Câmara analisa inscrição do ‘Almirante Negro’ como herói da pátria
Projeto que pede a inscrição do líder da Revolta da Chibata, João Cândido, no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria. Marinha se opõe. Seu único filho vivo defende legado
Publicado 29/04/2024 19:27 | Editado 30/04/2024 07:50
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4046/202, já aprovado no Senado, que pede a inclusão de João Cândido Felisberto o ‘Almirante Negro’ no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria. No momento, o projeto está na Comissão de Cultura e tem deputada Benedita da Silva (PT) como relatora. Ela já se manifestou favoravelmente pela inclusão no livro o nome do líder da Revolta da Chibata, ocorrida em novembro de 1910.
Apesar do notório reconhecimento público que Cândido já possui, sendo que a inclusão de seu nome no livro seria algo natural, a Marinha do Brasil tem se posicionado de forma contrária à homenagem. O atual comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, dirigiu carta à comissão em desaprovação ao indicar que as ações dos marinheiros na Revolta, que tem o João Cândido como expoente, foram “reprovável exemplo de conduta para o povo brasileiro” e “deplorável página da história nacional”.
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Para a Agência Brasil, o único filho vivo, Adalberto Cândido, chamado de Candinho, defende o legado do pai e aponta o ódio que a Marinha nutre.
“Ela [Marinha] não se envolve em nenhum evento relacionado com meu pai. Quando houve a cerimônia de instalação da estátua do meu pai na Praça XV, no Rio de Janeiro, não tinha ninguém da Marinha presente. Parece que nutrem um ódio. Eles deviam agradecer aos marinheiros por terem feito a Marinha evoluir. Mas não quero que meu pai seja herói da Marinha, quero que seja um herói do povo. Meu pai é um herói popular. A verdade é que a Marinha não se atualizou como deveria”, afirma.
Enquanto Olsen indica que o ato dos marinheiros foi uma “subversão” com quebra de hierarquia, Candinho lembra que a Marinha aplicou 250 chibatas em um marinheiro, quando o código indicava que o limite era 25 – este foi o estopim para a Revolta, sendo que o fim dos castigos corporais já era pleito dos marujos.
João Cândido
Muito antes de ser imortalizado na música Mestre–Sala dos Mares (1974), escrita por Aldir Blanc e João Bosco e gravada pela cantora Elis Regina, ou ser chamado de “Almirante Negro”, como ficou conhecido após a Revolta da Chibata, João Cândido (1880 -1969) iniciou cedo na Marinha, aos 15 anos.
Nascido no Rio Grande do Sul e filho de ex-escravizados, se ocupou como instrutor de aprendizes de marinheiro. Em 1910, aos 30 anos, liderou a Revolta que tomou navios atracados na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
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O estopim foram as 250 chibatas sofridas por um marinheiro (Marcelino Rodrigues Menezes), mas a elas se somou outras reivindicações. Para além das punições físicas, os marinheiros também exigiam melhores condições de trabalho e valorização salarial. Os acontecimentos ocorreram entre os dias 22 e 27 de novembro, com a morte de oficiais que tentaram debelar o motim, tomada de embarcações e canhões voltados para a cidade do Rio de Janeiro, com um tiro de canhão de advertência que, de forma indireta, ceifou duas vidas.
O fim do movimento ocorreu com o compromisso pelo fim do uso da chibata e a promessa de anistia dos envolvidos. Apesar do acordo, a anistia não ocorreu e Cândido chegou a ficar preso por dois anos, sendo expulso da Marinha, assim como outros companheiros. Em seguida viveu no ostracismo, apesar de se manter presente na memória popular e entrar para a história nacional. Faleceu aos 89 anos, com anistias negadas e uma perseguição que, como se pode ver, perdura até hoje.
*Com informações Agência Brasil e Senado