Copom: Selic segue nas alturas

Juros elevados restringem investimentos e favorecem o rentismo, exigindo ação mais enérgica do governo.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central | Crédito: José Cruz/ Agência Brasil

A 257ª reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) transcorreu exatamente de acordo com as recomendações apresentadas pela nata do financismo em nosso País. Na verdade, o encontro ordinário do colegiado nada mais é do que uma reunião diferenciada da própria diretoria do Banco Central (BC). Ao longo da terça e da quarta-feira da semana passada, os 9 integrantes do corpo diretivo do órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro trocaram de boné. Assim, na condição de membros do comitê, discutiram à exaustão a respeito da conjuntura econômica e decidiram pela redução de apenas 0,5% na taxa SELIC. Atualmente ela está em 12,75%.

O comunicado divulgado ao final do encontro registra que a deliberação foi adotada por unanimidade. Isso significa que os 2 novos diretores indicados recentemente por Lula, a partir da recomendação do Ministro da Fazenda, se esquivaram de apresentar alguma proposta mais ousada para que a taxa retornasse ao nível de alguma normalidade e racionalidade. Deveriam ter sugerido algo que apontasse para as reais necessidades de um projeto de governo voltado para a retomada do crescimento e do desenvolvimento. Apesar da minúscula diminuição no patamar da taxa referencial de juros, o Brasil segue ocupando o primeiro lugar mundial no quesito taxa real de juros. Tal fenômeno se explica pelo fato de a inflação estar em queda, de forma que os cálculos a respeito da rentabilidade real dos ativos recomendam subtrair a perda monetária derivada do crescimento dos preços.

A aprovação da Lei Complementar nº 179/21 sacramentou, durante a tragédia representada pelo binômio Bolsonaro & Guedes, a independência do BC. Na verdade, tratava-se de uma proposta antiga do próprio sistema financeiro, para evitar que a chegada de um governo com um programa mais progressista e desenvolvimentista pudesse provocar alguma mudança na linha da austeridade e do incentivo ao rentismo. Assim, Lula está convivendo desde o início de seu terceiro mandato com um coletivo responsável pela política monetária cuja maioria foi nomeada pelo genocida. Falta a Roberto Campos  Neto e aos demais colegas bolsonaristas um pouco de vergonha na cara – para dizer o mínimo – e renunciarem ao cargo. Afinal, além de terem servido ao governo anterior e feito campanha aberta para sua reeleição, eles incorporam uma abordagem da economia que é totalmente antagônica ao programa de governo para o qual Lula foi eleito em outubro do ano passado.

Independência do BC: COPOM a serviço do financismo.

Mas mesmo do alto de sua arrogância conservadora e liberaloide, eles ainda encontram espaço para alguma forma de pragmatismo. Durante o período que vai do segundo semestre de 2020 até o início de 2021, por exemplo, esse mesmo coletivo manteve por 5 reuniões consecutivas do COPOM a SELIC em 2%. Ou seja, na hora de colaborar com um governo que lhes é simpático na opção político-ideológica, que se dane o dogmatismo da ortodoxia neoliberal. Mas a partir de então, o colegiado optou por uma escalada crescente da taxa, com 12 reuniões consecutivas de alta, até chegar aos 13,75% em agosto de 2022. Uma vez atingido esse ápice, o comitê assim manteve a SELIC nas alturas por 8 novas reuniões. Apenas nas duas últimas oportunidades eles optaram por uma redução homeopática de 0,5% em cada uma delas.

É interessante observar que o COPOM quase sempre adota o resultado que é proporcionado por uma enquete semanal realizada pelo próprio BC junto às elites dirigentes do financismo. Trata-se da pesquisa Focus, divulgada religiosamente às segundas-feiras na página do órgão na internet. Ali se manifesta o desejo agregado do sistema financeiro relativamente a variáveis macroeconômicas relevantes, tais como a inflação, o crescimento do PIB e outras. Mas dentre elas, ganha relevo aquela que reflete a expectativa de seus participantes quanto ao patamar da SELIC. Assim, o COPOM segue absolutamente refém da vontade do povo das finanças.

