Resultado eleitoral reflete divisões e reorganiza forças políticas no Brasil, diz Nádia Campeão
O processo eleitoral mostrou divisões no campo da direita e da extrema direita,, fragilizando o PL e o bolsonarismo, avalia a secretária de Organização do PCdoB
Publicado 31/10/2024 19:58 | Editado 01/11/2024 06:16
Em entrevista ao programa Entrelinhas Vermelhas, Nádia Campeão, secretária nacional de organização do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e ex-vice-prefeita de São Paulo (2013-2016), ofereceu uma análise mais apurada do cenário político brasileiro após as últimas eleições municipais, destacando o panorama que aponta uma fragmentação na direita e o fortalecimento de alternativas progressistas. Ela destacou que, apesar das expectativas de unificação entre partidos de direita e extrema-direita, houve divisões notáveis dentro do campo, o que fragiliza o PL e diminui a força do bolsonarismo como bloco hegemônico.
Nádia comentou que o Partido Liberal (PL), associado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, não conseguiu resultados expressivos, ficando atrás de partidos como o MDB e o PSD, mesmo com amplo apoio do fundo eleitoral. “O fracasso do PL em consolidar-se como líder no espectro de direita evidencia as divisões dentro do campo e enfraquece o bolsonarismo como força política coesa”, declarou a dirigente. Essa fragmentação, segundo Campeão, pode influenciar decisivamente as disputas pela presidência da Câmara dos Deputados e do Senado e impactar as eleições presidenciais de 2026.
Outro ponto levantado pela dirigente foi o papel das emendas parlamentares, especialmente aquelas oriundas do “orçamento secreto” durante o governo Bolsonaro, que consolidaram o poder de prefeitos e fortaleceram candidaturas locais. “A alta taxa de reeleição em várias regiões reflete essa influência. As emendas permitiram que prefeitos ampliassem seu poder local e garantissem recursos para suas cidades, mesmo em um cenário de instabilidade”, explicou a dirigente partidária.
Assista a íntegra da entrevista:
Em seu diagnóstico sobre o PSDB, Nádia avaliou a perda significativa de espaço do partido, que caiu de governar mais de 34 milhões de brasileiros em 2020 para cerca de 8,4 milhões. Esse esvaziamento criou uma brecha para o fortalecimento do PSD, que, ao tentar se posicionar como alternativa de centro-direita, busca atrair um eleitorado mais moderado. “O PSD soube se aproveitar do declínio do PSDB, assumindo uma posição ponderada e dialogando com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, algo essencial para o campo progressista”, afirmou.
A análise também abordou o aumento expressivo da abstenção, votos brancos e nulos, fenômeno que, em São Paulo, alcançou 30% do eleitorado. Ela ressaltou que essa tendência reflete o desinteresse e um certo desencanto com o processo eleitoral. “É preocupante que o voto obrigatório não tenha mais o mesmo impacto e que uma parcela significativa dos eleitores se sinta desencorajada a participar”, comentou. Contudo, a dirigente ponderou que o índice de participação de 70% ainda é significativo para validar o processo democrático.
Nádia também refletiu sobre os desafios do campo progressista, reconhecendo a necessidade de renovação tanto nas lideranças quanto nas estratégias de comunicação para conectar-se com o público jovem. Para ela, figuras emergentes precisam representar melhor os anseios atuais, especialmente em pautas como trabalho digno e políticas de sustentabilidade. “Precisamos de lideranças que verbalizem nossos valores e tragam um frescor ao debate político”, enfatizou.
A dirigente do PCdoB criticou ainda a disseminação de uma lógica ultraliberal e individualista nas redes sociais, que tem afastado a população jovem da política. Esse individualismo, segundo Campeão, contribui para a precarização das relações de trabalho e reforça o modelo de “uberização”. Ela exemplificou como figuras públicas, como Pablo Marçal, promovem uma visão de sucesso individual, ignorando fatores estruturais. Para ela, é essencial que a esquerda resgate o entendimento da política como um projeto coletivo de transformação. “Devemos reforçar o papel do Estado em serviços essenciais, como saúde e educação públicas, e lutar contra a precarização do trabalho”, sublinhou.
Em relação às redes sociais, Nádia destacou o desafio das Big Techs, que frequentemente favorecem discursos conservadores. Ela vê a atuação digital como estratégica e essencial para as forças progressistas, que devem se reposicionar e se fazer ouvir em um ambiente muitas vezes adverso. “Precisamos atualizar nossas pautas, como a defesa da industrialização nacional e dos direitos trabalhistas, de maneira acessível e engajante”, observou.
A analista também comentou sobre a importância da federação partidária do PT e PCdoB, que, segundo ela, pode representar uma base sólida para uma futura articulação ampla de esquerda. Ela sugere que o exemplo da Frente Ampla do Uruguai inspira a construção de um projeto político e programático coeso, que possa unificar forças progressistas em torno de uma agenda transformadora para o Brasil.