Afrociberdelia e a revolução do manguebeat na cultura

Afrociberdelia expressa o pensamento do manguebeat, que busca unir as raízes populares da cultura regional com as raízes populares de gêneros de outras partes de mundo

Foto: Divulgação

Dando sequência às comemorações dos 30 anos do movimento cultural manguebeat, cujo marco inicial se deu com a publicação do manifesto “Caranguejo com cérebro”, em 1992, uma breve resenha de Afrociberdelia, o segundo e último disco do Nação Zumbi, com participação de Chico Science (1966-1997).

Leia “Qual o legado do manguebeat 30 anos depois?”, publicado no Vermelho, dia 29 de julho.

Lançado em 1996 e considerado por críticos um dos mais importantes álbuns da música popular brasileira, Afrociberdelia expressa o pensamento do manguebeat, que busca unir as raízes populares da cultura regional com as raízes populares de gêneros de outras partes de mundo.

As suas 13 faixas representam a ideia central do manguebeat de dar voz às pessoas sem voz no sistema em que vivemos. Inclusive o encarte do disco traz uma explicação sobre o neologismo afrociberdelia.

Com criatividade, o escritor e compositor Bráulio Tavares afirma que afrociberdelia é um jargão da gíria das ruas no qual misturam-se os termos África, cibernética e psicodelismo. Catalogado informalmente como “a arte de cartografar a Memória Prima genética (o que no século 20 era chamado de “inconsciente coletivo”) através de estímulos eletroquímicos, automatismos verbais e intensa movimentação corporal ao som de música binária”.

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Temos todos os elementos da proposta do manguebeat para a transformação da cultura, promovendo o acesso a todas as pessoas. A cultura viva ligada aos acontecimentos locais, nacionais e mundiais. Romper tradições e construir o novo.

Já no primeiro álbum do grupo com Science, “Da lama ao caos”, a música “Coco Dub” apresenta o conceito de afrociberdelia ao cantarem que a “imprevisibilidade de comportamento/ O leito não-linear segue para dentro do universo/ Música quântica”. A voz das ruas e as novas tecnologias e sons mais sofisticados no mesmo patamar. Como na canção “Um passeio no mundo livre”, que transcende o tempo por versar sobre o sentimento de humanidade e de liberdade presente na mente de todas as pessoas. Afinal, todo mundo quer um mundo livre de qualquer tipo de opressões. Livre de todos os preconceitos que nos empurram para trás, quando o mais importante é andar para a frente.

Um passeio no mundo livre (1996), de Dengue, Gira, Jorge Du Peixe, Lúcio Maia e Pupilo

  • “Eu só quero andar nas ruas do Brasil
  • Andar no mundo livre sem ter “sociedade”
  • Andando pelo mundo, de todas as cidades
  • Andar com os meus amigos sem ser incomodado
  • Andar com as meninas de eletricidade”

Primordialmente a herança africana em todas essas expressões culturais, como o maracatu, o coco, o rock, o rap, o funk, o samba e muito mais. O grupo encontrou em “Maracatu atômico” (1972), de Jorge Mautner e Nelson Jacobina (1953-2012), uma de suas mais perfeitas traduções. Mas em Afrociberdelia, a mistura de sonoridades é ainda mais intensa, o que acarretou novas opções de sons para tudo o que veio depois.

A canção “Um satélite na cabeça” avança sobre as críticas ao sistema obtuso que tira das ruas os sonhos e esconde as verdadeiras razões das causas do sofrimento, da fome, da miséria, das desigualdades e dos preconceitos.

Um satélite na cabeça (1996), de Chico Science, Jorge Du Peixe, Lúcio Maia, Toca Ogam, Gira, Dengue e Bolla

  • “Como um pássaro, o tempo voa
  • A procura do exato momento
  • Onde o que você pode fazer fosse agora
  • Com as roupas sujas de lama
  • Porque o barro arrudeia o mundo
  • E a TV não tem olhos pra ver”

O mundo se encanta e canta as músicas do Nação Zumbi porque são carregadas do que temos de mais autêntico na cultura popular de Pernambuco, do Nordeste e do Brasil mescladas com sons de outras partes desse planeta, que é redondo e gira, mesmo contra a vontade de mentes caquéticas.

E enquanto o mundo explode (1996), de Chico Science, Jorge Du Peixe, Lúcio Maia, Toca Ogam, Gira, Dengue e Bolla

  • “A engenharia cai sobre as pedras
  • Um curupira já tem o seu tênis importado
  • Não conseguimos acompanhar o motor da história
  • Mas somos batizados pelo batuque e apreciamos a agricultura celeste
  • Mas enquanto o mundo explode
  • Nós dormimos no silêncio do bairro
  • Fechando os olhos e mordendo os lábios
  • Sinto vontade de fazer muita coisa”

Que a vontade de fazer muita coisa sirva para fazermos o mundo explodir somente em sentimentos, alegrias e respeito a todas as pessoas. Filosofia básica do movimento manguebeat, aqui representado pela sensibilidade de Chico Science e Nação Zumbi, num álbum ímpar, plural e revolucionário. A arte a serviço da vida, do amor, da paz e da liberdade.

Álbum completo:

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