Aniversário de Pablo Neruda

Nos 120 anos de Neruda, celebramos sua poesia apaixonada e compromisso revolucionário, eternizados apesar de sua morte trágica nas mãos dos fascistas de Pinochet

Poeta chileno Pablo Neruda | Foto: reprodução/Amazon

Neste 12 de julho temos os 120 anos de nascimento do imenso poeta Pablo Neruda. Nele se unem a mais alta poesia e a definição pelo comunismo, o que o fez ser morto pelos fascistas de Pinochet em 23 de setembro de 1973.

O assassinato de Neruda, que antes era uma hipótese, não é mais. A exumação do seu corpo por legistas europeus e canadenses comprovou o envenenamento do poeta, que se encontrava hospitalizado em razão de um câncer de próstata. Foi mais um crime, mais uma execução covarde de fascistas, mais uma barbárie de Pinochet no Chile. Mas o que não conseguiram foi matar e envenenar a força da poesia que o poeta legou para todo o mundo, e para sempre.

Pablo Neruda é universalmente conhecido pelo Poema 20 do livro Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada:

“Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: a noite está estrelada,
E cintilam azuis, os astros, desde longe.

O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis, e às vezes ela também me quis.

Nas noites como esta a tive entre meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela me quis, às vezes eu também a queria.
Como não haver amado seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como ao pasto o orvalho.

Que importa que meu amor não possa guardá-la
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Muito longe alguém canta. Muito longe.
Minha alma não se contenta em havê-la perdido.

Como para aproximá-la meu olhar a busca.
Meu coração a busca, e ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a quero, é certo, mas quanto a quis.
Minha voz buscava o vento para tocar seu ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes de meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.

Já não a quero, é certo, mas talvez a quero.
É tão breve o amor, e é tão longo o olvido.

Porque, em noites como esta, a tive entre meus braços,
minha alma não se contenta em havê-la perdido.

Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que eu lhe escrevo”.

E tão lindos são esses versos, que não há por que brigar contra a sua justa e universal fama. Mas não fiquemos neles, porque grande e fecunda foi a sua vida. Como aqui, por exemplo, no livro Canto Geral, no poema em que canta para Castro Alves:

“Castro Alves do Brasil

Castro Alves do Brasil, para quem cantaste?
Para a flor cantaste? Para a água
cuja formosura diz palavras às pedras?
Cantaste para os olhos, para o perfil recortado
da que então amaste? Para a primavera?

Sim, mas aquelas pétalas não tinham orvalho,
aquelas águas negras não tinham palavras,
aqueles olhos eram os que viram a morte,
ardiam ainda os martírios por detrás do amor,
a primavera estava salpicada de sangue.

– Cantei para os escravos, eles sobre os navios,
como um cacho escuro da árvore da ira
viajaram, e no porto se dessangrou o navio
deixando-nos o peso de um sangue roubado.

– Cantei naqueles dias contra o inferno,
contra as afiadas línguas da cobiça,
contra o ouro empapado de tormento,
contra a mão que empunhava o chicote,
contra os dirigentes de trevas.

– Cada rosa tinha um morto nas raízes.
A luz a noite, o céu, cobriam-se de pranto,
os olhos apartavam-se das mãos feridas
e era a minha voz a única que enchia o silêncio.

– Eu quis que do homem nos salvássemos,
eu cria que a rota passasse pelo homem,
e que daí tinha de sair o destino.
Cantei para aqueles que não tinham voz.
Minha voz bateu em portas até então fechadas
para que, combatendo, a liberdade entrasse.

Castro Alves do Brasil, hoje que o teu livro puro
torna a nascer para a terra livre,
deixa-me a mim, poeta da nossa América,
coroar a tua cabeça com os louros do povo.
Tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.
Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar”.

Em meu romance “A mais longa duração da juventude”, Pablo Neruda aparece em uma das páginas, na altura em que os personagens cortejam esquivas estudantes de medicina na praia de Porto de Galinhas:

“Sentimos que a cerveja não é uma bebida. Vira comunhão de nós com nosso ser. O sabor da espuma, o amarelo do líquido, os nossos rostos, as nossas expressões ultrapassam o simples beber cerveja. Como um sacramento sem hóstia, mais verdadeira, sem rito ortodoxo.

– Posso escrever os versos mais tristes esta noite – cito o verso.

– Mas é dia de sol, rapaz. – Alberto fala. – Pra que tristeza?

– Eu sei – respondo. – Eu me lembrei do poeta Neruda.

– Neruda é alegre mesmo quando fala de tristeza – Zacarelli fala. E olha para Iza: – Ninguém fala melhor sobre o amor que Neruda.

– Eu gosto mais de Vinícius de Moraes – Iza responde.

– Vinícius tem uma qualidade a mais que Neruda: compõe música. Neruda não é compositor, é só poeta.

– Só? – pergunto.

– Entenda. Eu não estou dizendo que ser poeta é uma coisa menor. Mas o fato é que Vinícius joga bem em duas posições.

– Mas na poesia esquerda não joga como Neruda – volto.

– Você está certo – Alberto me apoia, embora não tenha lido uma só linha de Neruda. Mas conhece a fama do poeta comunista. Zacarelli sente a cisão. Ainda assim, não vai perder o coração de Iza. E rápido, avança:

– Eu acho que os poemas de ambos são em essência revolucionários.

Terrível, a reação feminina.  Iza, Anita, Luísa, até mesmo Nelinha, adiantam os rostos como felina a se dizerem “não me diz respeito”. E o nosso amigo perde o cerco à fêmea. Então vai mais certeiro, o combatente cortejador:

– Quem fala bem sobre o amor, fala bem da revolução”.

Hoje, observo que Pablo Neruda foi um poeta do amor à mulher e do amor para todo o povo. Enfim, um poeta dedicado ao povo. Era desse modo que ele se definia a si mesmo. E mais, escreveu: “ao homem o que é do homem: sonho, amor, luz e noite, razão e paixão”. Em 1973, quando os fascistas de Pinochet chegaram para mata-lo no hospital, era tarde. O poeta já havia levantado a sua voz:  

“Sempre

Ainda que as passadas toquem mil anos este lugar,
não apagarão o sangue dos que aqui tombaram.

E não se extinguirá a hora em que tombastes,
ainda que milhares de vozes cruzem este silêncio.
A chuva há de empapar as pedras da praça,
mas não apagará vossos nomes de fogo.

Mil noites cairão com as suas asas escuras,
sem destruir o dia que esperam estes mortos.

O dia que esperamos ao longo do mundo
tantos homens, o dia final do sofrimento.

Um dia de justiça conquistada na luta,
e vós, irmãos tombados, em silêncio,
estareis conosco nesse vasto dia
da luta final, nesse dia imenso”.

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