Chegou à época dos perdões. Até a Globo pediu perdão!

Para os cristãos o perdão é o reconhecimento de um erro e a sua admissão pública representa, a um só tempo, a busca de sua paz interior e a possibilidade de ser novamente acatado pelo grupo social que integra, na presunção de que “errar é humano”.

No mundo político a solicitação pública de perdão também representa a admissão de um erro. Mas expressa, principalmente, a tentativa de mascarar o conteúdo de classe do aparelho de estado; um escape para não arcar com as conseqüências dos atos cometidos e assim continuar praticando outros atos igualmente nocivos ao povo, os quais, novamente perdoados, alimentam e estimulam esse constante e perverso círculo vicioso.

É um expediente ardiloso para esconder que tais atos, conscientemente praticados, foram feitos em absoluta harmonia com o conteúdo da classe dominante de cada época, o que por sua vez determina o caráter do estado em cada período histórico.

Thomas Hobbes, no Leviatã, sustentava que sendo o homem eminentemente mau, egoísta e perverso, não haveria outra forma de viver em sociedade a não ser sob o domínio de imperador com poderes absoluto. Justificava, dessa forma, tanto o estado monárquico absolutista quanto os fenômenos sociais que o caracterizavam.

O pensador francês Montesquieu formulou a teoria dos poderes harmônicos e interdependentes, ancorados no legislativo e executivo – o judiciário, para Montesquieu, era parte do executivo – no qual sustentava que o estado era um instrumento necessário para mediar os inevitáveis conflitos dos distintos grupos sociais. Era um avanço, mas uma visão irreal, filosoficamente idealista.

E Marx finalmente vai demonstrar que o estado nada mais é do que um instrumento de dominação da classe dominante, por meio do qual oprime as demais classes sociais. No estado capitalista a burguesia é a classe dominante e o proletariado, principalmente, a classe social oprimida. Assim, todo o aparelho de estado – os meios de produção e seus instrumentos legislativo, executivo, judiciário, religioso e de comunicação – está estruturado para assegurar os privilégios dessa classe dominante.
Sem uma correta compreensão do papel e caráter do aparelho de estado, jamais se poderá compreender a atitude dos “arrependidos”, cujo pedido de “perdão” mais parece uma peça de acusação contra aqueles dos quais, em tese, se busca obter o “perdão”.

A romaria de “arrependidos” tem aumentado.

A igreja católica já pediu perdão pelos tantos que ela botou na fogueira porque ousaram dizer que o sol e não a terra era o centro do universo; outros tantos porque foram acusados de bruxaria; também pediu perdão pela omissão diante das barbaridades cometidas contra os escravos negros oriundos da áfrica ou dos indígenas escravizados, saqueados e covardemente assassinados em inúmeras expedições de extermínio a cabo do império português e espanhol.

Outro que pediu “perdão” foi o Congresso Nacional. Pediu perdão por ter aceitado, covardemente, a cassação de toda a bancada comunista em 1946, quando da ditadura Vargas. Fato, aliás, que se repetiu em 1964 com a ditadura militar que igualmente cassou dezenas de patriotas e democratas, muitos dos quais ilustres quadros da burguesia tupiniquim e, portanto, apenas uma dissidência colateral do regime que se implantava. O “perdão” do Congresso veio na forma de devolução simbólica dos mandatos. No caso dos nossos camaradas, todos já mortos, seus familiares foram os agraciados.

Também o Judiciário Chileno pediu perdão por ter se calado diante das atrocidades da ditadura de Pinochet contra o povo chileno; ditadura, aliás, posta, mantida e alimentada pelo governo americano, tal como ocorreu em todas as ditaduras do cone sul, Brasil incluso.

O último a pedir “perdão” foi a Globo. Em editoriais de seus veículos, o grupo reconhece seu apoio à ditadura militar e conseqüentemente sua ajuda na derrubada de um governo legitimamente eleito pelo povo e sua contribuição na sustentação a uma ditadura feroz, sanguinária e, ainda por cima, a serviço de uma potência estrangeira, os Estados Unidos da América.

Mas, ao pedir perdão, não apenas dedurou os demais veículos – Grupo Folha, Estadão, etc. – acusando-os de terem adotado a mesma conduta, como se justificou dizendo que havia risco de “desordem”, ou seja, sempre que a “ordem burguesa” estiver ameaçada será justificável matar e assassinar os que eventualmente se insurgirem contra a ordem estabelecida.

Mas a que desordem se referia a Globo? A eventual possibilidade das camadas populares, animadas pelos ares revolucionários que sacudiam o mundo, também aqui construírem, nos idos de 1964, semelhante experiência. E, nessa hora, o aparelho de estado, como “instrumento de dominação da classe dominante” estará sempre a postos para evitar, por todos os meios e formas, que os privilégios da classe dominante não sejam ameaçados. Essa é lógica do aparelho de estado.

Eis aqui a essência do problema: enquanto não houver riscos de “desordem” pedidos de “perdão”; sempre que houver riscos, repressão. Até que um novo ciclo se estabeleça!

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