Banco Central faz chantagem com inflação para elevar juro

O elevado patamar de 10,75% da Selic é um ato de “guerra” contra o desenvolvimento nacional e os direitos do povo, consequência de uma política monetária ditada pela engrenagem do sistema financeiro internacional e local.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu elevar a taxa básica de juros, a Selic em 0,25%. Mais do que isto. Indicou um ciclo de alta por tempo indefinido. O capital financeiro, com a insaciabilidade de sua natureza. desde já começa a precificar – leia-se, pressionar – para que na próxima reunião, que acontecerá em novembro, o aumento seja de 0,5%. E que o ciclo de ajuste crave 2 pontos percentuais de alta.

O Brasil, agora, se consolida no segundo lugar de maior taxa de juros reais do mundo, atrás apenas da Rússia, país que enfrenta uma guerra.

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ao comentar este fato, disse que o Brasil atravessa uma guerra peculiar entre a “Faria Lima (avenida de São Paulo, símbolo do mercado financeiro) e o resto do país.”

De fato, o elevado patamar de 10,75% da Selic é um ato de “guerra” contra o desenvolvimento nacional e os direitos do povo. Esta taxa estratosférica é consequência de uma política monetária ditada pela engrenagem do sistema financeiro internacional e local, que se agravou com a “independência” do Banco Central.

O Dieese calcula que a elevação de 0,25% na Selic aumentará em R$ 13 bilhões os gastos da União com os juros dos títulos públicos. Isso se a taxa for mantida nesse patamar durante os próximos 12 meses, pois cada 1% de aumento na Selic eleva em R$ 40 bilhões os custos com os títulos.

A decisão do Copom ocorre na contramão de tendência mundial de redução de juros. O Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos). pela primeira vez em quatro anos cortou os juros, reduzindo a taxa de referência da faixa de 5,25% a 5,50% para 4,75% a 5%.

O Banco Central Europeu (BCE), na segunda semana de setembro, reduziu 0,25% sua taxa principal de juros, fixando-a em 3,25%. O Japão, em agosto, sustou o que seria um ciclo de elevação de juros. A China deve diminuir, ainda neste mês, suas principais taxas de juros e de empréstimos.

Ao contrário do que afirma o comunicado do Banco Central, portanto, o ambiente externo, no momento, em vez de “desafiador” é favorável.

Como é nítido, por exemplo, na taxa de câmbio. A tendência é a previsível entrada de mais dólares em busca de retornos maiores, movimento impulsionado pelo corte de juro nos Estados Unidos e em outras praças, com possível valorização do real. As importações também são beneficiadas com a queda do dólar, outro fator de alívio para inflação. Se fragiliza, portanto, o argumento de que uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada – o dólar alto – seguirá com impacto inflacionário.

Para acontecer esse afluxo de dólares não era preciso aumentar os juros, posto que a taxa básica do país já se encontrava nas alturas.

O comunicado afirma, sem meias palavras, que haverá uma aceleração da Selic também em novembro, com a justificativa de que o “balanço de risco” ficou assimétrico, termo técnico para uma suposta pressão inflacionária, decorrência da economia aquecida. “O conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado”, afirma.

Como assim?! Depois da destruição, no período do governo da extrema-direita, uma média de crescimento em torno de 2,5% seria uma economia aquecida em demasia?

Um parágrafo do comunicado toca no ponto central: a política fiscal, os instrumentos de arrocho nos investimentos. Trata-se de um argumento preventivo, a ideia de que a meta do chamado arcabouço fiscal pode estar sob ameaça com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), num momento em que a inflação acumulada está em 2,85% no ano e em 12 meses vai ficar em torno de 4%, abaixo do teto. No mês de agosto houve até deflação. Mas, para o Banco Central, conforme seu comunicado, vale “as expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus”, um jogo de aposta de agentes do mercado financeiro.

Não há, também, indícios de crise fiscal. O crescimento real dos investimentos públicos no primeiro semestre é compensado pelo aumento da arrecadação. Ou seja: o freio nos investimentos pela elevação da Selic não tem justificativa, a não ser uma prevenção proclamada pelo próprio comunicado do Banco Central ao afirmar que “monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros”, a “percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal”.

Tal cantilena sobre “incertezas fiscais” se desfaz no fato de que, ao aumentar os juros, o Copom estará freando o crescimento, via contenção do consumo, encarecimento do crédito e paralisia da taxa de investimentos, hoje muito baixa, em torno de 17%. Menos crescimento significa menos receita, o que afeta a estabilidade fiscal. Menos investimento resulta em debilitar a oferta, garrotear a produção e, portanto, fermentar a inflação.

Não se pode admitir a inflação, que tem efeito perverso para todos, mas essa forma de combatê-la, comprometendo o desenvolvimento nacional e as políticas sociais, é inaceitável. Para um país que não supera a média de crescimento de 2,5% ao ano em mais de 40 anos, apesar do seu imenso potencial, essa política de arrocho nos investimentos – a base do crescimento econômico – é um acinte. Não sem motivo, o mercado financeiro aplaudiu a decisão do Copom, em contraste com duras críticas das entidades sindicais dos trabalhadores e das organizações dos empresários do setor produtivo e do comércio.