Lá se vão quase 9 meses de governo e a taxa de juros oficial segue praticamente inalterada. A perpetuação do espírito do rentismo parasitário em um governo que prometeu “fazer 40 anos em 4” é uma verdadeira contradição. Afinal, frente a uma rentabilidade financeira tão elevada, torna-se praticamente proibitiva qualquer iniciativa de empreendimento produtivo. O mais preocupante, contudo, é que os 2 diretores nomeados por Lula não tenham apresentado até agora nenhuma proposta alternativa para – pelo menos que fosse – marcar posição no interior do colegiado.

Elite do sistema financeiro dita as regras.

Por outro lado, o surpreendente é que o COPOM siga baseando suas decisões nos resultados da Pesquisa Focus. Trata-se de um punhado de dirigentes de bancos e instituições similares umbilicalmente vinculados aos interesses de suas empresas – qual seja, opinam e operam com o intuito de maximizar os seus ganhos financeiros. Não há nenhuma voz dissonante nesse universo: não são ouvidos pesquisadores, economistas e professores de economia vinculados ao movimento social, aos sindicatos, às universidades ou aos institutos de pesquisa. Nada! Só quem responde ao questionário semanal são banqueiros. E ponto final.

O histórico das pesquisas está disponível para consulta na página do BC na internet. E ali pode-se perceber claramente que se trata exclusivamente de opinião de torcida uniformizada e de desejo de ganhos financeiros. No ano passado, às vésperas das eleições, por exemplo, a pesquisa transparecia ao pessimismo que as elites financistas deixam exalar por conta de uma possível vitória de Lula no pleito. A possível saída de seu queridinho Paulo Guedes do comando da economia assustava os dirigentes do setor. Daí divulgavam uma avaliação de que a economia iria afundar mesmo, não tinha jeito. Eles projetavam um crescimento do PIB de apenas 0,37% em 2023. A pesquisa desta semana já aponta para um aumento das atividades econômicas da ordem de 3% até o encerramento do ano. Ou seja, erraram feio. Como quase sempre ocorre, aliás.

Ora, qual a seriedade que deve ser conferida a esse tipo de avaliação e de projeção do cenário econômico? Nesse caso em particular, houve um erro de mais de 700% entre a previsão e o resultado verificado. Imaginemos o que teria ocorrido se algum cliente destes senhores tivesse sofrido uma perda patrimonial de tal monta em suas aplicações financeiras. Pois esses mesmos indivíduos que são levados muito a sério pelo COPOM e pelos “especialistas” do setor, pois os líderes do financismo estariam embasando suas opiniões pela abordagem “técnica” e não “política”. Haja paciência para tamanha mentira e hipocrisia.

0,5% é muito pouco: SELIC precisa cair muito mais

A ata do COPOM aponta para mais duas possíveis reduções de mesmo montante para as reuniões previstas até o final do ano. Caso esse cenário se concretize, encerraríamos 2023 no patamar de 11,75%. Apesar da queda de 2%, ainda assim a SELIC continuaria em um patamar muito elevado. Afinal, essa taxa impacta diretamente o volume dispendido com juros sobre o estoque de dívida pública. Atualmente, a União gasta por volta de R$ 700 bilhões a esse título a cada 12 meses. Por outro lado, a complacência e a cara de paisagem dos dirigentes do BC quanto aos spreads praticados pelas instituições financeiros fazem com que o custo financeiro efetivamente bancado por empresas, famílias e indivíduos seja também altíssimo.

A sociedade brasileira não pode permitir que essa distorção permaneça no interior do estado brasileiro. A diretoria bolsonarista do BC não tem a mínima legitimidade para seguir criando obstáculos à implementação do programa de um Presidente da República eleito pela maioria. Não basta uma atitude conformista pelo fato da recente redução. É fundamental que o governo recupere seu total controle da política monetária.

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