A flecha lançada
Uma análise do chamado mensalão deve começar pelo pressuposto de que setores do bloco governista, logo após o processo eleitoral de 2002, usaram um mau hábito da baixa política eleitoral, o famigerado caixa 2, instrumento muito popular entre empresários do mundo inteiro, para burlar informações fiscais. E há muito tempo vem sendo utilizado na seara contábil política.
Publicado 25/07/2012 23:21
Para produção desse instrumento nada republicano, o grupo do “mensalão” usou tanto empréstimos bancários normais quanto sobras de campanha, algumas de origem legal, outras de fontes suspeitas e muitas resultantes de manobras financeiras supostamente ilegais. O objetivo dos partidos envolvidos era o de quitar pendências da última eleição. O julgamento do Supremo Tribunal Federal em breve apontará o que foi certo e o que foi errado.
Para se avaliar a extensão desse tipo de fraude no Brasil, teria sido conveniente que os atores oposicionistas, amparados pelos holofotes midiáticos, não tivessem limitado suas análises apenas ao campo dos partidos da base aliada. É também lamentável que as críticas se tenham direcionado apenas ao período da campanha de reeleição do presidente Lula. Ambos os fatos caracterizam manipulação em benefícios de interesses da grande imprensa e da oposição, incompatíveis com a continuidade de um governo comprometido com as causas populares. Por isso mesmo seria preciso atingir a figura de Lula e inviabilizar a renovação do mandato petista. Felizmente, para o presidente, os adversários produziram muita pirotecnia e pouca consistência acusatória.
Desde os tempos da CPI, criou-se estéril discussão sobre a existência ou não do chamado mensalão. Mais parece um diálogo de surdos. No centro da discussão, diz a oposição com apoio da grande mídia, um pagamento seriado, mensal, de propinas a deputados do PT e da base aliada para votar favoravelmente aos projetos do governo. Aqui, uma pergunta que ninguém consegue responder: deputados do PT teriam recebido propina mensal para votarem no interesse do próprio partido? Por outro lado, todos sabem que a palavra foi espetacularmente cunhada pelo então deputado Roberto Jefferson, artimanha que visou desviar de si próprio as atenções de era alvo por sua responsabilidade em fraudes de licitações nos Correios (ECT). Seis anos mais tarde, Roberto Jefferson protocola uma petição ao Supremo em que afirma não ter havido o "fato" mensalão, que fora apenas "retórica", "modo de dizer". Ou seja: todas as acusações, sem provas, não eram fatos, eram factóides. Manipulações, mentiras.
Seu repentino reconhecimento não é somente uma espécie de “mea culpa” para sensibilizar os ministros do Supremo face à aproximação do julgamento, com objetivo de abrandamento de uma provável punição. É, na realidade, um estratagema de quem conhece muito bem os meandros e ritos do julgamento, ele mesmo um experimentado profissional de júri. Por bem conhecer os autos do processo, sabe que não se sustenta tecnicamente a tese do mensalão. E o sabe também porque foi a sustentação dessa tese que lhe custou a cassação do mandato na Câmara dos Deputados em setembro de 2005.
Como “a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida” do adágio popular “nunca voltam atrás”, o factóide de Jefferson veio em boa hora para acalentar o sonho oposicionista/midiático de enfraquecer Lula e derrotá-lo nas eleições presidenciais de outubro de 2006, pelo incansável uso do proselitismo político. Sonho que se frustrou pela reeleição, pelo aumento da popularidade interna e pela repercussão positiva do governo Lula mundo afora. No entanto, o factóide de Jefferson é, ainda hoje, um ponto de honra oposicionista e midiático. Por quê? Porque se aproxima o julgamento no Supremo e, para decepção dos interesses citados, pela tendência de um juízo destituído do viés político, não dará sustentação à retórica falida do “mensalão”.
Sidnei Liberal