Grito dos Excluídos celebra 3 décadas de luta pela vida e dignidade

Série de manifestações marcadas para o feriado de 7 de setembro dá voz àqueles que são esquecidos pelas políticas públicas

Primeira edição do Grito dos Excluídos e das Excluídas foi em 1995. Foto: divulgação

Em 2024, o Grito dos Excluídos e Excluídas celebra 30 anos de existência, reafirmando seu papel como uma das principais manifestações sociais e religiosas do Brasil. Com o tema “Vida em Primeiro Lugar”, o evento deste ano carrega a força de sua história e aborda questões contemporâneas urgentes. O Grito busca amplificar as vozes dos mais vulneráveis e marginalizados, promovendo a vida em todas as suas formas.

Numa entrevista coletiva, na manhã desta terça-feira (3), foram apresentadas as motivações para as manifestações que ocorrem no próximo 7 de setembro, mas também um olhar para os 30 anos desde 1995, quando a igreja e os movimentos sociais se insurgiram contra a ignorância do regime neoliberal sobre as pessoas que estavam à margem das políticas de governo de Fernando Henrique Cardoso.

Objetivos do Grito dos Excluídos em 2024

Celebrar e Fortalecer a Resistência: Em seu 30º aniversário, o Grito dos Excluídos renova o compromisso com a luta pelos direitos das populações excluídas. O evento é uma plataforma para resistir contra as injustiças sociais e econômicas que afetam milhões de brasileiros.

Denunciar as Desigualdades e Violências: Em um país marcado por profundas desigualdades, o Grito busca dar voz àqueles que são frequentemente ignorados. As denúncias focam na precarização do trabalho, no abandono das populações indígenas e tradicionais, na violência contra mulheres, jovens e crianças, e na crescente exclusão social nas periferias urbanas.

Promover a Vida e a Dignidade: Inspirado pelos ensinamentos sociais da Igreja e pelo Evangelho, o movimento defende a vida humana e de toda a criação, como enfatizado pelo Papa Francisco na encíclica Laudato Si’. O Grito se posiciona contra a destruição ambiental e a exploração desmedida dos recursos naturais, que prejudicam desproporcionalmente os mais pobres.

Fortalecer as Comunidades Locais: O Grito dos Excluídos deste ano também tem o objetivo de fortalecer ações em nível local, incentivando atividades em todas as regiões do país. A ideia é que as comunidades se mobilizem, levando o tema do Grito para suas realidades específicas, denunciando as injustiças e propondo alternativas que promovam uma vida digna.

Reforçar o Compromisso com um Projeto Popular: O Grito dos Excluídos insiste na necessidade de um projeto popular que atenda às necessidades reais do povo, promovendo justiça social, bem viver e solidariedade, em oposição ao modelo econômico que privilegia o lucro e a concentração de riquezas.

A importância do 7 de Setembro

Tradicionalmente realizado no Dia da Independência do Brasil, o Grito dos Excluídos usa essa data para questionar a verdadeira independência do povo brasileiro. Em 2024, mais do que nunca, o evento busca ser uma voz que ecoa por todo o país, clamando por uma independência que seja inclusiva, justa e que priorize a vida em todas as suas formas.

O Legado de 30 Anos

Desde sua criação durante a segunda Semana Social Brasileira, o Grito dos Excluídos tem sido uma expressão do compromisso da Igreja Católica com os mais pobres e marginalizados. A iniciativa, originada da Comissão Sociotransformadora da CNBB, tem sido um testemunho contínuo do Evangelho na vida pública, defendendo os direitos dos excluídos e promovendo a justiça social.

Em seu 30º aniversário, o Grito não apenas celebra o passado, mas olha para o futuro com esperança e determinação. Como afirmou Dom Valdeci Santos Mendes, membro da Comissão Sociotransformadora da CNBB, “o Grito dos Excluídos e Excluídas é um processo permanente, que deve acontecer a cada dia, a cada momento de nossa vida, especialmente onde as comunidades estão sendo ameaçadas.”

Dom Valdeci Santos Mendes destacou que o Grito dos Excluídos é um espaço de diálogo inter-religioso, fundamental para a construção de uma igreja sinodal e comprometida com a justiça social. “Nós, como Igreja Católica, aprendemos que o Grito dos Excluídos é um espaço em que dialogamos com diferentes realidades, com diferentes expressões religiosas”, afirmou Dom Valdeci.

Alessandra Miranda, da Articulação Nacional do Grito dos Excluídos, ressaltou que o movimento sempre colocou a vida em primeiro lugar. “Há 30 anos, o Grito vem reafirmando que a vida está em primeiro lugar”, disse. O tema do Grito deste ano, “Todas as formas de vida importam, mas quem se importa?”, visa provocar uma reflexão sobre o valor da vida e a responsabilidade coletiva em protegê-la.

Apesar dos avanços, Alessandra reconhece que há desafios significativos a serem enfrentados, como a militarização crescente e a violência contra populações vulneráveis. No entanto, ela também vê o 30º aniversário do Grito como uma “festa da colheita”, um momento para reconhecer as conquistas e renovar o compromisso com a luta por justiça social.

