Seca e fogo: das ações emergenciais à pauta ambiental em novo patamar

O Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento deve elevar a importância da pauta ambiental, promovendo o crescimento com proteção do meio ambiental.

A maior seca no país em 70 anos, associada a elevadas temperaturas, afeta severamente mais de 1.400 munícipios. O fogo se alastra por vários biomas e suas labaredas já destruíram um território superior ao do estado de Pernambuco. A qualidade do ar se deteriora fortemente. Falta água potável aos ribeirinhos das margens do Rio Madeira no Amazonas. A baixíssima umidade, os ventos, a vegetação e solos secos criaram as condições para os incêndios. Porém, segundo Ministério do Meio Ambiente, a origem do fogo, na ampla maioria dos casos, é por ações humanas intencionais, grande parte delas criminosas. A tragédia ambiental atinge com intensidade regiões da Amazônia, do Pantanal, do Cerrado e no Sudeste, principalmente o estado de São Paulo.

Este cenário de imensos danos ao país – à economia, ao povo, à fauna, à flora, à saúde pública e à geração de energia – deriva de um conjunto de elementos e tem um fator estrutural: o aquecimento global. O mês de agosto, mundialmente, foi o mais quente da história. O climatologista Carlos Nobre, destacado cientista, explica que o planeta atingiu a mais alta temperatura desde o último período glacial, há 120 mil anos. Disso, assevera ele, resulta a eclosão de eventos extremos pelos continentes: secas e chuvas extraordinárias e incêndios florestais gravíssimos, entre outros fenômenos.

Os números impressionam. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), desde janeiro de 2024 os focos de incêndios se aproximam de 170 mil, o maior para este período desde 2010 e o quinto desde o início da série histórica, em 1998. O recorde foi em 2007, com 184.010 focos. A tragédia ocorre pouco depois dos acontecimentos – igualmente trágicos – das enchentes no Rio Grande Sul. E ganha proporções enormes pela condição do Brasil como país continental, com uma biodiversidade considerada a maior do mundo.

Uma nota técnica do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, informa que a escalada de incêndios começou no segundo semestre de 2023 e atinge, sob algum grau de seca, 5 milhões de quilômetros quadrados, ou 59% do país. Até 2023, a estiagem mais severa registrada era a de 2015-2016, com 4,6 milhões de quilômetros quadrados (54% do território). A terceira mais ampla foi a de 1997-1998, que afetou 3,6 milhões de quilômetros (42%). Um estudo da Universidade de São Paulo (USP), publicado este ano na revista Nature Communications, afirma que em partes do Cerrado, como o Norte de Minas, essa é a pior seca em 700 anos.

A situação exige ações imediatas, como o anúncio pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Manaus, numa visita ao Amazonas, da criação de uma Autoridade Climática e de um Comitê Técnico-Científico para apoiar e articular as ações do governo federal de combate à mudança do clima. O presidente percorreu áreas afetadas pela seca e pelos incêndios no estado. “O nosso objetivo é estabelecer as condições para ampliar e acelerar as políticas públicas a partir do Plano Nacional de Enfrentamento aos Riscos Climáticos Extremos”, explicou. Hoje, 19 ministérios do governo federal já atuam de forma coordenada nesta temática.

O Supremo Tribunal Federal (STF), por intermédio do ministro Flávio Dino, também entrou em ação, ao constatar que o país vive uma “pandemia de incêndios florestais” e determinar medidas de enfrentamento às queimadas na Amazônia e no Pantanal. Pela decisão, o governo federal deverá convocar mais bombeiros militares para compor o efetivo da Força Nacional que atua naquelas regiões. Estabeleceu ainda que seja realizado uma ação conjunta das polícias federal e civil nas investigações das causas do surgimento de incêndio nos 20 municípios que centralizam 85% dos focos de fogo em todo país.

Falta ainda o Congresso Nacional tomar a palavra para fazer a sua parte, embora a pouco quilômetros de sua sede, na última semana, a Floresta Nacional de Brasília tenha perdido metade de sua área de preservação por incêndio. Os negacionistas da extrema-direita e setores da bancada ruralista travam o debate sobre o tema. Pior que isto: engatilharam um elenco de projetos de acintosa regressão à legislação vigente.

O cenário trágico da seca se agrava pela herança do governo de extrema-direita do presidente Jair Bolsonaro, marcado pelo negacionismo das mudanças climáticas e destruição dos aparatos do Estado em diferentes áreas, além do estímulo a práticas predatórias e destrutivas dos recursos naturais. O famigerado “dia do Fogo” de 2019 parece reverberar no presente. As Florestas Públicas Não Destinadas (FPNDs) estão sendo largamente atingidas e uma vez queimadas são criminosamente apropriadas pelos grileiros.

Com o governo Lula, o país começou a ser reorganizado, agindo rápido para conter o avanço da tragédia. Mas suas ações devem ser acompanhadas por medidas em âmbito dos estados e municípios, assim como da chamada sociedade civil. E, principalmente, dos demais poderes da República.

Mas essa ação coordenada entre União, estados e municípios não é simples, pois, parte dos governadores e dos prefeitos nada faz ou até é complacente com práticas criminosas no manuseio dos recursos naturais. Daí a importância da mobilização social ampla em torno da questão ambiental e também do empresariado nacional.

Fica patente a importância do plano de reconstrução nacional do governo Lula ter como um dos eixos a “transição ecológica”. Estruturado em seis vertentes – financiamento sustentável, desenvolvimento tecnológico, bioeconomia, transição energética, economia circular e infraestrutura e adaptação às mudanças climáticas.

O Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, diante das exigências das mudanças climáticas e dos rigores dos eventos extremos, deve elevar a um novo patamar de importância a pauta ambiental, promovendo o crescimento com proteção do meio ambiente.

As previsões indicam que o restante de setembro e, talvez, parte do mês de outubro podem seguir com gravidade semelhante ao que ocorre hoje, o que exige, tal como ocorreu na tragédia do Rio Grande do Sul, uma ação vigorosa e conjunta dos três poderes. Agora também dos entes da Federação e da sociedade civil, com o protagonismo do governo federal. E, desde já, o país se preparar para 2025, pois, infelizmente, diz a ciência, os eventos extremos climáticos chegaram para ficar.