As três fontes constitutivas do pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas na Nova Era

A trajetória do PCCh e o Pensamento de Xi Jinping são fundamentais para entender a China atual, baseados na civilização chinesa, experiência do PCCh e legado marxista, influenciando o mundo.

Presidente Chinês Xi Jinping | Foto: Marko Djurica

Para compreender os grandes desafios superados pela China nos últimos cem anos é essencial estudar a história do Partido Comunista da China (PCCh). Do mesmo modo, para entender a China atual é fundamental compreender o Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Cara

cterísticas Chinesas na Nova Era. O objetivo do presente ensaio é apresentar as três fontes constitutivas desse Pensamento e ponderar sobre a relevância desse Pensamento na condução do PCCh, a modernização socialista da China e para o mundo atual. Antes, vale notar que esse Pensamento, como um organismo vivo, está em pleno desenvolvimento.

Em relação às três fontes constitutivas do Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas na Nova Era, temos: 1) a longevidade e resiliência da civilização chinesa e de sua cultura tradicional; 2) a experiência revolucionária e de governança acumuladas pelo PCCh em sua trajetória centenária; 3) o acúmulo teórico e prático do marxismo e suas experiências históricas na China e em outras partes do mundo.

1- A longevidade e resiliência da civilização chinesa

No que se refere à civilização chinesa, um dos elementos-chave de sua longevidade e resiliência é a capacidade de adaptação às mudanças do tempo e das circunstâncias. Ao longo dos seus 5000 anos de existência, essa civilização passou por muitas primaveras e outonos, ou seja, momentos áureos, como nas dinastias Han (206 a.C. – 220 d.C.) e Tang (618 – 907), e momentos difíceis, como por exemplo nos anos finais da última dinastia, a Qing (1644-1911). Com o avançar dos tempos, as experiências humanas acumuladas consolidaram uma cosmovisão própria e um conjunto de valores sobre os quais o povo chinês se apoia para celebrar a vida, enfrentar os desafios, renovar-se e prosseguir com sua longa marcha civilizacional.

Desse conjunto de conhecimentos e valores, também denominado de excelente cultura tradicional, pode-se destacar, por exemplo, a percepção desde os tempos antigos da grandeza do universo e da limitação do humano; a construção de um conhecimento detalhado sobre os ciclos da natureza e o funcionamento social; a valorização da harmonia entre o ser humano e a natureza; a criação de uma escrita própria e com ela o aperfeiçoamento do registro histórico e o cultivo da transmissão de uma cultura elevada em sua dimensão poética, filosófica e prática; a valorização do trabalho e do conhecimento científico; o cultivo do amor humano, da paz e da amizade; a arte de pensar estrategicamente; a capacidade de governar grandes espaços territoriais, populações numerosas e diversos grupos étnicos; a consciência de que o bom governante é aquele que trabalha arduamente para defender o país e servir o povo; a habilidade para enfrentar e solucionar imensos problemas, como, por exemplo, no passado, o problema das grandes enchentes e, no tempo presente, a erradicação da pobreza extrema.

Sobre o Pensamento de Xi Jinping e a excelente cultura tradicional chinesa, vale relembrar um discurso por ele proferido em 4 de maio de 2014, na Universidade de Beijing, ocasião em que se comemorava o Dia da Juventude: “A civilização chinesa avança ininterruptamente por alguns milênios com seu próprio sistema de valores. A excelente cultura tradicional chinesa já se tornou o gene da nação e está profundamente enraizada no coração do nosso povo, influenciando imperceptivelmente a maneira de pensar e a conduta do povo chinês. Hoje, para preconizar e desenvolver os valores-chave do socialismo, devemos absorver os ricos nutrientes da cultura tradicional, caso contrário, não poderemos ter vitalidade nem poder de influência”. (Xi Jinping:  “Os jovens devem praticar conscientemente os valores-chave do socialismo” – A governança da China I)

O reavivamento da excelente cultura tradicional chinesa tem ocupado lugar central no Pensamento de Xi Jinping, passo fundamental para renovar a própria tradição civilizacional e despertar nos indivíduos o orgulho de pertencer a essa tão longeva e brilhante civilização. Além do mais, isso contribui também para que o povo chinês mantenha sua confiança nos rumos do país e na concretização do grande sonho de reunificação nacional.

