Olinda: É lá que eu vejo

Para David Hulak e Luiz Otávio, apreciadores do bem viver.

Igreja e Mosteiro de São Bento, Olinda | Foto: reprodução/jornaleiro

Semana angustiante. Repercussões das eleições na Argentina. Uma guerra que não acaba. Preconceitos explicitados, islamofobia e antissemitismo. Consciência Negra, desfazendo mitos com números alarmantes de um racismo disfarçado. A pauta econômica e as negociações, leiam-se necessárias concessões, que não param.

Todos os temas instigantes para um artigo. Um mundo tão conturbado, prefiro me afastar um pouco. Resolvo procurar um retiro, um local em que possa tentar me esconder. Lembro Carlos Pena Filho:

“Olinda é só para os olhos

Não se apalpa, é só desejo

Ninguém diz: é lá que eu moro.

Diz somente: é lá que eu vejo.”

Vou em busca dessa paz que os olhos trazem para a alma.

Um hotel numa ladeira.  Belo, arborizado, com atendentes educados e simpáticos. Um quarto bem decorado, um bom café da manhã, sem falar o chá ao entardecer. Onde se respira cultura, um museu a céu aberto, esculturas do grande Tiago Amorim à profusão. Três dias de isolamento, três dias de muita paz.

Um café no São Bento. Chá da tarde sofisticado. Bolo de macaxeira e docinhos. Capuccino à moda italiana. Um papo agradável. Encontrar amigos e escutar ao longe o preparar dos beneditinos. A missa de domingo é um repouso. Os cantos gregorianos, os rituais de entrada, o silêncio da multidão. Comovente.

Andar livre nas ladeiras. Bem cedo, ao Guadalupe. A igreja do Monte um pouco além. Chegar à sede do Homem da Meia Noite, do Vassourinha, do Cariri. As ruelas com pedras desregulares, lembrando tempos que os dias atuais fazem questão de ignorar. Ir aos Milagres e sentir a brisa do mar. Pescadores se fazem presentes, idosos jogam conversa fora.

Os sabores inigualáveis. Turistas vão a dois restaurantes fantásticos, Oficina do Saber e Bejupirá. Pratos da nova cozinha nordestina, em que os ingredientes locais se sobressaem. Cajá, caju, peixes deliciosos e para quem gosta, como eu, coentro e cominho temperando. As sobremesas lembram os tempos coloniais, as compotas, os sorvetes, o bolo Souza leão, o de rolo e as cartolas. Os sorvetes e o bom café.

Prefiro ir a três outros, não tão badalados.

O Dom Francesco, onde tenho um belvedere fantástico. O Observatório e a Academia santa Gertrudes ao alcance. Massas feitas à moda italiana. Os temperos pegos na horta, à nossa vista. O vinho branco. As entradas maravilhosas. As bruschettas e o prosciutto. Para terminar o sorvete com um bolinho e um bom café.

Tasca Ibérica é o meu forte. Jayme rodou a cidade e voltou para Olinda, agora nos Milagres. O bolinho de bacalhau imperdível. Sucos e pão caseiro. Os peixes e os arrozes. Os sabores enchem a boca, fazem com que se tenha uma experiência inesquecível.

Patuá é na Ribeira. Bem em frente ao mercado. Seus drinks imperdíveis. As frutas regionais com cachaça, eu aprecio, ou com outro spirit bebida, fazem bem ao cérebro. As entradas com tapioca e novamente os peixes. Ao estilo da cidade, num tempero bem regional com ingredientes locais. As sobremesas enormes dão para dividir o que cria um clima bem romântico.

Olinda é cidade musical. E os Quatro Cantos o local da maior animação. Fim de tarde numa mesinha, sem muito a preocupar, sem muito a refletir. Escutando mistura de sons. Apenas vendo a “galera” passar e cada figura se encontra.

Uma cervejinha e um pastel de nata, mistura exótica que me faz bem. Só num bar dos Quatro Cantos. Adoro a afirmação da atendente ao final, vendo minha satisfação: “Economizou uma passagem para Lisboa, não seria melhor que aqui.”

O Carnaval chegou e Ozeas ensaia sua orquestra na noite de sexta, outro grupo no sábado. Marcam para as sete, mas só começa as nove. Os metais, a percussão, som que faz a alma ferver e os pés não se controlarem. Um grupo de passistas dá um show na rua. Mais de trinta, ritmados, com passos que nunca tinha visto. Não sai do local, mas todos adoram o bloco parado. Delírio dos apreciadores. A maioria é da cidade, há turistas, mas não marcam o local como “espetáculo para inglês ver”. É gente da cidade que se orgulha do que é seu.

Um bar ao lado é casa de samba. Um vozeirão de uma morena belíssima em suas formas de matrona. As músicas conhecidas e o público animado.

Mais a frente um pagode. O público se amontoa. Bebem axé, não sei bem o que é, mas deve ser forte. A maioria com cara de quem “está para lá de Bagdá”.

Côco é a música do momento. Na casa da Luz, mais conhecida como de Alceu, duas senhoras fantásticas. Belo repertório, boa música. Para acompanhar comida ancestral, acarajés, abarás, bobó de camarão em barraquinhas típicas.

Indo para o Amparo, um grupo ensaia. Novamente côco. Seis ou sete participantes. Músicos da melhor qualidade. Vazio por ser cedo, mas com duas pessoas dançando, sentindo realmente a música.

Lembrei que estava angustiado antes de lá chegar. Só não lembro o porquê. A poesia que não saía da minha cabeça, a resposta aos meus devaneios:

“As claras paisagens dormem

No olhar, quando em existência.

Diluídas, evaporadas,

Só se reúnem na ausência.”

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