Aprendi com o Xadrez

De Karpov e Kasparov aos avanços da inteligência artificial, uma análise das transformações tecnológicas e suas implicações no jogo de estratégia.

De um lado, Garry Kasparov, campeão mundial de xadrez de 1985 a 2000, considerado um dos maiores enxadristas de todos os tempos; do outro, Deep Blue, um supercomputador da IBM projetado para jogar em pé de igualdade contra qualquer jogador de xadrez do mundo | Imagem: Wikimedia Commons

É um jogo de estratégias. Com quase ilimitadas variantes e opções. Sempre gostei, mas nunca fui um grande jogador. Tenho um filho que foi campeão. Sempre acompanhei com interesse sua evolução, seus jogos desafiadores.

Houve época em que o xadrez tinha espaço nos jornais diários. Sempre sabíamos quem era o campeão mundial e das disputas acirradas. Sou da época em que Karpov e Kasparov se digladiavam. Tinham até torcida organizada. Nas universidades os torneios eram constantes. Vencer era status de inteligência privilegiada, de alto coeficiente de inteligência. Nossos grandes jogadores eram ídolos. O Brasil tinha até um Mestre Internacional como referência, nosso esquisito Mequinho.

A que vem essa conversa? Está relacionada com o que agora se chama de Inteligência Artificial e sua disputa com a mente humana. Lembrei das primeiras disputas entre computadores e humanos, as polêmicas da época e os avanços da área.

No século passado, na década de oitenta, era comum programarem disputas entre computadores e grandes jogadores. Lembro que lá por meados da década houve uma disputa entre Kasparov e mais de 32 máquinas, às quais, ele venceu todas.

As produtoras de equipamentos foram aperfeiçoando e em 1996 a IBM apresentou um supercomputador como desafiante, o Deep Blue. Kasparov era o campeão mundial. Num primeiro torneio o homem venceu, embora tenha perdido a primeira partida.

Ano seguinte, novo desafio. Desta vez, com muita polêmica, a máquina ganha. Revolta e indignação, mas nada se prova de que houve alguma interferência humana durante as partidas. Era algo dado, quase irrefutável.

Como funcionava a máquina?

No acúmulo de grande volume de informações das principais partidas da história do jogo, com decisões quase instantâneas, optava pelas melhores alternativas e rapidamente dava uma solução.

Acontece que poderiam surgir situações inesperadas e o consumo de energia e a rapidez necessária faziam com que fosse necessária uma saída emergencial, de segurança para a máquina não explodir, muito provavelmente a primeira que se apresentasse tendo em vista as partidas que tinham sido armazenadas, saída que nem sempre seria esperada. Isso podia desorientar o adversário e levá-la á vitória ou, ao contrário, mostrar-se pueril e decretar derrota. Ainda não havia controle, não havia certeza sem contestação.

Não chamávamos isso de Inteligência Artificial. O que mudou nesses quase trinta anos que nos separam? Muito, principalmente do lado da tecnologia.

As técnicas de Redes Neurais se consolidam. Modelos computacionais que têm suas bases no modo de pensar humano. Algoritmos de aprendizagem que vão se retroalimentando conforme as experiências vão ocorrendo, com os processos em que se participa, com os erros e acertos que se observam. Desta maneira, não mais é um sistematizador de processos passados, mas tem o poder de ir se atualizando e criando frente novas conjunturas.

Machine learning se aperfeiçoa. Desenvolve novos algorítimos, no aprender é capaz de decidir autonomamente. Abordagens não convencionais permitem novas estratégias. O passado é registrado, mas técnicas inovadoras se incorporam com o desenrolar das partidas, das novas vivências registradas.

Essa combinação de tecnologias diferencia em muito às grandes disputas que acompanhava nos anos noventa. Sem dizer que os avanços no armazenamento e volume de informações atuais permitem decisões que se aproximam do instantâneo das máquinas em sua disputa com os humanos.

Sem dúvida, é muito diferente. Se puder relatar os primórdios da inteligência artificial com os jogadores russos se confrontando com os pesados IBMs, os avanços notados fazem com que, hoje, dificilmente os homens possam desafiar as máquinas no jogo da estratégia, de igual para igual.

Resta o consolo de que os novos parâmetros e algoritmos avançam principalmente pela mente humana, até este momento. De que inovações são inseridas pelo homem para acelerar a inteligência da máquina. Não sei até quando. Haverá autonomia plena das máquinas?

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