Literatura marginal brasileira está na França com ‘Rouge favela’
Editora BR Marginalia estreia com tradução de Wesley Barbosa, abrindo portas para escritores periféricos afro-brasileiros na Europa.
Publicado 26/06/2024 16:29 | Editado 26/06/2024 17:03
A editora BR Marginalia, fundada pela brasileira Nichelle Teles, faz sua estreia no mercado editorial francês com a publicação de “Rouge Favela”, tradução do livro “Viela Ensanguentada” de Wesley Barbosa. O lançamento marca o início de um projeto ambicioso: traduzir e divulgar obras de escritores periféricos afro-brasileiros na França, dando visibilidade às vozes marginalizadas do Brasil no cenário literário francês.
Publicado originalmente em 2022 como “Viela Ensanguentada” pela editora Ficções, o livro narra a história de Mariano, um jovem negro de uma favela em São Paulo, que sonha em se tornar escritor para narrar sua própria vivência. O romance ganhou destaque em escolas públicas e foi tema de um concurso público em Guarapaes, SP, no ano passado.
Wesley Barbosa, nascido na periferia de Itapecerica da Serra, é um exemplo notável de resistência e persistência. Desde os 9 anos, ele se dedica à escrita e, até hoje, publicou sete livros de forma independente, vendendo mais de 10 mil exemplares nas ruas, bares e redes sociais. A tradução de “Rouge Favela” foi realizada por Alain François, com revisão de Vincent Achour e Nichelle Teles, e correção de Gayané Zavatto.
A BR Marginalia, sediada em Marselha, pretende lançar duas publicações anuais, focando em textos acessíveis tanto na linguagem quanto no custo. A capa de “Rouge Favela” apresenta a colagem “Seu mundo” de Francisco Mesquita, artista periférico de Olinda, Pernambuco. Teles assegura que futuras publicações também “contarão com obras de artistas que dialogam com os autores em poética e trajetória”.
O lançamento de “Rouge Favela” ocorrerá em junho, com vendas exclusivamente pelo site da editora e nas ruas e bares de Marselha. Em setembro, o livro estará disponível nas livrarias francesas.
Em entrevista ao Portal Vermelho, Wesley Barbosa expressou seu entusiasmo pela tradução de seu livro e elogiou a missão da BR Marginalia de levar a cultura periférica brasileira para a França. Ele destacou a importância de incluir artistas periféricos nas capas dos livros e a mensagem coletiva que isso transmite.
Barbosa também falou sobre os desafios enfrentados ao longo de sua carreira, como a distribuição e divulgação de seus livros, e mencionou seus próximos projetos, incluindo um novo romance e o lançamento do livro “Maria Firmina dos Reis, presente!” pela Barraco Editorial. Confira abaixo.
Como você se sente ao ver seu livro Viela Ensanguentada traduzido e publicado na França como Rouge Favela?
“Eu me sinto reconhecido ao ver meu livro sendo traduzido e lido em outra língua e realizado em saber que ele já está circulando entre os leitores de lá. Porque, ao contrário daqui, parece que os franceses têm o costume de vender livros em açougues, restaurantes e até mesmo lojas de roupas. Eu me sinto estando lá em alma.”
Qual a importância de ter uma editora como a BR Marginalia dedicada à tradução de obras de escritores periféricos afro-brasileiros?
“BR Marginalia é uma editora audaciosa que irá levar a cultura do nosso povo para lá. A editora, Nichelle Telles, acredita no poder transformador da cultura e ela se auto-afirma recicladora de lixos. Se você olhar para a capa do meu livro vai encontrar a arte do Francisco retratando essa realidade. BR Marginalia está aí mostrando a que veio e irá publicar vários outros autores desse nosso Brasil rico em cultura e potencialidades.”
O que você espera que os leitores franceses aprendam ou sintam ao ler Rouge Favela?
“Espero que os meus leitores na França possam captar o espírito da favela que eu retratei no livro e que, além disso, conheçam o Brasil real nos grandes bolsões de favela que temos em nosso país com todos os seus problemas e precariedades e que entendam como o povo da periferia é capaz de criar cultura com tão pouco.”
Pode nos contar um pouco sobre o processo de tradução do livro e como foi trabalhar com Alain François, Vincent Achour e Nichelle Teles?
“Eu nunca tivesse este tipo de experiência. Nunca traduziram nada meu. Viela Ensanguentada, que é meu romance de estreia, também é o meu primeiro livro a ser traduzido. Como o Alain François morou durante muitos anos no Brasil, fiquei confiante de que ele faria uma bela tradução e tivemos algumas conversas. Mas eu sempre falava com a Nichelle e nós discutimos muito sobre o livro ao longo do processo. O companheiro dela é um grande poeta então ele ajudou a trazer algumas particularidades do livro para a realidade dos franceses. Outro dia eu fiquei sabendo que uma leitora de lá disse que parecia estar lendo o roteiro de um filme. Isso é bom sinal.”
Como você vê a importância de incluir artistas também periféricos, como Francisco Mesquita, nas capas dos livros e como isso contribui para mensagem da obra?
“Francisco Mesquita é um grande artista e a imagem da capa casou bem com o meu texto. Eu acredito que a editora está trazendo um conceito que é peculiar da periferia: quando um vai, vai todo o resto. Nós sempre fazemos as coisas de modo coletivo. Então, unificar forma e conteúdo, como foi o caso de Rouge Favela, meu livro, traz muito dessa ideia de um segurar a mão do outro e se fortalecer.”
Quais os maiores desafios que você enfrentou ao longo de sua carreira literária até agora?
“Os maiores desafios no início foram a distribuição de livro e a divulgação. Antigamente ninguém falava de mim nos veículos, mas hoje eu sinto que o meu trabalho tem alcançado mais pessoas e a distribuição, por enquanto fica a meu cargo, tem sido por via correio. Com o tempo as coisas vão melhorando.”
Quais são seus próximos projetos literários e o que os leitores podem esperar de você no futuro?
“Meus próximos projetos literários têm a ver com a minha editora Barraco Editorial, estou lançando este mês o livro “Maria Firmina dos Reis, presente!” da Lena Roque e do Marcelo Ariel. Mas acabei de escrever um romance que estou preparando. Não posso falar muito sobre ele ainda, mas já está pronto.”