Lei Omnibus de Milei sofre cortes para ganhar votos da oposição

O peronismo tentou levar o texto de volta às comissões, argumentando ser um novo projeto, mas foi derrotado em votação.

Na quarta-feira (31), a Câmara dos Deputados da Argentina testemunhou uma intensa batalha de ideias durante a discussão da “Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”, popularmente conhecida como “Lei Ônibus”, proposta pelo presidente Javier Milei. Após 11 horas de debates acalorados, a sessão foi suspensa, marcando o primeiro dia de uma saga legislativa que promete moldar o futuro da nação.

O ambiente no entorno do Congresso argentino refletiu a tensão vivenciada no plenário, com confrontos entre manifestantes e forças policiais, proporcionando um cenário caótico. A retomada do debate ocorreu nesta quinta-feira (1º) em clima parecido. Até mesmo deputados do partido de Milei criticaram prisões arbitrárias de manifestantes que cantavam o hino nacional sentados no chão.

A decisão de suspender a primeira jornada de discussão foi aprovada por volta das 21h30, com o presidente da Câmara, Martín Menem, destacando a extensa lista de mais de 140 oradores ainda aguardando para se pronunciar. Durante a maratona de palavras, legisladores tanto do bloco governista quanto da oposição entraram em choque de posições.

María Cecilia Ibáñez, deputada do partido La Libertad Avanza, aliado de Javier Milei, enfatizou a necessidade da lei para construir uma “Argentina diferente” capaz de superar “anos de atraso”. Em contrapartida, Blanca Osuna, representante da Unión por la Patria, argumentou que a iniciativa presidencial e o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) assinado por Milei no ano passado “afetam direitos e garantias, e impactam o patrimônio da nação e dos argentinos”.

O projeto de lei geral contém mais de 300 artigos e altera ou revoga centenas de normas vigentes. Pelo menos 170 artigos contestados pelos legisladores da oposição mais simpáticos aos projetos serão tratados em tempo útil. Caso obtenha a maioria necessária, o projeto irá ao Senado onde será decidido se será aprovado ou não.

Segundo projeção do jornal La Nacion, baseada nas declarações dos deputados, pelo menos 136 parlamentares devem votar a favor do projeto, ultrapassando os 129 votos necessários para enviar a medida ao Senado. No entanto, outros 108 já se posicionaram contra, principalmente representantes do peronismo e da esquerda.

A sessão, que prometia ser longa e intensa, iniciou-se com a votação do texto como um todo. Posteriormente, os legisladores deverão debater mais de uma centena de artigos que foram contestados em comissões nas últimas semanas, buscando definir a redação final. Estima-se que a discussão pode se estender por mais de 30 horas ou até mesmo dias.

Fazendo concessões

Caso os votos favoráveis se confirmem, Milei obterá sua primeira vitória no plenário do Congresso. No entanto, para atingir o quórum necessário, o governo teve que desidratar o projeto original, que inicialmente contava com 664 artigos. Reformas como as econômicas e eleitorais, foram deixadas de lado.

A sessão na Câmara dos Deputados foi marcada por esta reviravolta significativa quando o partido no poder anunciou a série de alterações substanciais ao projeto. As modificações foram lidas em plenário e abrangeram áreas cruciais como pesca, retenções, segurança e, notavelmente, a eliminação de todos os artigos relacionados a mudanças no sistema eleitoral.

O chefe do bloco peronista, Germán Martínez, lamentou a situação, alegando que “nunca se viu isso na Câmara de Deputados”. O peronismo tentou levar o texto de volta às comissões, argumentando ser um novo projeto, mas foi derrotado em votação.

As modificações, discutidas ao longo de várias horas, trouxeram à tona questões críticas, incluindo os poderes de modificação de atribuições específicas e o amplo poder delegado, presentes no artigo 13 e relacionados à concorrência. Houve também limitações nos poderes de extensão de jurisdição e de rescisão de contratos.

Outra mudança significativa foi a eliminação do artigo que propunha a transferência de ativos do Fundo de Garantia de Sustentabilidade (FGS) da Administração Nacional da Seguridade Social (ANSeS) para o Tesouro Nacional. Apenas a consolidação da dívida permaneceu, enquanto o artigo que revogava a incompatibilidade foi retirado após críticas.

A eliminação do capítulo fiscal, que abordava temas como retenções e a fórmula previdenciária para o cálculo do patrimônio dos aposentados, foi formalizada. Além disso, a discussão sobre lavagem de dinheiro, inicialmente presente no texto, também foi retirada.

Em relação ao Imposto PAIS, ficou acordado que não haverá prorrogação, permanecendo válido por cinco períodos fiscais de 23 de dezembro de 2019 a 22 de dezembro de 2024.

Outra alteração foi a eliminação de todo o capítulo relacionado à reforma política, que incluía desde a eliminação da PASO (as eleições primárias) até o estabelecimento do sistema de círculo eleitoral uninominal.

