Aurora 2016: Falência da economia política neoliberal
“A situação está pior do que em 2007. Nossa munição macroeconômica para combater desacelerações (dowturns) no essencial já foi toda gasta” (William White, presidente da comissão de revisão da OCDE e ex-economista-chefe do Banco de Compensações Internacionais –BIS). [1]
Publicado 29/01/2016 15:42
No finalzinho de dezembro passado, em Berlim, a chefona do FMI (Fundo Monetário Internacional) Cristine Lagarde mandou avisar a todos: o crescimento da economia mundial 2016 será decepcionante, desigual e situado em novos riscos financeiros. Ela imagina que as causas deste cenário se encontram na queda da produtividade, no envelhecimento da população mundial e ainda que os efeitos da crise financeira. Segundo disse, a crise iniciada com a falência do Lehman Brothers, não teria até agora assegurado a estabilidade financeira sistêmica – por ela assim concebida e desejada.
Em fim de mandato – a ser renovado -, Lagarde comentara também que a desaceleração econômica na China e a elevação da taxa básica de juros nos EUA iriam contribuir para maior volatilidade econômica e insegurança em qualquer parte do globo. A Europa – afirmou insuspeitadamente – fecharia o ano com elevação do endividamento público e privado, com baixas taxas de investimento e debilidades no sistema bancário do continente. [2]
Para 2015 a OCDE já havia cortado sua previsão de crescimento global para 2,9% em seu relatório de perspectiva econômica, dos 3% previstos em setembro. A organização tem repetidamente cortado sua perspectiva de crescimento de 2015 ante os 3,7% inicialmente. Disse que o comércio global vai crescer somente 2% este ano, um nível que foi visto apenas cinco vezes nas últimas cinco décadas e que coincide com contrações: 1975, 1982-83, 2001 e 2009: “É profundamente preocupante”, disse a economista-chefe da OCDE, Catherine Mann, na introdução do relatório; alertando que “O comércio mundial tem sido um termômetro da produção global”. [3]
Sim, crise crônica afunda a periferia
De acordo ainda com o último informe da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), o crescimento da economia mundial em 2015 foi de 2,4 %, levemente inferior ao registrado em 2014, de 2,6 %. Para 2016 espera o órgão leve aceleração que alcançaria uma taxa próxima aos 2,9 % – o que certamente não será alcançado. América Latina e o Caribe, que caíram 0,4% em 2015, nesse ano prevê-se ainda uma estagnação de 0,2 % de seu desempenho econômico.
Desaceleração que desde 2013 passara a atingir quase todas as economias da periferia capitalista, fundamentalmente de modo sincrônico. O que se registra acentuado no caso da Rússia (-3,7% até novembro de 2015), do Brasil (cerca de -3,5% em 2015), mas não do México – sempre conforme com as estimativas que circulam na praça. Afirme-se claramente, contudo, que boa parte das economias emergentes tiveram em 2015 seu pior resultado em quase duas décadas.
CRESCIMENTO DO PIB (Produto Interno Bruto) 1985-2015
FONTE: FMI (Fundo Monetário Internacional)
O que também se relaciona com o problema crônico da oscilação dos preços das commodities, em especial do petróleo: entre julho de 2014 e o fim de 2015 o preço do petróleo desabou 70%! Contrariando expectativas, na primeira semana do ano seus preços caíram mais de 10%, queda inusitada para esses períodos. E conforme relatou o índice agregado Bloomberg World Oil & Gas, nessa primeira semana as 60 maiores companhias de petróleo do mundo perderam cerca de US$100 bilhões em função desse verdadeiro colapso de preço.
Sobre essa questão, é esclarecedora a interpretação trazida à luz pelo economista russo Valentin Katasonov: os manipuladores do mercado petrolífero são os grandes bancos, não mais a OPEP. Que operam através dos contratos futuros de petróleo e de outros seus derivativos ligados ao petróleo. Os preços diários (para transações spot) são estabelecidos pelos preços para entregas futuras (num prazo de um ano, por exemplo). E os preços futuros são o resultado do que se chama “expectativas”. As tais “expectativas” são criadas pelas agências de classificação, os chamados peritos, e a mídia monopólica. Na prática, tudo isto está sob o controle dos grandes bancos. E são os bancos que simplesmente encomendam (place an order) as expectativas “necessárias”. [4]
Instabilidade permanente, falência: o “novo normal”
Segundo Wolf, a economia mundial precisaria encontrar “um novo e poderoso motor de demanda, já que os antigos estão engasgando e morrendo”; não se sabe se ele será encontrado, diz. Mas o resto do mundo está esperando, provavelmente com excesso de otimismo, que os EUA forneçam o que está procurando. E isso não teria ocorrido “mesmo que o Fed tivesse optado por não apertar a política monetária”. “O ajuste futuro para uma economia mundial tão viciada em bolhas de crédito vai ser difícil”. “Também preocupante é a desaceleração do crescimento do comércio – em parte resultado e em parte causa de um crescimento mais fraco”. “A globalização está perdendo dinamismo”, admite resignado ele, o ilustrado e dissimulado porta-voz da grande finança capitalista [5]
Mas William White vai mais fundo. “O mundo enfrenta uma onda de inadimplência de dívidas épicas”: esse é o prognóstico grave do experiente economista do mainstream. Conforme a referida análise de White, credores da Europa provavelmente enfrentarão algumas das maiores perdas (haircuts). Bancos europeus já admitiram US$2 trilhões de empréstimos que não serão pagos: eles estão fortemente expostos a mercados emergentes e estão quase certamente estendendo o prazo (rolling over) de mais dívidas podres que nunca foram reveladas.