Uma voz que ecoa por todo o Brasil

O Grito dos Excluídos é mais do que um evento anual; é uma manifestação permanente de resistência e esperança que ecoa em cada canto do Brasil. “O Grito dos Excluídos é um compromisso com a vida”, concluiu Dom Valdeci. É uma chamada à ação para todos aqueles que se importam com o bem-estar dos excluídos e marginalizados, e uma reafirmação de que, para a Igreja Católica e seus parceiros, todas as formas de vida realmente importam.

Durante o anúncio da série de manifestações do 7 de setembro, foram convidadas vozes que representassem os excluídos desta nova etapa da história nacional. A participação de Leomar Osias Resende Sarmento no evento do Grito dos Excluídos deste ano destacou a urgência de amplificar as vozes dos povos indígenas e reforçar a solidariedade entre a Igreja Católica e movimentos sociais. Sua fala ressoou como um chamado essencial para que a sociedade brasileira reconheça e apoie a luta dos povos originários na defesa de seus direitos e territórios.

O Brasil é um país de contrastes profundos, onde riqueza e pobreza coexistem em uma dança complexa marcada por injustiças históricas e lutas contínuas. Em meio a esse cenário, o Grito dos Excluídos, um movimento que há 30 anos dá voz aos silenciados, trouxe relatos de diversas regiões do país, cada um revelando as feridas abertas de uma nação em busca de justiça.

A voz dos povos indígenas

Leomar Osias Resende Sarmento, do povo Tucano e coordenador executivo da Articulação das Organizações dos Povos Indígenas do Amazonas (APIAM), abriu a coletiva com uma fala que ecoou a dor e a resistência dos povos indígenas do Amazonas. “A vida dos povos indígenas importa”, enfatizou Leomar, destacando a imensa diversidade cultural da região, onde 66 povos falam 53 línguas diferentes. Ele chamou a atenção para a ameaça representada pelo Marco Temporal, uma proposta que, segundo ele, “mata” os direitos indígenas ao restringir a demarcação de terras às áreas ocupadas antes da Constituição de 1988. Leomar pediu que a Igreja Católica continue a apoiar os povos indígenas, reforçando que “a vida em primeiro lugar” deve ser o lema de todos que lutam por justiça.

Desafios no Sul e no Litoral

Da região Sul, Elisiane, representante da Associação dos Moradores Atingidos pela Cheia e da Rede Emancipa, trouxe à tona a calamidade que atingiu Porto Alegre e outras cidades devido às enchentes. Ela expressou indignação com o descaso do poder público, que, mesmo após alertas desde 2018, não tomou medidas eficazes para evitar a tragédia. “A água subiu muito rápido”, relembrou Elisiane, que teve que fugir com seus quatro filhos, levando apenas documentos e dois animais. Com mais de 20 mil pessoas em abrigos e 130 mil desalojadas, a tragédia exacerbou a exclusão e marginalização das comunidades vulneráveis.

No litoral de São Paulo, Andréa, representante do Movimento Mães de Cárcere, compartilhou sua história de vida marcada por violência, exclusão e superação. “Eu sou a Andréa, sou do litoral de São Paulo, e depois de ter passado por tantas exclusões, essa foi a minha maior motivação”, declarou. Ela destacou como a exclusão começa na infância e se manifesta de forma cruel no sistema prisional e nas ruas. Hoje, Andréa se dedica a apoiar pessoas marginalizadas, especialmente mães que, como ela, foram vítimas de um sistema excludente.

O Grito das Águas e o Cerrado

Luciano, do Conselho Pastoral dos Pescadores, representou o grito dos povos das águas, especialmente pescadores e pescadoras do Nordeste. Ele destacou a falta de reparação pelos danos causados pelo derramamento de petróleo de 2019, que continua a afetar a costa brasileira. Luciano também alertou para os riscos da transição energética, que está sendo realizada de maneira excludente, sem considerar os direitos das comunidades tradicionais. “Precisamos aprender com os povos tradicionais para realmente cuidar da nossa casa comum”, afirmou.

No coração do Maranhão, Lenora Rodrigues, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), destacou a resistência e devastação no Cerrado, uma região vital para a biodiversidade e comunidades tradicionais. Ela ressaltou a gravidade da situação enfrentada por povos indígenas, quilombolas e comunidades assentadas, que lutam contra a expansão do agronegócio e projetos de desenvolvimento. “O Cerrado é um bioma de vida, onde as águas nascem e alimentam as comunidades. Porém, esse território sagrado está sendo devastado pelo capital nacional e internacional”, afirmou Lenora.

A luta continua

O Grito dos Excluídos deste ano reforça a necessidade de visibilizar as lutas daqueles que são frequentemente deixados à margem da sociedade. Cada relato, cada voz, é um lembrete poderoso de que a justiça social é uma batalha contínua que requer solidariedade, resistência e, acima de tudo, esperança. Como disse Andréa, “a grande força que me move é a esperança de dias melhores.” E é essa esperança que mantém viva a chama da resistência em cada canto do Brasil.

A mensagem clara de Lenora e dos outros participantes é que, apesar dos ataques e das adversidades, a luta pela vida, dignidade e justiça continua. “O Brasil tem jeito, mas é preciso coragem para enfrentar o sistema capitalista e construir um país mais justo e solidário, onde todas as vidas, humanas e não-humanas, sejam respeitadas e preservadas”, conclui Lenora, fazendo um chamado à ação coletiva e à resistência contínua.

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