Brasileirão: sem “casa” e sem vergonha
Em meio ao debate sobre os tais direitos de transmissão para todas as mídias e a ausência dos grandes estádios brasileiros, em virtude de obras para a Copa, começa o Campeonato Brasileiro de futebol. Se, do ponto de vista da bola, os campos fechados prejudicarão várias equipes, por outro lado, a guerra entre CBF e Clube dos 13 exposta pela intervenção da Globo pode acabar com o que há de mais divertido em nosso futebol.
Publicado 25/05/2011 23:40
Para quem acompanha futebol, principalmente das arquibancadas, sabe o peso que sua torcida tem em seus domínios.
Os rubronegros e tricolores cariocas se valem do Maracanã para aniquilar os visitantes. Palmeirenses tem no Palestra Itália o seu coliseu, onde atiram os adversários aos leões. Grandes de Minas sufocam quem chega ao Mineirão. O Bahia possui uma identidade com a Fonte Nova que faz os torcedores se somarem ao time dentro de campo.
Além da sensação de desabrigo por parte dos torcedores sem suas “casas”, dentro das quatro linhas, os times sentem também a falta dessa força extra que vem das arquibancadas, o que muitas vezes pode prejudicar o resultado.
Outro assunto que tomou conta da imprensa, mas devido aos interesses da Globo, não ganhou a proporção que deveria, foi a renovação do contrato de cessão de direitos de transmissão para todas as mídias.
O Clube dos 13 propôs uma licitação pública, aberta a todos os veículos de comunicação interessados em exibir os jogos do Campeonato Brasileiro, seja pela televisão, aberta ou fechada, rádio, internet e até celular. Com a diferença que cada mídia seria vendida em separado, não em pacote único, como era antes. Abriam-se grandes possibilidades para o reinado da emissora carioca começar a ruir sem seu principal produto, além das novelas. E, talvez, nós torcedores sermos um pouco mais respeitados.
Há tempos que o C13 jogou pelo ralo seu propósito inicial, pelos idos de 1986. A promessa de organizar os clubes para reivindicar maior valorização nas negociações com a TV e rádio (à época era só isso mesmo), construir uma liga mais rentável, com um calendário adequado à preservação dos interesses dos próprios clubes, seus jogadores e suas torcidas. Ficou só na promessa.
De concreto mesmo, o C13 só servia para negociar, com as calças arriadas, as cotas de TV. Em geral, com o pires na mão pedindo antecipações dos valores para quitar débitos anteriores e contratação de jogadores.
A organização da liga se tornou três campeonatos somente: 1987, 1988 e 2000. Os primeiros ainda tinham uma fórmula que favorecia a presença de público e audiência na TV e rádio. Já o último foi uma bagunça. Tamanha zona que o campeonato só acabou no ano seguinte.
E o calendário? Bem, esse continuou sendo uma piada de mau gosto.
E hoje, depois da implementação dos pontos corridos, sequer sobra tempo para excursões no exterior, outra boa fonte de renda dos clubes que reduziria o tamanho do pires perante à TV.
A última eleição para a entidade teve intervenção direta da CBF no processo. A candidatura do quase eterno dirigente Fábio Koff sofreu oposição de Kleber Leite, apoiado por Ricardo Teixeira, mas venceu. Só que a ocasião da renovação de contrato para cessão dos direitos de transmissão seria o segundo round dessa briga.
E a CBF, juntamente com a Globo, foi diretamente aos clubes angariar apoio para sua nobre causa, enriquecer a ambos.
Somente a Rede TV participou da tal licitação, já que Globo e Record abandonaram a mesma. A Vênus Platinada sequer passou perto no dia, já a TV do Bispo Edir Macedo ficou na antesala pensando “entro ou não entro”, e no fim das contas, não entrou.
Capitaneados por Corinthians e Flamengo, uma série de clubes desautorizou o C13 a assinar contratos em nome destes. E a entidade que, em tese, pertencia aos descontentes, foi ao CADE fazer uma consulta se era possível levar um boné da CBF e da Globo. O órgão se interessou e tal, mas não aguentou as pressões e decidiu lavar as mãos.
No fim das contas, a Globo, conversando individualmente com cada clube, foi fechando os acordos e assinando os contratos. Caso algumas equipes assinassem com outras emissoras, o Brasileirão corria sério risco de sequer ser transmitido, pois os jogos entre clubes que contrataram com emissoras diferentes teriam que entrar em acordo sempre. Inviável.
O mais absurdo, na verdade, além da patifaria toda, são os valores.
Primeiro porque a Globo fez questão de garantir uma cláusula de sigilo a respeito dos mesmos. Ou seja, seu clube pode ter fechado por muito menos do que dão conta as notícias. Transparência para quem, trocando em miúdos, vai bancar essa brincadeira toda – o torcedor – nada!
Depois porque, se tomarmos por base os valores divulgados não oficialmente, a disparidade entre os clubes é astronômica.
Por exemplo, o Botafogo receberá pouco mais de um terço do que será pago ao Flamengo. Em cinco anos (tempo de contrato) poderemos observar que a capacidade para montar times no rubronegro carioca será exponencialmente maior que no alvinegro.
Para os rubronegros pode ser uma ótima notícia. Mas como diria Caetano Veloso, ou não!
A longo prazo, em um campeonato onde temos, ao menos, 12 clubes com muita tradição e torcida disputando o título, teremos mais a frente cerca de três ou quatro somente.
As rivalidades regionais e nacionais serão afetadas profundamente, e o futebol brasileiro caminha para tornar-se uma nova Espanha, onde somente Barcelona e Real Madrid abocanham mais da metade dos recursos oriundos das cotas de TV e, por consequência, disputam o título entre si.
Times mais tradicionais como o Atlético de Madrid, o Valencia, ou os azarões La Coruña e Villareal, se contentam no máximo com uma vaga nas competições europeias.
Junte-se a isso as absurdas imposições da Globo a respeito de horários e datas de jogos. Para quem vai aos estádios sabe bem como é voltar para casa numa quarta-feira à meia-noite.
O preço de todos estes interesses envolvidos são pagos, sempre, pelo torcedor. Estamos dispostos a pagar?