Da Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação ao Plano Estratégico: e agora?

O Brasil precisa de uma estratégia clara para transformar propostas em ações que promovam desenvolvimento justo e sustentável.

Abertura da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, em Brasília | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Quase dois mil participantes. Trezentas reuniões preparatórias em todo o país. Mais de duzentos expositores. Quatorze anos após a última. Fazia-se necessário. Superar o negacionismo e fazer com que o país retome seu desenvolvimento fortemente alicerçado em Ciência, Tecnologia e Inovação, um compromisso, um norte para as transformações necessárias, caminho seguro para a melhoria da qualidade de vida e busca de dignidade de nossa população.

A V Conferência cumpriu suas metas. Quatro eixos temáticos que se acreditam estruturantes: recuperação e consolidação do sistema nacional de ciência e tecnologia, a busca da nova industrialização em bases contemporâneas e competitivas, o estratégico nas ações do Estado e suas parcerias, o desenvolvimento sócio ambiental. Propostas objetivas e busca de caminhos que as viabilizem, inclusive financeiramente, o foco dos três dias de trabalho. O objetivo proposto é mirar num Brasil justo, sustentável e desenvolvido.

O que se pretende é definir uma estratégia nacional para esta área transversal estruturante e, como tal, definir prioridades e metas a serem atingidas nos próximos dez anos. Mas, com a miríade de proposições, como priorizar, como centrar em pontos efetivos de transformação, como viabilizar os recursos necessários para tão complexo movimento? É o que se tem que responder em curto espaço de tempo.

Nos próprios objetivos, como foi muito bem ressaltado, há temas controversos que devem ser mais bem explicitados. Nem sempre é claro o que se entende por desenvolvimento, o que se entende por sustentável e, principalmente, para quem é desenvolvimento sustentável.

Ao falar em desenvolvimento com justiça social e ambiental tem que ser enfrentado o problema do jogo de interesses e de apropriações usual dos diferentes segmentos do capital, o qual nem sempre pode ser definido como justo e ambientalmente sustentável. Ainda, os próprios conflitos de interesses discordantes são visíveis. Os interesses díspares existentes entre segmentos produtivos, agrícola e industrial, por exemplo, os do capital rentista, entre outros, ficam patentes. Eles se organizam e defendem objetivos específicos, muitas vezes se contrapondo com o projeto nacional de maior inserção, maior redistribuição de renda, definido para o país.

A luta explícita por priorização na apropriação dos incentivos estatais ficou clara. Os subsídios, a apropriação privada, a opção por um país primário exportador como ênfase, tem um ônus social que deve ser analisado, mas foi defendida em mesas.

A geração de empregos de qualidade e bem remunerados, a busca de melhores condições de vida de populações marginalizadas, a inserção competitiva do país em mercados que permitam geração de riqueza e condições para uma melhor distribuição interpessoal de renda, passa por um processo de modernização que tem que definir prioridades, que tem que dizer para onde vamos. Este projeto, com o qual concordo, também foi defendido.

A definição tem que ser clara, seremos um país agro-mineral como motor do desenvolvimento ou teremos na manufatura 4.0 nosso principal alicerce. É básico para o projeto de C, T &I que se adotará. Evidentemente, que os dois acontecerão, mas qual puxará a lógica produtiva e empresarial? Ou seja, sem uma definição clara da estratégia nacional, difícil definir prioridades, difícil concentrar esforços para que efetivamente entremos num processo de reestruturar ao invés de manter o modelo de crescimento atual do país.

Atualmente não há discurso que não coloque como tópico principal a questão da sustentabilidade. Sem dúvida é um norte importantíssimo. No entanto, não é claro o que se pode entender pelo tema. Alguns exemplos foram captados nas apresentações e debates.

Energias limpas, por exemplo, é consenso serem base ambiental da sustentabilidade. Mas, analisar os detalhes é importante. Esquece-se de aprofundar se são efetivamente sustentáveis e para quem?

As fazendas eólicas, segundo os dados apresentados, têm trazido enormes problemas para as populações onde são implantadas. Mudam fluxos migratórios de animais, tem problemas de vibrações e de ruídos que têm deslocado as populações que vivem em suas cercanias, não geram empregos em quantidade que permitam a inserção de populações locais, e muitos outros. A dita sustentabilidade ambiental, questionável, entra em choque com a social e a econômica das populações mais desfavorecidas. É preciso pensar mecanismos de mitigação e de adequação.

Falar em hidrogênio verde passa por disponibilidade de água em volumes enormes, por pesados investimentos em logística de distribuição, por grande disponibilidade de energia para o processo de eletrólise. Tudo isso para gerar energia que será consumida nas regiões desenvolvidas e que não necessariamente trará impactos para a gente sofrida local. Sua inserção no processo é diminuta. Financiar bilhões para esses investimentos faz sentido em detrimento de alternativas mais inclusivas?

