Saúde e Educação precisam de mais orçamento, e não de desvinculação

Em meio a isso, Haddad não abre mão do déficit zero, nem tampouco o Banco Central acena com uma redução mais acelerada da Selic. O sistema financeiro comemora.

Os ministros Camilo Santana, da Educação, e Nísia Trindade, da Saúde: contra a desvinculação (Foto: Agência Brasil)

O “teto de gastos” caiu no primeiro ano do governo Lula – e os orçamentos da Educação e da Saúde já podem ter novamente aumento real. Podem e precisam. Em 2023, a Saúde respondeu por 3,69% do orçamento efetivamente pago pela União. A Educação representou um pouco menos: 2,97%. Já com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, a União executou 43,23%.

Só que ao menos dois ministros do governo, Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), insistem em mirar nos ministérios sociais quando evocam a busca do “equilíbrio fiscal”. Partiu de um órgão vinculado à Fazenda – a Secretaria Tesouro Nacional – um estudo sobre o impacto da desvinculação das receitas dessas pastas.

Hoje, a Constituição prevê pisos orçamentários para a Educação [18% da RLI (receita líquida de impostos)] e para a Saúde [15% da RCL (receita corrente líquida)]. Conforme o relatório do Tesouro, a flexibilização desses mínimos constitucionais teria o potencial de liberar R$ 131 bilhões para outros gastos de custeio e investimentos de 2025 a 2033.

Em abril, quando a proposta de desvinculação começou a ganhar apoio no setor financeiro e na grande mídia, os ministros Camilo Santana, da Educação, e Nísia Trindade, da Saúde, foram a público para manifestar oposição à medida. “Minha posição clara é a importância de ter recuperado o orçamento da Saúde”, afirmou Nísia, na ocasião. “Sou a favor da manutenção da vinculação e vou conversar com meus colegas de ministério.”

Na mesma direção foram o Conselho Nacional de Saúde e a Frente pela Vida, que, na semana passada, lançaram nota conjunta em defesa de mais recursos para o SUS (Sistema Único de Saúde). “Sabidamente o SUS tem uma história de subfinanciamento, agravada pela perda de recursos nos governos que antecederam a este”, dizia a nota.

As entidades estimaram o impacto do “teto de gastos” para o setor: “A Emenda Constitucional 95/2016 fez o Ministério da Saúde perder mais de R$ 70 bilhões no período 2018-2022, dos quais R$ 46,2 bilhões somente em 2022, fragilizando o sistema de financiamento da saúde”. De resto, “aumentam as necessidades da população, e a contínua e necessária qualificação e expansão de serviços”.

A Educação segue igualmente subfinanciada, mesmo com o fim do teto de gastos. Não à toa, a Conferência Nacional de Educação estabeleceu, em janeiro, uma meta de elevar o orçamento do setor para 10% do PIB até 2034. Em média, o Brasil investe apenas US$ 3.583 por ano em cada estudantes da rede pública. Nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), a média é três vezes maior: US$ 10.949 por ano.

Deve-se comemorar o feito de que 40 milhões de brasileiros – entre crianças, adolescentes, jovens e adultos – estudam em escolas públicas. Mas, segundo a Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) – que acaba de realizar seu 45º Congresso Nacional –, “quase 20% da juventude brasileira” não concluiu o ensino básico. “Dentro desse universo, são mais de 2 milhões de crianças e adolescentes fora das salas de aula. Essa fotografia não cabe dentro do álbum de um Brasil mais justo, democrático e igualitário”, aponta a Ubes.

Em meio a isso, Haddad não abre mão de defender o déficit zero em 2024, nem tampouco o Banco Central acena com uma redução mais acelerada da Selic, a taxa básica de juros. O sistema financeiro comemora.

Volta e meia, surgem propostas mirabolantes para sacrificar o orçamento da Saúde e da Educação em nome de uma austeridade travestida como equilíbrio ou responsabilidade fiscal. Por essa lógica, temos de prioritariamente cuidar das contas antes de repensar as prioridades orçamentárias e governamentais.

“É preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”, reza a máxima atribuída a Delfim Neto, ex-superministro da Fazenda do regime militar. O rentismo não tinha força no período ditatorial – nem no País, nem no mundo. Mas, embora o bolo nunca crescido tanto quanto no “milagre econômico”, as fatias não foram devidamente repartidas.

O “teto de gastos” aprovado no governo Michel Temer (MDB) – que era restrito às áreas sociais – foi saudado como uma audaciosa medida pró-austeridade. A proposta era congelar os orçamentos da Saúde e da Educação por 20 anos, limitando seu reajuste à reposição inflacionária. Lula prometeu derrubar o teto –e cumpriu. Desvincular as receitas sociais é uma forma velada e alternativa de ressuscitá-lo.

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