A cidade como negócio
Explorando a cidade além do território: uma análise da transformação urbana sob a lógica capitalista e a necessidade de reivindicar o direito à cidade para todos
Publicado 18/07/2024 09:26
Ao abordar a cidade (e/ou a metrópole), costumamos tratar esse espaço apenas como o lugar onde a vida acontece, o local em que se desenvolvem as relações sociais, ou seja, o convívio das pessoas. Tão somente como o território, como um espaço geográfico onde as coisas são produzidas, vendidas e consumidas.
Mesmo quando nos relacionamos com outras dimensões da vida em sociedade, como a educação, a saúde, a cultura, o esporte, e o lazer, etc., costumamos nos referir à cidade como o lugar onde as coisas acontecem. Para onde as pessoas se dirigem, ou onde moram. O local onde produzimos, vendemos e consumimos. Portanto, apenas um lugar. O onde.
Se temos algo a comercializar, é na cidade onde vamos fazê-lo. Ou comprar alguma coisa que lá chegou ou que lá foi produzida. Vamos vender? É na cidade! Queremos comprar? Sigamos para a cidade, então.
Mas será que a cidade é apenas o onde? A cidade é apenas o local onde fazemos negócio, ou ela é, também, um negócio? O espaço onde compramos, será que não está, também, à venda?
A cidade é um espaço produzido. E vendido. E consumido. O próprio desenho da cidade, modificado cotidianamente, ao mesmo tempo em que abriga e produz as relações entre as pessoas, também é produto dessas relações. Relações sociais, políticas e… econômicas.
Por que será que uma casa situada em um determinado bairro da cidade, comparada a uma outra de mesmo tamanho, construída sob os mesmos padrões de tijolo, cimento e ferro, de tinta e de acabamento, localizada em outro bairro, não recebe o mesmo preço de compra e venda?
Qual a diferença entre o preço das duas “mercadorias”? São os serviços oferecidos nas proximidades? É a infraestrutura construída no local? São itens como a segurança, o conforto e o lazer ao alcance das pessoas?
Por qual razão é mais caro morar “nessa” cidade do que “naquela outra”? São as belezas naturais existentes? É o seu tamanho ou sua arquitetura? A localização geográfica? O seu clima? É a diferença quanto às oportunidades oferecidas?
A cidade vai sendo produzida predominantemente sob o desígnio da produção e da reprodução do espaço como uma mercadoria que possui um valor que se valoriza, e que, nesse processo, vai intensificando a sobreposição da lógica do valor de troca ao uso improdutivo do espaço para a vida cotidiana.
Para a Professora Ana Fani Alessandri Carlos (*),
“Na contemporaneidade, a sociedade é dominada pelo econômico, de maneira que a acumulação se concretiza na produção de um espaço mundializado como tendência e momento de realização do capitalismo, apontando que a necessidade de superação dos momentos de crise se faz pela incorporação de novas produções ao processo de acumulação, dentre elas a do espaço urbano, que se efetiva com a hegemonia do capital financeiro.”
Assim, vai configurando a realização da totalização socioespacial urbana pela e para a lógica da acumulação econômica capitalista, marcada fortemente pelo fator econômico, com a produção, a reprodução e a circulação das riquezas.
Acrescenta ainda, a mesma autora, que
“A ‘produção da metrópole como negócio’ se situa nesse contexto, dando novo conteúdo à urbanização contemporânea, na qual o espaço aparece como condição necessária ao processo de reprodução do capital, isto é, o capital só pode se realizar através da estratégia que torna o espaço um momento do processo produtivo. Neste momento, a reprodução da metrópole é condição necessária à reprodução do capital.”
Para podermos reivindicar nosso direito a uma vida digna na cidade, também chamado de DIREITO À CIDADE, é preciso mais do que conhecê-la e compreendê-la. É preciso transformá-la, mudando o seu rumo: de cidade do capital para cidade a serviço do ser humano.
(*) CARLOS, Ana Fani A. A tragédia urbana. In A cidade como negócio. CARLOS, Ana Fani A; VOLOCHKO, Danilo; ALVAREZ, Isabel Pinto (organizadores). Editora Conexto. São Paulo. 2015, página 44.