Na etapa atual do desenvolvimento humano, o diálogo entre os povos, países e civilizações é um passo essencial para a prosperidade comum e a superação pacífica de possíveis conflitos. E aqui merece também ser relembrado discurso proferido por Xi Jinping em março de 2014, na sede da Unesco, em Paris, defendendo a tese de que “o intercâmbio e a aprendizagem mútua enriquecem as civilizações” e que “se todas as civilizações mantiverem um espírito de inclusão, a harmonia entre elas poderá ser alcançada e o chamado ‘choque de civilizações’ não ocorrerá”.

O ideal de paz e a busca de relações humanas harmoniosas são outros elementos que sempre se destacaram na tradição cultural chinesa. Não é casualidade que a ascensão pacífica é um dos princípios norteadores da política externa da China. E esse ideal de paz e desenvolvimento mutuamente benéfico está profundamente enraizado no Pensamento de Xi Jinping, como se pode ver através de diversas iniciativas de alcances globais como, por exemplo, a “Iniciativa Cinturão e Rota”; a “Iniciativa para o Desenvolvimento Global”; a “Iniciativa para a Segurança Global”; e a “Iniciativa para uma Civilização Global” e proposições como a “construção de uma Comunidade de Futuro Compartilhado para a Humanidade”.

2- A trajetória centenária do Partido Comunista da China (PCCh)

Desde que o PCCh foi fundado em 1921, a restauração da soberania e a melhoria da vida do povo sempre estiveram entre as prioridades do Partido. No final da dinastia Qing e nos primeiros anos da República da China, o país estava socialmente dilacerado e internamente dividido. Para agravar a situação, o país estava parcialmente ocupado e disputado por grandes potências estrangeiras. Em 1924, Sun Yat-sen, o primeiro presidente da China depois da queda da dinastia Qing, descreveu assim a situação do país: “Nós somos o Estado mais pobre e fraco do mundo (…). Nossa posição agora é extremamente perigosa; se não promovermos seriamente o nacionalismo e mantivermos juntos nossos quatrocentos milhões de chineses numa nação poderosa, estaremos diante de uma tragédia: a perda de nosso país e a destruição de nossa raça” (Sun Yat-sen – I, Conferência, 27/01/1924 ).

Esse quadro descrito por Sun Yat-sen deixava claro que apesar da queda da dinastia Qing, a República recém fundada não conseguia unificar a nação e deter o processo de humilhação nacional iniciado com a perda de Hong Kong para a Inglaterra em 1842. O resultado da Conferência de Versalhes (1919), mostrou para muitos chineses quão difícil seria o caminho para a restauração do país. Apesar de ter lutado na Primeira Grande Guerra (1914-1918), a China foi completamente humilhada na referida Conferência. As respostas dadas pelo Movimento 4 de Maio (1919) eram ao mesmo tempo um despertar de uma nova consciência nacional e um clamor para que o país se unisse contra o domínio estrangeiro.

Coube ao Partido, sob a liderança do Pensamento de Mao Zedong, interpretar corretamente esse sentimento da juventude chinesa, dominar as leis da Guerra Civil e encontrar o caminho para devolver o país ao seu povo. A frase, “De agora em diante o povo chinês está de pé”, pronunciada por Mao em 1º de Outubro de 1949, por ocasião da proclamação da República Popular da China, expressa o significado profundo do sentimento do povo chinês naquele momento histórico.

Com o triunfo da revolução nacionalista e a chegada do PCCh ao poder, tem início o desafio da governança. Preparar o país para a defesa efetiva da sua soberania, unificar a nação corroída por um longo período de guerra civil e suprir as necessidades básicas de uma população de mais de 500 milhões eram tarefas gigantescas. No final da década de 70, diante de grandes turbulências internas e de um ambiente internacional adverso, sob a liderança de Deng Xiaoping, o Partido conseguiu encontrar as respostas para a superação de tão grandes desafios.

O processo de Reforma e Abertura impulsionou o desenvolvimento das forças produtivas e mudou o rosto econômico e social da China. Com a melhoria da vida do povo e o fortalecimento do país, novos passos puderam ser dados e antigos problemas passaram a ser resolvidos. A recuperação de Hong Kong em 1997 e de Macau em 1999, além de afastar os dois últimos países europeus que ainda controlavam parte do território chinês, significava a restauração da soberania e a superação do Século de Humilhação.

