“Amor Esquecido”

Filme polonês que destaca a ética médica e a luta por atendimento humanitário na Polônia de 1930, ressaltando a importância do amor paternal e da solidariedade.

Foto: divulgação

O longa-metragem polonês dirigido por Michal Gazda é ótimo. “Amor esquecido” narra a história, ambientada na Polônia dos anos 1930, de três personagens – Rafal Wilczur, Marysia e Antoni Kosiba. Baseado no romance “Znachor”, de Tadeusz Dolega-Mostowicz, envolve-nos pela beleza suave, passagens muito emotivas e algumas reviravoltas. Como um personagem é médico-cirurgião renomado e rico em Varsóvia, pode-se dizer que trata de duas formas de se praticar Medicina, ou então de duas formas de apoiar o próximo (ou não apoiar).  E também enaltece o amor paternal.

Pois, já sua cena inicial mostra o médico Wilczur (Lesek Lichota) fazendo uma “operação cardíaca”, costurando um coraçãozinho de pano no peito da boneca, também de pano, brinquedo de sua amada filha Marysia, de uns seis anos.  Pai e filha se abraçam com intensidade e por aí você começa a desconfiar que vai ter que preparar sua caixa de lenços.

Passeando por Varsóvia, ao lado do também cirurgião Dobraniecki (Miroslav Haniszawski), Rafal vê um menininho jornaleiro ser atropelado por uma carruagem e não tem dúvidas – corre para ajudar e levá-lo à clínica particular onde trabalha. O amigo diz que ele não pode levar uma criança pobre para uma clínica privada, mas Rafal insiste e dá os primeiros cuidados à criança.  Por aí se vê que Wilczur age mais com uma “mentalidade SUS” do que com a da medicina privada que só almeja lucro e só atende quem pode pagar.  Além do que atua pelo preceito da ética médica de nunca omitir socorro a quem precise, o que vale para qualquer pessoa, mas principalmente para médicos, e isso está bem gravado no atual Código da profissão.

Por ações como essa e por sugerir ao chefe da clínica a criação de uma ala de atendimento a crianças pobres da cidade, uma medida muito popular, Wilczur ganha a condição de cirurgião-chefe.

Porém, nem tudo são rosas para Rafal: ele tem um casamento infeliz e, um dia ao voltar do trabalho, descobre que sua mulher fugiu, levando a filha Marysia. Em seguida, é assaltado, e brutalmente espancado na cabeça, ficando estendido no chão da rua, sob o olhar omisso do “amigo”   Dobraniecki, que portava um revólver e nada fez. 

Lentamente caminhando por uma estrada de terra, no meio rural polonês, lá está Antoni Kosiba, um andarilho em roupas surradas, quando vê o acidente de uma carroça, que perde uma roda, além de o idoso condutor sofrer uma luxação de ombro na queda.  Kosiba se oferece para ajudar a por a roda no lugar. Nota a forte dor de ombro do idoso e lhe aplica uma manobra corretiva da medicina antiga, recolocando o braço de volta ao ombro, e a dor passa. Aceita o convite da camponesa Zoszka (Anna Szymañczyk), que estava na carroça com o idoso, e vai morar no sitiozinho deles, na cidadezinha rural de Radioliszki.  Sempre diz que não se lembra de nada da vida pregressa, porém exibe dotes de conhecimento prático médico, que decide aplicar para ajudar os pobres da região. 

Estabelece no sítio de Zoszka uma salinha de atendimento num galpão e formam-se filas de pessoas que não tem dinheiro para pagar médico. Neste trecho há algumas cenas comoventes, e faz-nos lembrar de nosso velho camarada João Carlos Haas Sobrinho, um dos guerrilheiros do Araguaia (1972-1975).  Haas, jovem recém-formado em Medicina na UFRGS, decidiu juntar-se aos guerrilheiros do PCdoB que se adentraram pelas matas do sul do Pará para lutar com os camponeses pela Reforma Agrária e contra a ditadura militar. Usando seus conhecimentos, João atendia as pessoas dali, como médico, e ficou querido no lugar por esse desprendimento humanista. Até hoje a família de Haas, principalmente sua irmã Sonia Haas, busca os restos mortais e a responsabilização do Estado pelo assassinato do jovem do Dr. Juca, como era chamado pelos moradores da região do Rio Araguaia.

Por coincidências típicas de romance, Marysia (Maria Kowalska) também mora em Radioliszki, trabalhando como garçonete numa taverna judia, e, depois de muitos vai-e-véns, se apaixona por um aristocrata chamado Leszek (Ignazy Liss), um bom jovem. Os dois saem de moto, mas sofrem acidente muito grave, no qual Marysia sofre traumatismo craniano.  Kosiba, sabendo de suas limitações, pede desesperadamente que o médico da localidade opere a moça, mas este se nega, pois, a pérfida mãe de Leszek o proíbe.  Questões de classe envolvidas… na aflição de ver a moça morrendo, ele mesmo, Kosiba, se arrisca a operar a cabeça de Marysia.

Há ainda, depois, cenas de um julgamento em que o réu é Kosiba, acusado de charlatanismo e de ter furtado instrumentos cirúrgicos da maleta do médico que se omitiu de operar Marysia, e aqui se dá o desfecho, para o qual aquela caixa de lenços vai de novo ser necessária.

A película é longa, mas vale a pena assistir. Bela, singela, paisagens bonitas, outros cenários (como o do tribunal) nem tanto, E uma esperança que nos aflige o coração com a experiência visual e auditiva, mas que tem sua angústia redimida com o final da história.  Não iremos além, para não estragar surpresas da narrativa. 

Recomendamos, sim, como um bom filme. Que poderia ter utilidade também sendo reproduzido em todas as Faculdades de Medicina do país, para que, talvez, futuros profissionais dêem mais valor à ética da profissão, à boa relação médico-paciente e menos aos interesses privados do bolso, como infelizmente hoje ainda acontece. 

Referência:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Carlos_Haas_Sobrinho,

Ficha Técnica:

“Amor Esquecido” (Original Netflix) – (Contém spoiler)
Título Original: “Znachor” (Polônia)
Duração: 140 minutos
Ano de produção: 2022
Distribuidora: Netflix
Direção: Michal Gazda
Classificação: 14 anos
Gênero: Drama, Romance
Elenco: Leszek Lichota, Maria Kowalska, Anna Szymañczyk, Ignacy Liss, Miroslav Haniszewski

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