“Ammonite” – amor brotando em meio a seixos e fósseis
Longa retrata a trajetória de Mary Anning, paleontóloga pioneira, e sua busca por reconhecimento em um mundo científico dominado por homens, tecendo um romance delicado e a luta por visibilidade feminina na ciência.
Publicado 08/04/2024 11:13
“Ammonite”, nome do fóssil de uma concha pré-histórica em forma de espiral, dá ensejo a um filme que contribui para por em relevo o esforço da paleontóloga britânica Mary Anning, que trabalhou ao longo do século 19 na gélida cidade balneária de Lyme Regis. Situada na costa leste da Inglaterra, no condado de Dorset, sua orla do mar está coberta por incontáveis seixos, banhados pelas águas do Canal da Mancha. O papel de Mary é notável e intensamente interpretado por Kate Winslet e retrata a busca incessante da competente pesquisadora para encontrar fósseis em Lyme Regis.
O talento de Mary, sua dedicação ao penoso trabalho de garimpar os fósseis na costa marítima, sua inquietude levaram-na a descobrir o primeiro fóssil (de um ictiossauro, um peixe pré-histórico) com apenas 11 anos de idade. No entanto, a sociedade da época, que somente valorizava os homens como cientistas, fez com que ela somente fosse reconhecida pela Royal Society como uma das dez mulheres britânicas que mais influenciaram a história da ciência em 2010. Isto é, 164 anos após sua morte.
Ela nasceu em 1799 e, ainda criança, além de fazer suas pesquisas, ajudava seu pai na venda dos fósseis, objetos de interesse também por turistas daquele balneário. A primeira descoberta de Mary – o fóssil do ictiossauro – é vendida, vai parar em exposição no Museu Britânico e, como mostrado no filme, ela não é creditada a Mary mas a um certo Henri Hoste Henley, que havia pago umas poucas libras por essa grandiosa descoberta. Ela, uma mulher com aspecto duro, busca pertinazmente as descobertas todos os dias, que são vendidas em lojinha da cidade para que possa sustentar sua mãe e a si mesma. (https://neofeed.com.br/blog/home/o-resgate-de-mary-anning-a-cacadora-de-fosseis-que-quase-foi-apagada-da-historia/)
A dor da mãe e uma relação fria entre ambas revela de certa forma o período em que viviam mas também as imensas perdas da mãe e de Anning, o que é mostrado de forma estranha e um tanto sobrenatural.
Talvez para romper um pouco com a fotografia densa, gélida, triste e sombria, que perpassa todo o filme, e com a solidão de Mary e de sua mãe, o diretor da película Francis Lee opera uma relação entre Mary e Charlotte Murchison (Saoirse Ronan), que é casada com o geólogo escocês Roderick Murchison (James McArdle). O casal vai ter a Lyme Regis, e Charlotte está amargurada pela perda de um filho. Roderick diz que tem viajar pela Europa e pede a Mary para cuidar de Charlotte durante sua ausência. De classes sociais completamente opostas, Mary e Charlotte se aproximam pouco a pouco num filme que trata o romance de forma sublime. As cenas de amor entre ambas são intensas e belas, transmitindo emoções e uma esperança para ambas as mulheres. A paleontóloga, solitária e desprezada pela sociedade patriarcal, que impedia que mulheres pudessem assinar por suas pesquisas, de um lado, e, de outro, Charlotte, que busca reconforto e amor, uma vez que seu marido não tem sensibilidade para compreender o quanto ficou devastada pela perda do filho.
Além da fotografia forte, mas que tem sua atração, o som ganha destaque com as ondas do mar batendo forte nas rochas, que as vezes se misturam aos curtos diálogos, mas que revelam o nascer de uma intimidade entre as protagonistas.
Mesmo que não haja relatos ou documentos que possam comprovar o relacionamento entre as personagens, o diretor justifica que não poderia ligar Mary a um relacionamento com um homem, pois justamente o patriarcado a tinha silenciado, mais do que isso, usurpado toda sua vida, a mantendo na miséria e anonimato.
O filme tem seu profundo valor ao resgatar a história de Mary Anning, em um momento, agora no Brasil, em que se busca conferir protagonismo às meninas e mulheres na Ciência, procurando resgatar o papel e contribuição das cientistas que foram apagadas na história, como Anning, que nunca assinou uma publicação científica, mas ainda assim sendo reconhecida somente mais de um século depois de sua morte.
Veja o trailer abaixo:
Ficha técnica:
“Ammonite” (disponível na NetFlix – 2020)
Direção e roteiro: Francis Lee
Gênero: drama, história
País: Reino Unido
Ano: 2020
Duração: 117 minutos
Classificação: 16 anos