Trump ameaça países do BRICS com tarifas de 100%

Ao tentar defender a hegemonia dos EUA, Trump pode ter provocado um afastamento ainda maior dos BRICS em relação ao dólar

Bonecas russas Matryoshka do presidente chinês Xi Jinping, do presidente eleito dos EUA Donald Trump e do presidente russo Vladimir Putin à venda em loja de São Petersburgo.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, gerou tensões diplomáticas ao ameaçar aplicar tarifas de 100% sobre produtos exportados por países do BRICS caso o bloco avance na substituição do dólar em transações internacionais. A declaração ocorre em meio à crescente discussão sobre desdolarização no grupo, que agora reúne Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e outros seis membros admitidos recentemente, incluindo Arábia Saudita e Irã.

O tamanho dos Brics na economia mundial representam 46% da população mundial. O PIB combinado dos membros do grupo ultrapassa o das potências ocidentais, segundo as projeções do Fundo Monetário Internacional. Economias do bloco incluem a China (2ª maior do mundo), Índia (7ª), Brasil (9ª) e Rússia (11ª).

Suas economias ainda são emergentes, ainda há muita pobreza dentro de seus países e seus poderios bélicos ainda não superam o dos países mais desenvolvidos. Também há o fato de que os Brics não são um grupo coeso, nem politicamente, nem culturalmente. 


BRICS e a desdolarização

Desde a criação do sistema financeiro global pós-Segunda Guerra Mundial, o dólar se consolidou como a principal moeda de reserva e comércio internacional. Essa posição, entretanto, tem gerado vulnerabilidades para economias emergentes, especialmente diante de flutuações na política monetária dos EUA e sanções econômicas unilaterais, como as aplicadas contra a Rússia após a invasão da Ucrânia.

Líderes do BRICS, especialmente o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, têm defendido o uso de moedas locais em transações comerciais como forma de reduzir a dependência do dólar. O bloco deve avançar na construção de um sistema financeiro menos dependente do dólar, fortalecendo o Novo Banco de Desenvolvimento e a cooperação econômica entre seus membros”, disse Lula durante a cúpula dos Brics no mês passado, realizada em Kazan, na Rússia.

No ano passado, o Banco Central do Brasil firmou um memorando de entendimentos com o Banco Central da China para facilitar transações comerciais diretas entre o real e o yuan, sem a necessidade de conversão para o dólar americano.

A China e a Rússia lideram iniciativas nesse sentido, com a primeira ampliando (e fortalecendo) o uso do yuan em transações bilaterais e a segunda pressionando por alternativas após ser excluída do sistema global de pagamentos SWIFT. Quando a Argentina enfrentava um agravamento de sua crise financeira que já se arrasta há anos, a China financiou o país sulamericano em yuan.

A resposta de Trump e as implicações econômicas

Em uma rede social, Trump chamou a ideia de substituir o dólar de “absurda” e afirmou: “Eles podem procurar outro ‘otário’”. Ele ameaçou elevar tarifas de importação a produtos de países do BRICS, dizendo que essa seria uma resposta à tentativa de “subverter a hegemonia americana”.

As ameaças de tarifas de Trump remetem ao protecionismo que marcou seu primeiro mandato, quando aumentou alíquotas sobre importações de países como China, em vez de acenar com incentivos e menos sanções. Economistas alertam, porém, que tais medidas podem ter efeito reverso, incentivando ainda mais o afastamento do dólar por países emergentes.

A alíquota de Trump é aplicada sobre bens exportados. No entanto, Irã, Rússia e Emirados Árabes Unidos destinam menos de 3% de suas exportações para os EUA, uma dependência insignificante diante da ameaça. Da Arábia Saudita, do Egito e da Argentina, a média é de 5% a 10%. No caso do Brasil, China, India e Etiópia, fica entre 10% e 21% do total de suas exportações.

O clima no comércio internacional reflete a implosão da OMC (Organização Mundial do Comércio) e suas regras comuns, conforme os EUA se desinteressam pela gestão de organismos multilaterais.

Impactos e reações internacionais

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que os EUA estão cometendo um “erro estratégico” ao utilizar o dólar como arma política. Ele destacou que a tendência global de diversificação monetária já está em andamento, e que as ameaças de Trump apenas aceleram esse processo. “Um tiro pela culatra”, comparou.

Por outro lado, especialistas apontam que, embora o discurso do BRICS sobre desdolarização seja robusto, a implementação prática enfrenta desafios. Países como o Brasil, embora realizem transações em moedas locais com a China, ainda mantêm grande parte de suas reservas internacionais em dólar.

A China já tem respondido às taxações e sanções americanas com uma “guerra de cadeias de suprimentos”. Empresas importantes, como fornecedoras das Forças Armadas dos EUA, perderam acesso ao fornecimento de baterias de lítio chinesas, por exemplo. O objetivo tem sido usar o status da China como a fábrica do mundo para aplicar punições.

A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, conclamou os líderes da União Europeia (UE) a cooperar com Trump e a comprar mais produtos americanos para evitar guerra comercial. Há uma preocupação de que a alta unilateral de tarifas prometida por Trump leve mais fabricantes europeus a transferir a produção para os EUA.

O papel do Brasil no cenário de 2025

Sob um ambiente de “lei da selva”, em que os organismos multilaterais perderam o sentido, o Brasil assumirá a presidência rotativa do BRICS em 2025 sob o lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”. A meta é promover maior integração econômica no bloco e explorar o uso de moedas locais sem, necessariamente, criar uma moeda comum no curto prazo.

O cenário atual reflete uma fragmentação crescente no sistema internacional, com países do Sul Global buscando maior autonomia frente às dinâmicas de poder lideradas pelos EUA. Analistas avaliam que as tarifas prometidas por Trump podem desencadear respostas inesperadas, incluindo maior alinhamento entre os membros do BRICS e outros países emergentes.

Até os parceiros mais simpáticos aos EUA querem alternativas para se proteger do seu avassalador domínio financeiro, militar, tecnológico e cultural com seu comportamento cada vez mais disfuncional e descontínuo que solapa a defesa de seus próprios valores liberais.

O futuro da hegemonia do dólar

Apesar das tensões, o dólar permanece dominante no comércio internacional e nas reservas globais. A transição para um sistema financeiro multipolar será lenta, mas inevitável, afirmam especialistas. Trump, ao ameaçar sanções draconianas, pode estar acelerando um processo que ele mesmo deseja evitar: a busca por alternativas globais à moeda americana.

Os próximos anos serão decisivos para determinar se a cooperação dentro do BRICS será capaz de oferecer soluções concretas ou se o bloco continuará enfrentando os desafios de suas próprias divisões políticas e econômicas.

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