, algum advogado especializado no tema que oriente o que é possível ou não tendo por base a legislação nacional.

Testamento Vital é o meio de formalizar. Não como algo pós vida, mas sim, algo que expresse seus desejos caso se caia em alguma dessas situações. Nas palavras da autora:

 “Um documento redigido por uma pessoa no pleno gozo de suas faculdades mentais com o objetivo de dispor a cerca de cuidados, tratamentos e procedimentos que deseja ou não ser submetida quando estiver com uma doença ameaçadora da vida, fora de possibilidades terapêuticas e impossibilitado de manifestar livremente sua vontade.”

Evitar o que se chamou de “tratamentos extraordinários’ que são aqueles que visam prolongar a vida e não têm qualquer perspectiva de reverter o estado clínico do paciente” pode ser caminho para ter um fim de vida com dignidade.

Ao tratar de Testamento Vital, na prática, se fala de três aspectos relevantes que podem ser associados ou não em um documento.

Um primeiro é o que tange ao tratamento médico. À manifestação antecipada dos desejos dada a informação disponível, de ser submetido ou não a processos técnicos em que as máquinas e outros artifícios prolongam a existência, mesmo que vegetativa.

Um segundo, para mim muito importante, é a definição de um procurador e seu substituto, que retirarão as dúvidas e definirão caminhos coadunados com os valores que o indivíduo sempre expressou. Ele seria sua voz caso não pudesse mais expressá-la conscientemente.

Um terceiro, caso a morte realmente chegue, é a definição quanto à doação de órgãos.

Esses três aspectos devem sempre ser respeitados caso se apresente um quadro irreversível de saúde á luz do conhecimento atual. Ressalto esse ponto, pois é usual ser alegado que algum dia poderia surgir uma técnica salvadora, o que faz com que, muitas vezes, se ignore a vontade individual.

Outro aspecto, que considero importante, é a mudança atual da denominação de doente terminal para doente com impossibilidade de cura. Esse é o ponto básico, essa é a definição correta. Realizar cirurgias ou procedimentos radicais em condições incuráveis, em doentes com impossibilidade de cura ou mesmo em estágio vegetativo permanente, só pode trazer dor aos familiares, além de um pesado ônus financeiro que pode desestabilizar os entes queridos.

Outro ponto tratado é o prontuário médico, a anamnese, e sua ligação com o testamento vital. Importante que este seja anexado ao prontuário a fim de que não seja ignorada ou esquecida a vontade do paciente.

O livro, no final, faz análise detalhada do projeto de lei que tramita no Senado Federal para regularizar o assunto. Dadas as especificidades reforça-se a necessidade de um advogado e um geriatra orientadores para a formalização, tento do Testamento Vital quanto da Procuração para o representante legal.

Modelos simplificados aparecem nos anexos que devem servir de orientação. No entanto, entendo ser necessário maior detalhamento como instrumentos legais.

Vida e Morte Dignas, Cuidados Paliativos, desejos de um ancião que está em período de formalizar seus desejos.

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