Em síntese, chama-se a atenção para a importância da priorização e da definição clara de objetivos que realmente tornem o plano em algo justo, como pretendido a priori.

Aspecto muito relevante que merece ser refletido é o da institucionalidade e modelos que adotamos no país. Em diferentes áreas, em diferentes dimensões.

Um debate importante se ateve ao nosso ensino superior. O perfil de nossas universidades questionado. As instituições de qualidade são basicamente de pesquisa e tem cumprido seus objetivos. Nosso problema de massificação de formação com qualidade difícil de resolver. Precisamos de modelo que permita maior inserção a custos compatíveis de formação, com universidades que priorizem a pesquisa e outras que tenham foco principal na formação de mão de obra de qualidade.

O direcionamento prioritário de nossos jovens mestres e doutores para as carreiras universitárias e do setor público geram um viés que dificulta o processo de desenvolvimento e de inovação empresarial. Comparado com os países mais desenvolvidos o número, que já é insuficiente, torna-se muito pouco direcionado para as necessidades da competitividade do setor produtivo.

A formação de recursos humanos universitários precisa ser repensada. Em sua base. Está crescendo fortemente concentrada em ensino à distância- EAD, em grande parte de qualidade questionável, o que faz nossa produtividade ser bastante baixa frente aos países centrais, além de criar sérios problemas de empregabilidade.

Ressalte-se, também, a inadequação curricular para as novas perspectivas exigidas dos profissionais pelo mercado de trabalho. Básico fazer mudanças estruturais que permitam adequar o país a uma nova inserção competitiva.

Sendo um país continental, fundamental pensar sua territorialidade. Diferentes espaços, diferentes lógicas, necessário definir suas missões em suas particularidades, em sua diversidade. Para tanto, ponto de partida é criar ou consolidar Sistema Territoriais de Inovação que dêem suporte a segmentos produtivos competitivos e com potencial de inclusão na nova dinâmica tecnológica que vêm se consolidando. Ter uma base institucional de qualidade na área técnico-científica, além de possuir mecanismos de indução, inclusive financeiros, é base para esse processo.

Na mesma direção, ficou evidente a necessidade de evitar que os programas nacionais sejam vistos apenas pelo lado setorial, sem as necessárias análises territoriais. Fundamental “espacializar” os Programas Nacionais, mapeando aonde ocorrem seus impactos e procurando minorar um processo concentrador e excludente.

Um bom exemplo foi o do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, apresentado na Conferência. Sugere cinco Centros de Excelência, um em cada Macrorregião da país, Centros que tenham como base as peculiaridades e características sócio econômicas de cada uma delas.

Ao analisar experiências de outros países, ficou evidente que nosso modelo de financiamento parece não levar em consideração o projeto de desenvolvimento que está sendo proposto. Na prática, poucas exigências são feitas à iniciativa privada que se beneficia tendo, com uma visão individual, seus objetivos específicos, enquanto empresas, atendidos. Fundamental, torná-las parceiras do Estado na busca do desenvolvimento. O sistema de financiamento deve ser alterado, visando projetos estratégicos integrados e não apenas suporte a empresas individuais que nem sempre rebatem no fortalecimento das cadeias produtivas que foram definidas como base das missões que se pretendem atingir.

Financiar com o comprometimento com metas que venham ao encontro dos interesses nacionais. Monitorar para que seja cumprido efetivamente o pactuado.

São mudanças profundas que exigem nova regulamentação. Outro elemento tem que ser repensado, o marco legal que dá a base para o que é estratégico. Existem limitações jurídicas e operacionais que impedem as mudanças de postura propostas.

Uma inquietação surge do analisado, o da escala de nossos programas. Temos programas em quase todas as áreas estratégicas para a nova matriz produtiva, mas, infelizmente, com recursos muito reduzidos. Parece que só pensamos em programas tipo piloto. Comparados com as escalas dos países líderes, nossos programas são de dimensão muito diminuta, o que faz vislumbrar que teremos poucas oportunidades de liderança na disputa global. Teremos que priorizar áreas e concentrar esforços, caso desejemos ter robustos resultados econômicos.

Em síntese, há uma muito extensa pauta de sugestões. É importantíssimo que se priorizem ações, que se definam mais claramente orientações. Para isso, o resgate do papel do Estado se faz necessário, como direcionador das políticas, como definidor do que é estratégico, como monitorador dos rumos que se pretendem de nossa economia. Somente com esse firme posicionamento ter-se-á Ciência, Tecnologia e Inovação comprometidas com a transformação que tão bem foram desenhadas para a nação.

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