A Sra. Graeml e sua “nova” proposta da “roda dos expostos”
Crítica à proposta de uma candidatura de Curitiba sobre adoção de filhos de mães solteiras, ligando-a às violências históricas e atuais contra mulheres e crianças
Publicado 24/10/2024 15:08

Vivemos momentos sombrios como já anunciou Bertold Brecht em seu poema inabalável: “Aos que vieram depois de nós”, escrito às vésperas da Segunda Guerra Mundial. O poema expressa desesperante e triste mensagem para a atual e futura geração: a condição da fome, da doença, da injustiça, da tirania, do autoritarismo, de uma verdadeira hecatombe dos dias atuais. O poema de Brecht do início do século XX é tristemente atual, na conjuntura, do século XXI, refletindo questões postas como alienação, exploração, desumanização, dispersão, fragmentação da civilidade humana, sendo constatado em quase todos os países do mundo. Um cenário grotesco para esmagadora maioria da população mundial, com ascenso da extrema-direita, tendo como uma das expressões mais cruéis o genocídio do povo palestino por Israel, com apoio absoluto dos Estados Unidos, e que se aprofunda e se espraia para todo Oriente Médio. O poema de Brecht enuncia essa barbárie. Como o genocídio que esmaga uma nação como a Palestina e que mata principalmente crianças e mulheres.
Porém, que relação teria esse cenário desolador com uma recente fala da candidata a prefeita em Curitiba a senhora Graeml, e de que trata esse breve texto? Muito, ou tudo a ver. A candidata do PMB (ironicamente Partido da Mulher Brasileira), no segundo turno das eleições, entre os vários pronunciamentos esdrúxulos e violadores de direitos, sugere para as mães solteiras ou abandonadas entreguem seus filhos para que uma “entidade Pró-vida” receba essas crianças para doação, como se fossem mercadorias, coisas ou objetos. Qual a diferença da retirada das crianças das mães palestinas seja pelo terror do genocídio, do massacre, com a condenação das mulheres pelo fato de serem mães solos, vítimas de violências ou abandonadas?
A retirada dos filhos, em qualquer hipótese é uma das piores violências, e no Brasil, fere o Estatuto da Criança e do Adolescente promulgado em 1990, que inaugurou no ordenamento jurídico brasileiro a Doutrina da Proteção Integral, que declara ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar com absoluta prioridade, à criança e ao adolescente os seus direitos. Será que desconhece que a maioria dos lares brasileiros são chefiados por mulheres? Segundo pesquisa do IBGE/PNAD, 50,8% das famílias são chefiadas por mulheres, e mulheres, que foram abandonadas, mulheres que escolheram ficar sós, mulheres que foram abusadas e se encontravam em situação de violência.
Diante dessa fala a um canal de televisão em Curitiba, declaração essa, que remonta ao século XVIII, o Movimento Nacional da População em Situação de Rua, com apoio de diversas organizações manifestaram indignação e divulgaram nota que foi publicada em mídias na cidade. A nota evidencia que a propositura dessa candidata, retoma a “Rodas dos Expostos” ou a “Roda dos Enjeitados” ou Rejeitados, quando mulheres solteiras eram obrigadas a abandonar seus filhos nesses locais em decorrência do preconceito e da opressão social, pelo fato de não serem casadas. Naquele período uma infinidade de crianças foram jogadas em rios ou deixadas ao tempo em que morriam por ataque de animais, doenças e fome.
O que os movimentos sociais e feministas que endossaram a nota exigem é que a prefeitura exerça sua função de promover políticas públicas de respeito, inclusão, diversidade a todas as mulheres, especialmente aquelas que mais sofrem a opressão do Estado capitalista, patriarcal e racista. Compreender que no Brasil e no mundo, as mulheres estão na linha de frente da resistência ao fascismo. E que os ataques aos corpos das mulheres não vem de hoje e que é preciso continuar mantendo a diretiva de mais mulheres nos espaços de poder e representação e que para isso, não basta ser mulher, é preciso ter consciência, é preciso respeito, é preciso radicalizar a democracia. Apostamos na construção de uma Política Municipal de Cuidado que avance na responsabilização do Estado pelo cuidado e a reprodução social. Nessa construção queremos acumular forças para romper com as dinâmicas da divisão sexual e racial do trabalho, no sentido de construir uma economia em que a sustentabilidade da vida esteja no centro. E, para tanto, é preciso combater as expressões do fascismo presente na atualidade resgatando Brecht em uma parte de seu poema: “Realmente, vivemos tempos sombrios!
“A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas denota insensibilidade. Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia que está para chegar (…)” (Bertold Brecht)
Confira a publicação da nota em mídias de Curitiba:
Aqui: Movimentos sociais repudiam fala preconceituosa de Cristina Graeml sobre mães solteiras
aqui: Cristina Graeml quer criar instituto para “mulheres abandonadas” doarem seus filhos
e aqui: Fala de Cristina Graeml sobre ‘doação de bebês’ provoca indignação em entidades de direitos humanos
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