Brasil: o paraíso dos banqueiros

O Sindicato dos Bancários de São Paulo acaba de divulgar uma pesquisa que revela outra impressionante faceta do poder do sistema financeiro no Brasil.

Segundo esta detalhada investigação, a soma dos valores arrecadados apenas com a cobrança de tarifas pelos sete maiores bancos do país no ano passado superou orçamento de 25 Estados e do Distrito Federal. Juntos, eles cobraram de seus clientes R$ 31 bilhões pela prestação destes serviços, montante inferior somente ao orçamento do Estado de São Paulo, que foi de R$ 65,7 bilhões. A absurda cobrança superou, por exemplo, o segundo orçamento estadual, do Rio de Janeiro – de R$ 27,5 bilhões. A pesquisa reforça a idéia de que o Brasil é um verdadeiro paraíso dos banqueiros!



 


Como constata o presidente do sindicato, Luiz Cláudio Marcolino, “se os sete maiores bancos (Banco do Brasil, Caixa, Bradesco, Itaú, Unibanco, Santander Banespa e Nossa Caixa) se unissem e decretassem a fundação de um Estado, ele já nasceria como o segundo maior do Brasil em orçamento. E isso levando em conta somente o que arrecadam com a receita da prestação de serviços, com as famosas tarifas. Em 2005, ela bateu em R$ 31 bilhões. Isto representa a despesa de 12 estados. Ou seja: o que sete bancos arrecadam equivale ao que 12 estados gastam juntos na manutenção dos seus serviços. No caso do Itaú, campeão da cobrança, o valor de R$ 7,7 bi recebido seria suficiente para os gastos de quase uma década em Roraima”.



“Traduzindo, os bancos recebem mais em tarifas do que os estados arrecadam em impostos para trabalhar pelas pessoas. Desde 1994, quando foi liberada esta cobrança, eles vêm aumentando sua arrecadação com base numa exploração que não faz sentido e precisa ser coibida”, afirma. Em 1994, os 11 maiores bancos tiveram uma renda de R$ 4 bilhões com tarifas. Com o passar dos anos, ela chegou aos R$ 28 bilhões em 2004. Uma alta de 661,71%. “Se você paga IPVA, IPTU e Imposto de Renda e já reclama, não esqueça o quanto você paga de tarifas para os bancos e sem receber quase nada de volta. Afinal, cada vez mais é o cliente que faz às vezes do bancário, sendo responsável pelo próprio atendimento”, alerta Luiz Cláudio.



Ditadura dos bancos



 

A pesquisa do Sindicato dos Bancários, amplamente divulgada na base da categoria, é mais uma prova da urgência da adoção de medidas para coibir o poder da ditadura do capital financeiro. Outra fonte bastante elucidativa sobre o tema se encontra no livro “Que país é esse?”, recém-lançado pela Editora Globo. Leila Christina Dias, autora de um dos capítulos da coletânea, com o sugestivo título de “por que os bancos são o melhor negócio no país?”, demonstra que este setor passou por profundas mutações desde a década de 60. Hoje ele seria a força hegemônica do capitalismo brasileiro, controlando a direção do fluxo de capitais e exercendo uma influência determinante (e opressiva) nos rumos da economia e da política nacional.


 



Segundo seu estudo, o sistema financeiro sofreu uma primeira mudança de vulto em decorrência do ritmo acelerado de industrialização do país nas décadas de 50/60. Até então, prevaleciam formas de crédito e de financiamento herdados do início do século e com baixos recursos tecnológicos. A partir do golpe militar, ocorrem fortes investimentos na montagem da rede de telecomunicações, oficialmente reconhecida como nacional em 1972. Sintonizado com a tendência mundial de concentração deste setor, o governo baixou a Lei 4.595, de 31/12/64, que passou a estruturar e a regular o nascente Sistema Financeiro Nacional (SFN), com a criação do Banco Central em substituição à antiga Superintendência da Moeda e Crédito (Sumoc).



