50 anos da Revolução dos Cravos
A luta contínua pela democracia e a influência histórica das colônias na queda do fascismo em Portugal
Publicado 23/04/2024 14:00
“Temos a certeza que a liquidação do colonialismo português arrastará a destruição do fascismo em Portugal”, afirmou Amílcar Cabral, histórico líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, em 1961.
Juntamente com Agostinho Neto, do Movimento Popular de Libertação de Angola, e Samora Machel, da Frente de Libertação de Moçambique, os movimentos de libertação das colônias portuguesas tiveram uma influência significativa na conscientização política dos oficiais portugueses e desempenharam um papel importante na eclosão da Revolução do 25 de Abril em Portugal.
Durante meio século de ditadura fascista, Portugal parou no tempo. A temida polícia política – a PIDE (Polícia Internacional para a Defesa do Estado) – infiltrava-se nas organizações políticas, sindicatos, meios de comunicação e até na vida cotidiana dos cidadãos, prendendo, torturando e até mesmo matando opositores (como fizeram com o candidato de oposição Humberto Delgado, assassinado, junto com sua secretária, a corajosa brasileira Arajaryr Campos, em Espanha, em 1965). Para o reforço ideológico e formação das novas gerações, o regime organizou a Mocidade Portuguesa – organização juvenil criada em 1936 com objetivos e estrutura assemelhada à Juventude Hitlerista na Alemanha.
Além de prisões onde eram encarcerados os opositores – com especial perseguição ao Partido Comunista Português – foi criado e campo de concentração do Tarrafal, localizado na ilha de Santiago, em Cabo Verde, para deter prisioneiros políticos opositores do regime salazarista, incluindo comunistas, socialistas, sindicalistas e outros dissidentes. Os prisioneiros eram frequentemente submetidos a condições extremamente severas, incluindo trabalho forçado, má nutrição, tortura e execuções sumárias, com muitas mortes devido a essas condições desumanas. Um relato literário do Tarrafal pode ser lido no livro O diabo foi meu padeiro, de Mário Lúcio Sousa, cantor e poeta, ex-ministro da Cultura de Cabo Verde, criado dentro desse campo de concentração.
A partir da década de 1960, Portugal enfrentou uma série de guerras de independência em suas colônias africanas (chamadas pelo regime fascista de “províncias ultramarinas”). Estes conflitos, marcados por uma forte luta dos movimentos de libertação, expuseram as fraquezas do regime salazarista e minaram a moral das forças armadas portuguesas.
Esses movimentos buscavam não só a independência das colônias, mas também a mobilização da população africana e o isolamento do regime colonial português, empregando uma variedade de estratégias para atingir esses objetivos, incluindo a disseminação de propaganda e conscientização política. Entre essas ações direcionadas aos oficiais portugueses, podemos destacar:
Propaganda e folhetos informativos: Os movimentos de libertação produziam e distribuíam panfletos e outras formas de propaganda abordando as injustiças do colonialismo, os abusos cometidos pelo exército português nas colônias e os ideais de liberdade e independência. Esses materiais eram frequentemente deixados em locais estratégicos ou entregues de forma discreta aos soldados portugueses. Comunicações clandestinas: Redes sigilosas de comunicação entravam em contato com soldados portugueses que estivessem dispostos a colaborar ou que estivessem abertos a ouvir a mensagem dos movimentos independentistas. Esses contatos incluíam cartas, mensagens verbais e até mesmo emissões de rádio clandestinas. Eventos e encontros secretos: Em alguns casos, os movimentos de libertação organizavam encontros clandestinos ou eventos secretos onde oficiais portugueses poderiam aprender mais sobre os objetivos e ideais dos movimentos independentistas. Esses eventos eram arriscados e exigiam extrema discrição por parte dos participantes. Conscientização dos prisioneiros de guerra: Muitos prisioneiros de guerra capturados pelas forças de libertação eram submetidos a programas de conscientização política enquanto estavam detidos. Isso incluía palestras, debates e discussões sobre a situação política nas colônias e os motivos para a luta pela independência.
Os jovens oficiais militares portugueses que lutavam nessas guerras coloniais começaram a questionar a validade do colonialismo e a justiça das políticas em Portugal, despertando uma consciência política entre eles, levando muitos a questionar a liderança do regime salazarista e a buscar mudanças democráticas em Portugal. Eles começaram a formar grupos clandestinos dentro das próprias forças armadas, planejando ações para derrubar o regime autoritário.
Em atuação paralela, um núcleo de portugueses de combate ao salazarismo fundou, na cidade de São Paulo, o jornal Portugal Democrático – que foi publicado de 1956 até 1975 e teve ampla circulação entre núcleos da oposição em várias partes do mundo.
A Revolução do 25 de Abril, em 1974, foi o ponto culminante desse descontentamento. Liderada por jovens oficiais de baixa e média patente, a revolução derrubou o regime, num evento que mobilizou a população a comemorar e aderir nas ruas, sem que houvesse sangue derramado, encerrando décadas de ditadura em Portugal.
O Movimento das Forças Armadas colocou as tropas nas ruas pedindo para a população ficar em casa, mas imediatamente as ruas se encheram e o povo começou a colocar cravos vermelhos na ponta dos fuzis dos soldados e dos canhões dos tanques de guerra, dando assim o simbólico nome de Revolução dos Cravos.
A Constituição Portuguesa de 1976, resultante desse momento histórico, foi uma das significativas influências na Constituição Brasileira de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, incorporando vários princípios democráticos e direitos fundamentais em parte ali inspirados.
Hoje, 50 anos após, estamos diante do avanço da extrema-direita em todo o mundo, inclusive em Portugal, e como temos visto nos últimos anos aqui no Brasil, a luta antifascista continua infelizmente atual, tanto lá como cá.
Com a estimativa de que a maioria dos falantes de língua portuguesa no mundo estará na África até o final do século, é imperativo estabelecer um triângulo virtuoso entre Portugal, Brasil e os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). Somente assim poderemos renovar o espírito da Revolução do 25 de Abril, especialmente em meio às grandes mudanças geopolíticas de um mundo multipolar. Este é um momento crucial para fortalecer os laços entre os países lusófonos e revitalizar os ideais democráticos que inspiraram a Revolução dos Cravos.