No entanto, apesar dessas grandes conquistas chinesas, o enriquecimento rápido e o desenvolvimento econômico acelerado geraram diversos tipos de desequilíbrios. Externamente, as ameaças vinham do avanço de um poder hegemônico dos EUA e de ideologias que advogavam a vitória definitiva do modelo de democracia liberal, como a teoria do “Fim da História”, do Francis Fukuyama. Nesse ambiente de grandes desafios internos e externos que, em novembro de 2012, no 18º Congresso do PCCh, Xi Jinping é eleito Secretário-Geral do Partido. Logo depois de sua eleição, ele e os novos membros do novo Birô Político do Comitê Central do PCCh visitaram no Museu Nacional, em Beijing, a exposição “O Caminho para a Revitalização”.

Ali no Museu Nacional, em um ambiente cheio de simbolismos, Xi Jinping aproveitou a ocasião para falar sobre o caminho percorrido pelo Partido e apresentar as linhas gerais do “sonho chinês de revitalização da nação”, uma das linhas essenciais do seu Pensamento para a governança da China. Com a proposição das metas dos “dois centenários”, Xi demonstrava que tinha um plano de médio e longo prazo para a modernização socialista do país. Como se sabe, os “dois centenários” correspondem à construção integral de uma sociedade moderadamente próspera até 2021, centenário da fundação do PCCh, e a construção de um país socialista moderno, próspero, poderoso, democrático, culturalmente avançado e harmonioso até 2049, ano do centenário da fundação da República Popular da China. Ressalte-se que em 2021, a meta de eliminação da extrema pobreza e construção de uma sociedade moderadamente próspera foi exitosamente alcançada.

Em 2017, por ocasião do 19º Congresso, o Partido declarou que na etapa atual “o desenvolvimento desequilibrado e inadequado do país e as necessidades sempre crescentes do povo por uma vida melhor” constituía a contradição a principal. Sob a liderança de Xi Jinping, o Partido foi capaz de identificar que a base produtiva e social atrasada, o problema principal enfrentado no período de Deng Xiaoping, havia sido superado. Assim, era necessário novas abordagens para lidar com os novos desafios da modernização socialista da China. Não constitui casualidade que no 19º Congresso, o Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas na Nova Era tenha sido incluído oficialmente no Estatuto do PCCh.

No campo ideológico, uma das linhas principais do pensamento de Xi Jinping é a reafirmação do socialismo com características chinesas como o caminho escolhido para a modernização socialista e a revitalização da nação, conforme deliberação do 20º Congresso do Partido realizado em outubro de 2022. Concluindo, podemos dizer que o Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas na Nova Era não é apenas de uma continuidade do legado histórico da experiência centenária do Partido, mas a sua expressão mais avançada na atualidade.

3- O Pensamento de Xi Jinping é o estágio mais avançado da aplicação do marxismo à realidade da China

É comum ouvirmos de colegas brasileiros, sobretudo os interessados pelo tema do socialismo, perguntas como: “É a China um país socialista?”; “a China realmente segue o marxismo?”; “as conquistas teóricas e práticas do Partido Comunista da China teriam alguma validade fora da China?”. Apesar de importantes, tais perguntas revelam que o conhecimento no Brasil sobre como o PCCh tem historicamente adaptado o marxismo à realidade social e civilizacional da China é ainda incipiente, restrito a grupos intelectuais. Felizmente, a tendência é que esses temas tornam-se mais facilmente compreendidos, pois é crescente o número de brasileiros e instituições interessadas em estudar não apenas a China e sua civilização, mas também o PCCh e o processo de modernização socialista do país.

Em relação à pergunta se a China é ou não um país socialista, o 13º Congresso do PCCh, realizado em 1987, esclareceu que, apesar de já ser uma sociedade socialista, o país ainda estava na etapa primária de construção do socialismo. Mais de três décadas depois do 13º Congresso, as conquistas práticas no campo econômico, científico, cultural e social demonstram que o país e o povo serão sempre a prioridade principal do socialismo com características chinesas. Em 2021, cem anos depois da fundação do Partido, a meta da construção de uma sociedade moderadamente próspera foi alcançada e a extrema pobreza erradicada. Basta ver as adversidades que a China teve que superar nesses últimos cem anos e o tamanho da sua população para entender que a erradicação da extrema pobreza é um feito de natureza histórica transcendental e certamente uma conquista inédita da civilização chinesa em 5.000 anos de existência.

