A crise e o esporte

São nítidos os efeitos da crise econômica global no mundo esportivo. Há cerca de 20 anos, era impossível imaginar que a NBA, o torneio mais galático do mundo, ficasse paralisada, com seus principais atletas se espalhando pelo mundo para poder jogar basquete, e receber salários.

Na Itália, foi só uma ameaça. Já na Espanha, aconteceu.

Uma rara e improvável greve dos jogadores de futebol adiou o início do Campeonato Espanhol. Justo no país onde milhares de jovens acampavam em praças em busca de saídas para uma das taxas de desemprego juvenil mais elevadas do mundo.

Após a fuga de investidores, patrocinadores e, principalmente, consumidores que sustentavam os clubes menores da liga espanhola, até mesmo os jogadores dos grandes se viram obrigados a intervir.

O abismo criado entre a dupla Barcelona-Real Madrid e o resto dos times, ameaça até mesmo as pretensões comerciais da competição. O Campeonato é, na prática, disputado apenas pelos súditos do Rei Juan Carlos (o que, infelizmente, não se cala) e o patrimônio maior dos catalães.

Nestes clubes, não existem times. Mas sim, constelações.

Recheados de dinheiro, oriundos em grande parte dos direitos transmissivos para a televisão, montam seleções mundiais. Times capazes de ganhar até mesmo a Copa do Mundo. Se formos analisar bem, a base do time espanhol, campeão mundial na África do Sul, era o time do Barcelona, com poucos inxertos, e sem o Messi.

Na primeira divisão espanhola, Barcelona e Real Madrid abocanham 48% do bolo da venda dos direitos de transmissão. Aos outros, a merreca que resta não dá conta das dívidas. Alguns clubes chegaram a atrasar até sete meses de salários aos seus jogadores.

Quando o país entra em crise, as empresas fecham as torneiras e, por melhores que sejam os matemáticos dos clubes, a conta não fecha.

Se na Europa as coisas vão desta maneira, imagine só nos Estados Unidos, onde a crise veio e se apegou quase que afetivamente ao país. Não larga de jeito nenhum.

Se a casa já caiu para quem ficou sem casa, além do rebaixamento da economia estadunidense para a segundona do campeonato mundial especulativo financeiro, agora também as principais competições esportivas do país entraram em colapso.

A NFL (National Football League) e a NBA (National Basketball Association) entraram em lockout. Quando as entidades patronais dos times não entram em acordo com as associações de jogadores, ficam impedidas, contratualmente, de iniciar os torneios.

Não que isso nunca tenha acontecido, pelo contrário. A NFL teve seu último lockout em 1987, já a liga de basquete faz menos tempo ainda, na temporada 99/2000.

Mas este “tudo ao mesmo tempo agora” no esporte estadunidense é demonstração clara que a crise bateu, ficou e não tem choque de capitalismo que ajeite.

Aliás, é sabido desde muito tempo que capitalismo e crise são sinônimos. E a cada choque de capitalismo para ajeitar uma crise, gera-se outro choque de crise que desajeita o capitalismo.

Resumindo: o capitalismo não tem jeito, mas a crise tem. E não é o capitalismo.

Mas convenhamos, eles ainda estão muito longe de entender esta simples equação. E podem não ter muito tempo para isso.

Se o campeonato de futebol com as mãos já começou, a previsão de início para o basquete é para dezembro. Enquanto isso, os craques da bola ao cesto vão desfilar suas inúmeras qualidades em outros cantos. O gênio Kobe Bryant, por exemplo, vai passar um tempinho na China, de onde parece vir o dinheiro no atual momento.

Podemos, enfim, falar do Brasil.

Estamos, aparentemente, na contramão da Europa e Estados Unidos. Enquanto eles se desfazem, nós repatriamos.

Se ainda não chegamos no nível dos principais times europeus, ao menos podemos dizer que as ligas já não possuem toda esta distância.

Se perdemos nos clássicos, ganhamos nos jogos menores. Alguns times brasileiros tem plenas condições de, na hipótese de disputarem campeonatos nacionais europeus, ao menos, conseguir vaga na Liga dos Campeões.

Porém, é preciso pontuar algumas questões, que podem ter relevância em um outro momento econômico brasileiro.

A experiência espanhola nos mostra que a concentração de recursos em poucos clubes sufocam os demais. Quando se olhar para o lado, e não se ver nada além das cotas de TV, a tendência é repetir o mau exemplo.

Só com uma “diferencinha”! Nosso campeonato tem como característica marcante a presença de, com várias nuances históricas, 12 clubes em condições de título. Concentrar os recursos da mídia, como a última negociação dos direitos de transmissão com a Rede Globo apontou, pode desmontar esta característica.

E, se estamos trazendo jogadores de basquete da NBA em contratos-relâmpago, devemos também olhar para os EUA.

A crise econômica não é um gordinho simpático que bate em nossa porta, perguntando gentilmente se pode ali se instalar.

Se a China vai se consolidando como grande potência, este não é o nosso caso. Ao contrário dos chineses, nossos olhos devem ficar bem abertos para que os próximos a quebrar, em meio a crise, não sejamos nós.

Tem gente que acredita que não. Eu prefiro esperar…

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