Reação a melhora em nota de risco reforça que mercado ignora avanços no Brasil

Nova classificação de agência não seria surpresa se agentes financeiros reconhecessem que governo tem dado passos positivos para crescimento da economia

Foto: Ricardo Stuckert

A economia brasileira tem dado sinais positivos nos últimos tempos, e ainda assim, quando as vozes do mercado ecoam por meio de seus especialistas, jornalistas e afins, a impressão é de que a situação é inversa. A sucessão de indicadores mostrando o contrário parece não ser suficiente para fazer com que essas avaliações sejam corrigidas. E assim, de tempos em tempos, nos deparamos com manchetes dando conta de que o mercado “se surpreendeu” ou que “reviu” determinada projeção.

O caso mais recente veio com a nova classificação feita pela agência Moody’s, que elevou a nota brasileira de Ba2, dois níveis abaixo do grau de investimento, para Ba1, um nível abaixo dessa categoria, e ainda apontou para a possibilidade de uma nova alta nos próximos meses.

Para exemplificar esse viés “do contra” por parte do mercado e de seus representantes, vale lembrar trecho de editorial do jornal O Estado de S. Paulo, eterno vocalizador do liberalismo, no dia 3 de outubro. “A Moody’s, sob qualquer ponto de vista, foi generosa com o Brasil. Não se sabe se a recente visita de Lula a representantes das agências de classificação de risco em Nova York teve o condão de tocar o coração do pessoal da Moody’s, mas é fato que houve inusitada boa vontade”, ironizou.

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De acordo com o texto, portanto, só há duas razões possíveis para a elevação da nota brasileira: ou a agência resolveu “premiar o esforço que parte da equipe econômica do governo tem feito para conferir alguma racionalidade fiscal em meio à demagogia de Lula”, ou se deixou levar “pelo falatório do petista, razão pela qual o tal upgrade talvez diga mais sobre a credibilidade da agência do que do Brasil”. 

Antes do anúncio do Moody’s — e já acostumado com a má vontade do setor financeiro desde que o metalúrgico nordestino resolveu desafiar a elite e se tornar presidente —, Lula declarou: “A economia brasileira está surpreendendo positivamente. Esta é a maior sorte que eu tenho. Ela está surpreendendo os homens do mercado externo, os homens do mercado interno e os pessimistas de plantão”. 

A ideologia do mercado

Partindo de uma avaliação desse cenário geral e em especial da nova nota obtida pelo Brasil, o professor Pedro Paulo Bastos, diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CEcon), do Instituto de Economia da Unicamp, explica o que está embutido nas apostas do mercado. 

Um primeiro ponto é que “a maioria desses analistas tem uma ideologia de que o setor privado é muito melhor do que o público e que o Estado tem que diminuir de tamanho, inclusive para abrir espaço para que a oferta de serviços hoje oferecidos pelo governo passe a ser feita pelas empresas privadas. Então, partindo dessa visão, eles costumam avaliar erroneamente o impacto do gasto público, das políticas públicas, não só sobre o bem-estar da população, mas sobre o próprio crescimento econômico”, pontua. 

Com base nessa premissa, lembra Bastos, toda vez que os governos de esquerda “favoreceram o aumento de salários, benefícios e políticas sociais em geral — o que aumenta a renda disponível para a população assalariada, sobretudo aquela fatia que depende mais de benefícios públicos —, esses analistas consideraram que isso prejudicaria o crescimento econômico porque aumentaria o custo das empresas, eventualmente diminuindo o investimento e podendo provocar inflação e elevação da taxa de juros”. 

No entanto, a verdade é que essa melhoria de renda “aumenta a demanda para as empresas na medida em que um contingente maior da população passa a ter recursos para gastar. Tudo isso estimula o crescimento econômico, ao contrário do que é considerado por esses analistas”.

Mas, há outro aspecto fundamental que demarca o posicionamento tradicional do mercado. “Quando eles erram, significa que eles podem perder dinheiro. Então, eles fazem também um movimento de influenciar opiniões para mover o mercado e a política econômica numa direção que os impeça de perder dinheiro, ou seja, que vá na direção das apostas que eles fizeram, mesmo que essas apostas sejam erradas”. 

O peso das agências

Por fim, outra ponderação importante feita pelo professor diz respeito aos pontos em comum e divergentes que marcam as avaliações de agências como a Moody’s, que também é um agente do mercado, e as dos analistas brasileiros em geral.

“A Moody’s acha que a dívida brasileira vai continuar crescendo um pouco e vai se estabilizar depois de algum tempo, mas acredita que seria favorável a mesma pauta de política econômica que o mercado exige, que é a de desvincular o gasto em saúde e educação do governo em relação às receitas públicas e de desvincular os benefícios sociais em relação ao salário mínimo. Todas essas políticas são defendidas, pela agência e pelo mercado, como favoráveis ao crescimento econômico e à dívida pública no longo prazo, mas eu também acho que é um erro”. 

Na verdade, argumenta, “gastos em saúde e educação aumentam a renda disponível das pessoas e permitem que elas gastem com outras coisas. Além disso, essas pessoas se tornam mais produtivas com a maior incidência desse tipo de política, o que também pode aumentar o crescimento econômico, reduzindo a relação dívida/PIB”. 

Por tudo isso, diz, “a grande diferença é que embora a Moody’s tenha uma visão neoliberal da economia, muito semelhante à dos agentes de mercado, ela não faz apostas de compra de ativos de maneira que depois precise influenciar o mercado para não perder dinheiro. Pelo contrário, ela precisa ter uma avaliação mais equilibrada porque sua legitimidade, os serviços que ela presta, estão muito ancorados na ideia de que ela não faça apostas nem análises erradas”.