Em relação especificamente à situação do Fed (banco central dos EUA), White sentenciou estar agora “num horrível impasse pois tenta libertar-se da QE (Quantitative Easing) e aprumar o navio outra vez. “É uma armadilha da dívida. As coisas estão tão ruins que não há resposta certa. Se subirem as taxas [de juros] isso será detestável. Se não elevarem, isso apenas faz as coisas piores”.
Resumindo: as considerações últimas de Cristine Lagarde (FMI), Martin Wolf (Financial Times) e especialmente de William White convergem para a ideia de que, nos marcos obscuros da continuidade da crise, a elevação em 0,25% da taxa básica de juros pelo banco central americano (FED) em dezembro vai acirrar a guerra cambial (de capitais), reforçará a instabilidade financeira e aprofundará a desaceleração global.
Quinze anos depois da queda, falência!
E desnecessário detalhar o irrefutável e já célebre relatório da ong. britânica OXFAM Internacional (1942) de 18 de janeiro de 2016:
• Em 2015, só 62 pessoas possuíam a mesma riqueza de 3,6 bilhões da metade mais pobre da humanidade. Em 2010 eram 388 pessoas. Essa riqueza sofreu incremento de 44% em apenas cinco anos. Enquanto isso, essa metade mais pobre sofreu redução0 em mais de U$ 1 bilhão de dólares, um colapso de 41%! Ou 1% de ricos detém a mesma riqueza que 99%! [6]
China: comando nacional de política econômica
A propósito, no último mergulho de 2015 hoouve quem visse na situação do sistema de relações internacional um quadro assemelhado ao pós-1930, antecessor dos acordos internacionais de Bretton-Woods (1944): grande fragmentação geopolítica, formações de blocos e dificuldades crescente par a imposição de um sistema monetário internacional exaurido e inviável ao mundo, contudo ainda sustentado artificialmente numa moeda (dólar).
De fato, de uma parte, cumpre notar que o yuan da China adquiriu o status de uma divisa oficial de reserva: a decisão foi tomada pelo Fundo Monetário Internacional em 30 de Novembro de 2015. A moeda chinesa, o yuan, tornou-se a quinta divisa oficial de reserva, juntando-se ao dólar americano, ao euro, ao yen japonês e à libra britânica. Mais ainda: a seguir, com base no peso estabelecido pelo Fundo, o yuan tenha sido imediatamente classificado em terceiro lugar no cesto de divisas de reserva do FMI, à frente do yen e da libra.
De outra parte, a China convive às convulsões sistêmicas da crise capitalista gestada no ventre do declínio americano, simultaneamente à estratégia traçada da necessidade de um “aggiornamento” de um modelo de desenvolvimento baseado fundamentalmente no gigantesco setor exportador para outro de avanço dos serviços de tecnologia mais sofisticada e um comércio voltado fortemente à demanda e consumo internos. Seu crescimento excepcional de 6,9% em 2015 é prova inconteste de seu controle sobre a política econômica nacional.
Considerado grande especialista na economia chinesa, Roberto Dumas (mestre em Economia da China pela Universidade de Fundan e em Economia Mundial pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra) assegura que os fatos registrados na China na segunda-feira, 04/01 (desvalorização da moeda nacional, o yuan, e quedas simultâneas nas duas Bolsas de Valores, de Shangai e Shenzhen), só surpreenderam quem não conhece as decisões das autoridades chinesas: “O que está acontecendo na China nada mais é do que o resultado de uma bem planejada política econômica de Governo, produzindo os efeitos esperados”, informa Dumas. [7]
Notas:
[1]Ver: “Mundo enfrenta onda de inadimplência de dívidas épicas, teme veterano banco central”, A. Evans-Pritchard, The Telegraph, 19/1/2016.
[2]Ver: “FMI espera desempenho negativo da economia mundial em 2016”.
[3] Em: “OCDE reduz de novo projeção de crescimento da economia mundial”.
[4] Ver: “O cartel bancário que dirige o mercado de petróleo”, V. Katasanov. Traduzido em resistir.info
[5] Em: “Essa turbulência é resultado do erro do banco central dos EUA”, M. Wolf, Folha de S.Paulo/Financial Times, 13/1/2016.
[6]Ver: Riqueza_Estudo
[7] Ver: “É preciso entender a China: não é crise – é política econômica”, em: Sputnik 7/1/2016.