Hamas propõe governo independente para Palestina em negociações de cessar-fogo
Para Israel, qualquer papel do Hamas no pós-guerra, mesmo que indireto, é inaceitável. Emir Mourad reafirma ao Vermelho a importância dos partidos na definição do governo.
Publicado 12/07/2024 17:50 | Editado 13/07/2024 00:22
Em meio às negociações para um cessar-fogo na Faixa de Gaza, o grupo de resistência palestina Hamas apresentou uma proposta que sugere a criação de um governo palestino independente para administrar os territórios ocupados após o fim do conflito. Hossam Badran, membro do gabinete político do Hamas, declarou que a proposta inclui a formação de um governo apartidário com poderes nacionais para administrar tanto Gaza quanto a Cisjordânia.
“Apresentamos a proposta de que um governo apartidário, com poderes nacionais, administre Gaza e Cisjordânia depois da guerra”, afirmou Badran em um comunicado. As negociações estão sendo mediadas pelo Qatar, Egito e Estados Unidos.
Badran evitou entrar em detalhes sobre como seria a administração de Gaza após a guerra, destacando que essa é uma questão interna palestina que não deve sofrer interferências externas. “Não vamos falar em Gaza [após a guerra] com qualquer parte estrangeira”, reforçou ele. No entanto, uma fonte anônima do Hamas informou à agência AFP que a proposta também inclui a exclusão de eleições gerais nos territórios palestinos.
Embora o Hamas demonstre disposição para um governo independente, surgem dúvidas sobre a cooperação efetiva entre o Hamas e o Fatah, principal facção política na Cisjordânia. Analistas palestinos destacam que o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, tem bloqueado a ideia de um governo independente em Gaza.
A questão partidária
Essa proposta, contudo, gerou diversas reações e abriu espaço para discussões sobre a viabilidade e os desafios de sua implementação. Emir Mourad, secretário-geral da Confederação Palestina Latino-americana e do Caribe (COPLAC) e membro do conselho Nacional Palestino, compartilhou ao Portal Vermelho suas reflexões sobre a iniciativa.
Emir Mourad expressou um ponto de vista cauteloso e realista sobre a proposta do Hamas. “Em tese, é uma proposta que tem um sentido político aceitável, mas quem é que indica os independentes? Eles têm que ter alguma instância de indicação. Por isso eu acho que apartidário não seria uma palavra condizente. Porque, veja bem, quem conduz a resistência, os governos, são partidos. Os independentes têm assento também, eles podem fazer parte de um ministério, de um governo, não vejo problema nisso”, comentou Mourad.
Mourad enfatizou a necessidade primeira de um acordo em torno da proposta de cessar-fogo, troca de prisioneiros, retirada total das forças de ocupação israelenses da Faixa de Gaza e um plano de reconstrução de Gaza. “A partir daí vamos ter a questão da composição de um governo palestino para conduzir essa nova etapa da luta palestina em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental”, concluiu.
Reação internacional e avanços nas negociações
A declaração do Hamas ocorre em um momento crucial das negociações entre Israel e o grupo, pouco depois do presidente dos EUA, Joe Biden, anunciar que um esboço de cessar-fogo elaborado por Washington havia sido aceito por ambas as partes. Biden expressou otimismo sobre o progresso das conversas, apesar de ainda haver lacunas a serem preenchidas.
“Essas são questões difíceis e complexas. Ainda há lacunas a serem preenchidas, mas estamos progredindo. A tendência é positiva. Estou determinado a fechar este acordo e pôr fim a esta guerra, que deve acabar agora”, disse Biden em uma coletiva de imprensa.
O presidente também afirmou que Israel não deve ocupar o território palestino após o fim dos combates, um ponto sensível para Tel Aviv. A dissolução do gabinete de guerra israelense, que contava com membros da oposição, foi uma consequência da falta de um plano pós-guerra claro para Gaza e Cisjordânia.
Plano de três fases de Biden
Em maio, Biden apresentou um plano de três fases para alcançar um cessar-fogo, que inclui a libertação de reféns em Gaza e prisioneiros palestinos em Israel, a retirada das tropas israelenses e a reconstrução do território palestino. Recentemente, o Hamas aceitou uma parte fundamental desse plano, abandonando a exigência de que Israel se comprometesse primeiro com um cessar-fogo permanente antes de assinar o acordo.
No entanto, para Israel, qualquer papel do Hamas no pós-guerra em Gaza, mesmo que indireto, é provavelmente inaceitável. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, tem reiterado o compromisso de desmantelar as capacidades militares e governamentais do Hamas, referindo-se ao período pós-guerra em Gaza como o “dia após o Hamas”.
Papéis dos mediadores internacionais
O diretor da CIA, Bill Burns, e o enviado dos EUA para o Oriente Médio, Brett McGurk, estiveram na região esta semana para discutir o acordo. Em um comunicado, Badran afirmou que o Hamas está disposto a abrir mão do controle civil sobre Gaza, mas manterá sua ala militar, as Brigadas Izz ad-Din al-Qassam.
A proposta de um governo independente é vista como um passo importante para permitir a reconstrução de Gaza, que segundo estimativas das Nações Unidas, exigirá dezenas de bilhões de dólares. Muitos doadores internacionais, que consideram o Hamas uma organização terrorista, não podem colaborar diretamente com instituições ligadas ao grupo.
Desafios e possibilidades
Apesar das dificuldades, a proposta de um governo independente, apoiado por diversas facções palestinas, pode abrir caminho para uma cooperação internacional mais ampla na reconstrução de Gaza. No entanto, a relação conflituosa entre Hamas e Fatah, a principal facção política na Cisjordânia, pode complicar a formação de um governo unido.
O sucesso das negociações de cessar-fogo e a reconstrução de Gaza dependem de um acordo que seja aceitável para todas as partes envolvidas. Enquanto isso, a comunidade internacional continua a observar de perto os desdobramentos e a possibilidade de um futuro mais estável e pacífico para a região.