As reações à leitura desses artigos foram diversas. O chefe do bloco União por la Patria (UxP), Germán Martínez, qualificou o debate como “sem precedentes” e propôs um ponto de ordem para retornar o assunto ao comitê. A moção foi rejeitada por 149 deputados na votação. O líder do bloco PRO, Cristian Ritondo, defendeu a reunião parlamentar como o lugar apropriado para coordenar as regras da lei.

Expectativa do governo

O líder do bloco La Libertad Avança (LLA) na Câmara dos Deputados, Oscar Zago, expressou otimismo quanto à aprovação do projeto de lei das “Bases” na sexta-feira, destacando a disposição do seu espaço político para o diálogo e possíveis modificações necessárias.

Em declarações à rádio The Observer, Zago reconheceu que o processo legislativo pode se estender até amanhã, mas manifestou esperança de que a lei seja aprovada conforme proposta. Ele assegurou que o bloco La Libertad Avança está aberto ao diálogo e disposto a realizar ajustes para enriquecer a legislação.

“Como o assunto vem, não terminaríamos hoje, mas talvez amanhã. Temos esperança de que conseguiremos a lei como está, mas estamos sempre dispostos a dialogar. Se corrigirmos alguma coisa é para enriquecer a lei”, afirmou Zago.

Nova greve

O vice-secretário dos Caminhoneiros e codiretor da Confederação Geral do Trabalho (CGT), Pablo Moyano, declarou que o sindicato poderá convocar uma nova greve se o programa econômico do governo de Javier Milei “avançar contra o povo argentino”. Em entrevista à rádio, Moyano afirmou que “nada está descartado” e que greves e mobilizações podem ocorrer nos próximos dias, dependendo da evolução do conflito social.

O dirigente caminhoneiro expressou sua preocupação com a possibilidade de aumento dos preços de itens essenciais, como escolas, contas pré-pagas e alimentação, e afirmou que a CGT está mais unida do que nunca após a greve de 12 horas e a manifestação ocorrida em 24 de janeiro contra as reformas políticas e econômicas propostas pelo governo.

Ele ressaltou seu compromisso em defender os direitos trabalhistas, as fontes de trabalho e os salários mais baixos, afirmando que não hesitará em tomar medidas de força se necessário.

Moyano instou os deputados peronistas a votarem contra o projeto de lei “Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”. Ele pediu ao Congresso que não aprovasse a atribuição de poderes delegados ao presidente Javier Milei, a quem classificou como “o gestor das corporações nacionais e internacionais”.

Ele expressou a esperança de que, se a lei for aprovada na Câmara, seja rejeitada no Senado, onde há mais legisladores peronistas.

A opinião de Massa

O ex-ministro da Economia, Sergio Massa, prestes a retornar à cena pública, expôs sua visão crítica das medidas econômicas adotadas pelo governo de Javier Milei no âmbito do Decreto de Necessidade e Urgência de desregulamentação econômica. Em seu primeiro artigo para a Fundação Encuentro, think tank no qual colabora com ex-funcionários como o ex-Alfândega Guillermo Michel, o ex-Indústria José De Mendiguren e o ex-secretário de Finanças Eduardo Setti, Massa questiona as implicações das decisões tomadas.

O documento, acessado no jornal página/12, destaca que a desregulamentação proposta por Milei, formalizada pelo Ministério da Economia na resolução 51 em 29 de janeiro, impacta negativamente diversos setores, em especial, os direitos e benefícios dos consumidores.

A resolução revoga 59 disposições que datam de 1998 a 2023, incluindo 15 regimes de informação que, segundo Massa e sua equipe, visavam principalmente conhecer o custo dos serviços, especialmente em setores dominados por poucas empresas. Entre as resoluções revogadas, destacam-se as relacionadas a entidades financeiras, educativas, pré-pagas, supermercados, seguradoras, turismo estudantil e produção de celulose e papel de jornal.

Massa argumenta que a desregulamentação favorece as empresas em detrimento dos consumidores, retirando transparência, monitoramento e referências essenciais para a proteção dos direitos dos usuários.

O ex-ministro aponta que a liberação de aumentos para escolas pré-pagas e privadas, juntamente com o desmantelamento das ferramentas de Comércio e Defesa do Consumidor, não favorece a liberdade dos usuários, mas sim “aqueles que esperam um estado agressivamente desregulamentado”.

O relatório destaca que, ao eliminar regimes de informação, os consumidores perdem a possibilidade de conhecer os preços praticados por empresas em setores cruciais como alimentação, educação e serviços de saúde. Além disso, Massa ressalta que a desregulamentação possibilita que empresas alterem preços constantemente, cobrem preços diferenciados e abusivos, sem a necessidade de divulgação pública.

O artigo ressalta que as revogações afetam diretamente a Direção Nacional de Defesa do Consumidor, comprometendo a intervenção do consumidor em casos de abusos de preços. Massa e sua equipe concluem que o “pacote de desregulamentações” proporciona maior liberdade para as empresas, enquanto os consumidores perdem seus direitos, benefícios e ferramentas de defesa.

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