Os dirigentes do PCCh costumam relembrar que a Revolução de Outubro de 1917 na Rússia trouxe para a China o marxismo-leninismo. Sim, e como se sabe, já em 1921, seu fruto mais importante foi a criação do Partido Comunista da China. A partir de então, o marxismo e os ideais do socialismo passaram a ecoar por toda China e a serem estudados, aplicados, desenvolvidos e renovados. Desde que foi criado, o PCCh mostrou-se incansável em promover o estudo e a aplicação do marxismo na China. Em nenhum outro país do mundo o marxismo é tão estudado, investigado e renovado como na China. Seu estudo é parte da rotina de praticamente todos os líderes políticos do país e dos quase cem milhões de filiados do Partido. Também é objeto de investigação em diversos institutos de pesquisa especializados, além de estar presente no dia-a-dia das escolas, das universidades e academias militares.

Nas palavras de Xi Jinping, “o nosso partido é um partido marxista. O marxismo é a essência dos ideais e convicções de nós comunistas. Ao desenvolver o marxismo no século 21 e o marxismo na China atual, devemos basear-nos na realidade do país, ter uma visão global e atualizar a nossa teoria para que ela acompanhe o avançar dos tempos. Devemos compreender a fundo o significado prático do marxismo na nossa época para que o marxismo se adapte às condições do nosso país, tenha maior apelo em meio ao povo e brilhe com maior resplendor da verdade (…) O marxismo é o fundamento que sustenta o avanço constante das causas do Partido e do povo e a fonte da força para o seu progresso. Caso nos desviemos do marxismo ou o abandonemos, o nosso partido perderá a alma e a direção. Devemos aderir ao marxismo, nosso guia inabalável em todos os momentos e em todas as circunstâncias” (Xi Jinping: “Desenvolver e popularizar o marxismo no contexto moderno da China” – Pontos de um discurso durante a 43ª sessão do Grupo de Estudo do Birô Político do 18º Comitê Central do PCCh em 29 de setembro de 2017).

Desde sua fundação em 1921, o Partido Comunista da China sempre foi um partido marxista. Na etapa atual da construção da sociedade socialista com características chinesas na nova era, o Pensamento de Xi Jinping é a expressão mais avançada do marxismo que abre uma nova perspectiva para o impulsionamento do socialismo na China e em todo o mundo.

4- Conclusão

Com o colapso da União Soviética no começo dos anos 1990, e o abandono do caminho socialista por países do Leste Europeu, o neoliberalismo econômico e cultural consubstanciado pelo consenso de Washington e propagado pelos EUA passou a ser visto por políticos e acadêmicos do ocidente como a alternativa única e definitiva de sociedade. A China porém não se rendeu e fortaleceu ainda mais o seu próprio caminho de desenvolvimento, o da construção do socialismo com características chinesas. Agora em uma nova era, sob a liderança do Pensamento de Xi Jinping a resposta da China demonstra na prática a falácia do “Fim da História”, rompe com o hegemonismo abrindo novos horizontes para os países em desenvolvimento e a humanidade.

Costuma-se dizer que as pessoas são resultado do seu tempo e seus desafios. O Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas na nova Era é o resultado mais atual do esforço coletivo e permanente do PCCh em busca de soluções concretas para problemas igualmente concretos e grandiosos. Como foi dito no início desse ensaio, esse Pensamento é constituído de três fontes, que são a longeva civilização chinesa, a experiência centenária do PCCh e o legado universal do marxismo. E apesar de ter por foco desafios específicos como a revitalização da nação chinesa e da modernização socialista da China, o Pensamento de Xi Jinping é também universal e transcendente, pois como vimos as especificidades do desenvolvimento da China nessa nova era estão cada vez mais interligadas ao desenvolvimento da própria humanidade.

(Artigo originalmente publicado na primeira página do Jornal da Academia de Ciências Sociais da China em 24 de julho de 2023. Agradeço ao amigo Saulo Petean pela revisão e as inspiradoras conversas sobre a governança da China. Agradeço também à Professora Li Jing, da Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang, pelas ideias e contribuições durante a tradução deste artigo para a língua chinesa.)

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