As Vinhas da Ira

Em “As Vinhas da Ira”, os Estados Unidos vivem a Grande Depressão e os personagens principais buscam suas alternativas em meio à crise. Pode conter spoilers do filme

Cena do filme "As Vinhas da Ira", de John Ford

Andarei por aí no escuro. Estarei em toda a parte. Para onde quer que olhem. Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, estarei lá. Onde houver um policial a espancar uma pessoa, estarei lá. Estarei nos gritos das pessoas que enlouquecem. Estarei nos risos das crianças quando têm fome e as chamam para jantar. E quando as pessoas comerem aquilo que cultivam e viverem nas casas que constroem. Também lá estarei.” (Tom Joad, personagem central do livro “As Vinhas da Ira”, de John Steinbeck, 1939, )

Minhas alunas e alunos da Unibrasil, instituição universitária de Curitiba, da disciplina de Processo de Trabalho e Serviço Social, com certeza se lembrarão desse filme clássico, indicado para estudo e compreensão das transformações do mundo do trabalho no início do século XX.

“As Vinhas da Ira” é o título de aclamado livro de John Steinbeck (lançado em 1939), considerado sua obra-prima, tendo recebido o Prêmio Pulitzer de ficção. Livro e filme são marcantes. Incitam a reflexão sobre a realidade frequentemente dramática de vida dos segmentos pobres das populações vivendo sob o capitalismo, em especial quando este desigual sistema entra em crise. Tal como o atual desarranjo dos tempos de hoje, desde a reviravolta de 2007-08 começada nos próprios EUA.

O filme narra as profundas dificuldades e privações enfrentadas por uma família de pequenos agricultores do estado norte-americano de Oklahoma, quando da quebra da Bolsa de Valores de New York (1929) e a profunda depressão econômica que se seguiu na década de 30. O agrupamento familiar, de poucas posses, é forçado a abandonar sua terra e atravessar metade do país num caminhão mambembe em busca de alternativas de sobrevivência.

O filme, lançado em 1940, ganhou dois Oscars (melhor diretor e melhor atriz coadjuvante). Jane Darwell, vencedora desse Oscar, desempenha o papel da mãe de Tom Joad (Henry Fonda), uma mulher forte, determinada e sempre presente lutando pela preservação de sua família. Ma Joad repreende, consola e aquieta o desespero que muitas vezes toma conta das pessoas da família.

O título do filme tem um significado peculiar: as vinhas são o verde vale da Califórnia, onde há produção de uvas que representam a fartura, o alimento, o trabalho e o bem-estar que delas deverão resultar. Já a ira é o sentimento de frustração e dor que os trabalhadores percebem em relação à destruição do sonho da nova vida, em vista do processo de exploração do trabalho próprio do capitalismo, atrás do lucro a todo custo, além da destruição da natureza e da qualidade de vida.

A Grande Depressão atravessou toda a década de 30 depois do crash da Bolsa novaiorquina, deixando Wall Street em transe, pois grandes investidores quebraram, bancos faliram, empregos desapareceram e famílias inteiras passaram a viver na pobreza extrema. O filme retrata o aspecto da desumanidade que se instala com a crise, através da exposição das angústias, incertezas, esperanças e desesperanças da família Joad. Elementos que, agora na crise econômica/pandêmica de 2020-21, volta-se a ver com nitidez brutalmente inescapável pelo Brasil.

Na película, o centro são os dilemas da família Joad, que vivia em um pedaço de terra em Oklahoma, estado predominantemente agrário e uma das regiões bastante atingidas pela Depressão, o que ocasionou perdas de produção nas fazendas, com grande número de desempregados, com propriedades como a dos Joad sendo confiscadas pelo banco. Logo no início do filme, o desespero toma conta e contagia os espectadores, ao assistirem a tratores destruindo tudo, derrubando casas, expulsando as famílias e fazendo com que centenas de pessoas busquem outro espaço para sua sobrevivência. Máquinas agrícolas melhores passam a substituir o que antes faziam 10 ou 20 trabalhadores.

Cena do filme “As Vinhas da Ira”, de John Ford

Assim, a família Joad reúne o pouco que tem, coloca em um velho caminhão e parte para o estado da Califórnia com a esperança de uma vida melhor. O filho e principal personagem do filme, Tom Joad Filho (Henry Fonda), que acabou de sair da prisão por ter matado um homem para se defender, resolve ir com a família mesmo estando em liberdade condicional.

No caminho árduo e longo para a Califórnia, uma série de situações ocorrem. Uma delas é a multidão de pessoas que também buscam sua sobrevivência e viajam ao mesmo estado norte-americano, uma vez que, através de um panfleto, grandes contingentes foram atraídos pela promessa de uma vida melhor. A irmã de Tom está grávida, os avós mostram abatimento e as crianças ficam mais e mais inquietas, afinal são 2 mil quilômetros de estrada. Acabam por encontrar na Califórnia mais miséria.

Inicialmente, a família Joad são aceitas/os em um alojamento, parte do plano “New Deal”, do presidente Franklin Roosevelt (1882-1945), que tinha o objetivo de alavancar a economia, com base na ideia de se contratar trabalhadores/as para qualquer tipo de ocupação justificadora de algum salário, mesmo que a atividade realizada nem pudesse ter razão de ser.

O contexto atual brasileiro está marcado com lágrimas e sangue por muitas violências e preconceitos contra as mulheres. Tenta-se reiterar e reafirmar uma concepção conservadora, e mesmo reacionária, de família, estimulada por uma “ministra” de Direitos Humanos e da Mulher que transmite noções e conceitos retrógrados a favor da submissão da mulher. Opostamente, as mulheres em “Vinhas da Ira” são fortes, antenadas com a realidade hostil, e questionadoras da própria lógica patriarcal e da manutenção dos papéis rígidos de gênero.

As frases finais de Ma Joad mantêm notável vigor e atualidade: “A gente rica vem e morre. E seus filhos não prestam. Também acabam morrendo. Mas nós continuamos. Nós somos o povo que vive. Eles não podem nos vencer. Continuaremos para sempre, porque nós somos o povo”.

Não sem razão, “Vinhas da Ira” está na lista dos 100 melhores filmes estadunidenses do American Film Institute. Com certeza, um dos mais belos filmes a que assisti.

  • Título: “The grapes of wrath” (1940, EUA)
  • Gênero: Drama, 02h09min
  • Direção: John Ford
  • Elenco: Henry Fonda, Jane Darwell, John Carradine

Referências:

https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/60195/flavia_rosa_melo.pdf?sequence=1&isAllowed=y

thewandrinstar.wordpress.com

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