“O objetivo da lei 4.595 era mais do que uma simples reforma bancária: ela marcava o início de um longo processo de integração financeira do território brasileiro, que nos anos seguintes transformaria a geografia dos bancos mediante a constituição de grandes redes bancárias em escala nacional”, explica a autora. Isto resultou num intenso processo de concentração deste setor. Entre 1964/76 ocorreram 205 incorporações e 15 fusões bancárias. “A nova configuração compreendeu a redução do número de bancos e a ampliação gradativa do número de agências”. Os bancos regionais desapareceram e surgiram as poderosas redes nacionais – fundado em Marília, interior de São Paulo, em 1943, o Bradesco é uma prova desta mutação.



Outra mudança importante derivou da crise da dívida externa brasileira. De US$ 3,8 bilhões em 1968, ela saltou para US$ 12,6 bilhões em 1973 e não parou mais de crescer. Além disso, passou progressivamente de privada para pública, em decorrência do aumento dos empréstimos realizados pelo regime militar. Para saldar a dívida externa, que explodiu nos anos 80, o governo emitiu os títulos públicos, que se tornaram a principal fonte de lucros dos bancos. De agente de crédito, o sistema financeiro se tornou o maior credor do Estado, o que aumentou seu poder de pressão na sociedade. As políticas monetárias e fiscais – de juros estratosféricos e de superávit, respectivamente – passaram a depender dos humores do sistema financeiro.



Orgia financeira



Na década de 90, segundo a autora, ainda ocorreria outra mudança significativa no setor. Com os avanços nas telecomunicações e a elevada concentração do setor, o mercado se torna ainda mais especulativo. Em 2001, por exemplo, a circulação financeira mundial já movimentava US$ 1,8 trilhão por dia, enquanto a troca de mercadoria e serviços beirava US$ 25 bilhões – uma diferença de setenta vezes entre a economia especulativa e a real. Sob a égide da ditadura financeira, a globalização neoliberal impõe aos governos a progressiva liberalização do fluxo de capitais. As regras do sistema financeiro, formuladas na Conferência de Bretton Woods, em 1944, são destroçadas para servir aos interesses dos banqueiros e rentistas.



No Brasil, o triste reinado de FHC será o principal indutor desta orgia financeira. A partir do Plano Real, explica a autora, “o Banco Central progressivamente vai criando um conjunto de normas que redesenham o quadro institucional no qual operam os bancos… Após uma sucessão de intervenções e liquidações que envolveram 22 bancos em menos de dezoito meses, o BC implanta em 1995 o Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional (Proer)”. Segundo pesquisas, o programa teve um custo de R$ 21 bilhões! É neste contexto que o governo abre as portas para a invasão do capital estrangeiro no sistema financeiro brasileiro. Entre 1997-2002, o patrimônio dos bancos estrangeiros salta de 14,3% para 32,9%; seus ativos pulam de 12,8% para 27,4%; e suas operações de crédito sobem de 11,7% para 30,9%.



Essa invasão foi facilitada pelo processo obscuro de privatização dos bancos públicos estaduais, feito sob imposição do FMI. O resultado da política nociva de FHC foi o aumento da concentração e centralização do setor. Entre 1994 e 2003, o número de bancos comerciais e múltiplos diminuiu de 244 para 164! Se no passado os bancos ganhavam cerca de US$ 15 bilhões ao ano especulando com a inflação, após o Plano Real eles compensaram as perdas através da crescente cobrança de taxas de serviços, antes gratuitos, da diversificação das atividades, do estímulo aos fundos “públicos”, da redução do número de bancários e, principalmente, da política monetária ortodoxa de juros elevados. Ou seja: os bancos nunca perdem!


 



“Segundo a firma de consultoria Austin Asis, mais de 40% da receita dos bancos advém de empréstimos dos bancos ao governo por meio da negociação de títulos públicos; o restante vem do crédito a pessoas físicas e jurídicas, em decorrência da grande diferença entre as taxas pagas pelas instituições financeiras para captar recursos e as que elas cobram em operações de crédito (o chamado spread) – por exemplo, captam recursos por meio da poupança a juros de 0,5% ao mês e emprestam a juros de 10%. Desta forma, os bancos ganham em todas as frentes: conseguem rentabilidade alta com riscos baixos comprando títulos da dívida pública federal e realizam empréstimos a juros muito superiores à média internacional – a rentabilidade média das operações de crédito no Brasil é de 32%, contra a média internacional de 11%”.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho