Biden fala em “progresso real” com a China, mas chama Xi de “ditador”

“Esse tipo de discurso é extremamente errado e constitui uma manipulação política irresponsável”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning

Joe Biden se deu conta de que é preciso firmar algum tipo de trégua com a China. Atolado em uma guerra sem fim na Ucrânia e isolado internacionalmente com seu apoio irrestrito a Israel no conflito em Gaza, o presidente dos Estados Unidos acenou para o líder chinês, Xi Jinping.

Num primeiro momento, a mise-en-scène diplomática pareceu bem-sucedida. A cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), nesta quarta-feira (15), em Woodside, Califórnia, foi saudado pela grande mídia norte-americana. Biden declarou que, no encontro de cinco horas com Xi, houve “algumas das negociações mais construtivas e produtivas” de seu mandato na Casa Branca.

Os dois mandatários avançaram em acordos. Durante a cúpula, comprometeram-se em reduzir a produção do fentanil e em restaurar a “comunicação militar” entre os países. O fentanil é um opioide altamente viciante que virou uma das drogas mais traficadas e usadas nos Estados Unidos. Xi teria concordado em aumentar o controle sobre empresas que produzem ou exportam precursores químicos do narcótico.

Já sobre a “comunicação militar”, há poucas informações sobre o que, efetivamente, foi acordado. “Como vocês sabem, isso foi interrompido e é preocupante, porque acidentes acontecem e desentendimentos também. Agora teremos uma comunicação direta e clara”, disse Biden, sem dar mais detalhes. “Erros de cálculo vitais de qualquer um dos lados pode causar problemas reais, reais, a um país como a China ou qualquer outro país importante”, agregou, genericamente.

Xi, por sua vez, afirmou a Biden que os Estados Unidos devem parar de armar Taiwan e apoiar a “reunificação pacífica” da China. O presidente norte-americano reafirmou que considera a ilha uma parte do território da China, mas não teria avançado em compromissos mais claros.

Na opinião do presidente chinês, “o planeta Terra é grande o suficiente para os Estados Unidos e a China. Embora sejam muito diferentes, os dois países devem ser totalmente capazes de superar as diferenças”. A lógica de Xi foi expressa em palavras calculadas: “A relação deve se desenvolver de modo que beneficie nossos dois povos e cumpra nossa responsabilidade pelo progresso humano. Acredito num futuro promissor desta relação bilateral”.

No X (antigo Twitter), Biden igualmente elogiou a reunião. “Valorizo a conversa que tive hoje com o presidente Xi porque penso ser de suma importância que nos entendamos de forma clara, de líder para líder. Há desafios globais críticos que demandam nossa liderança conjunta – e hoje fizemos um progresso real”.

Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China, também classificou a cúpula como “muito importante”. A seu ver, os acordos, ainda que sem declarações bilaterais formais, ajudam a “injetar certezas e aumentar a estabilidade num mundo turbulento e em mudança”.

Mas o teatro de Biden não teve vida longa. Após declarar que as “conversas frente a frente” são insubstituíveis, o presidente norte-americano declarou que as “discussões” entre ele e Jinping “sempre foram diretas e francas”. Mais franqueza, porém, ele teve ao responder a um correspondente da CNN, MJ Lee, que perguntou se Biden continuaria a descrever Xi como “ditador”.

A resposta foi um acinte: “Bem, veja, ele é. Ele é um ditador no sentido de que é um homem que dirige um país que é comunista”. E emendou: “Também é importante falar sobre a paz e a estabilidade no estreito de Taiwan. É claro que fazemos objeção a atitude da China e continuaremos a lidar com isso”. Por fim, citou um ditado russo para qualificar sua relação “competitiva” com Xi: “Confie, mas verifique. É onde estou”.

Conforme esperado, a China não passou recibo. “Esse tipo de discurso é extremamente errado e constitui uma manipulação política irresponsável. A China se opõe firmemente a isso”, declarou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Mao Ning. “Devo enfatizar que há sempre pessoas com segundas intenções que tentam semear a discórdia e destruir as relações China-Estados Unidos – e isso não terá sucesso.”

Curiosamente, tão logo a cúpula da Apec se encerrou, a Casa Branca disse, em nota, que “o mundo espera que Estados Unidos e China gerenciem sua competição responsavelmente para evitar que ela leve a um conflito, um confronto ou uma nova Guerra Fria”. Se depender de Biden, no entanto, a “Guerra Fria 2.0” não parece com os dias contados, e o melhor do encontro terá sido o cardápio do almoço – ravióli de ricota com ervas, frango assado e bolo de merengue de amêndoa.

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