Líbano resiste ao avanço israelense, apesar da instabilidade política e econômica

O dirigente de Organização do Partido Comunista Libanês, Firas Al-Masry, compartilhou uma análise crítica da situação política e econômica no Líbano em uma entrevista concedida durante o 23° Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (EIPCO) em Izmir, Turquia. O dirigente que representa seu partido em Portugal, falou à jornalista Moara Crivelente, que representou a Secretaria de Relações Internacionais do PCdoB na Turquia. 

A situação no Líbano é sombria, de acordo com Al-Masry, com uma economia devastada e um sistema político sectário profundamente enraizado. Ele descreveu a rápida deterioração das condições de vida no país, onde os salários perderam mais de 95% de seu poder aquisitivo em apenas três anos.

“A situação política e econômica do país é um desastre. Naturalmente isto é produto das sucessivas políticas neoliberais praticadas no Líbano desde 1990, aplicando todas as receitas do Fundo Monetário Internacional, das imposições da União Europeia e Estados Unidos em termos de medidas econômicas”, explicou ao Portal Vermelho. 

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Perpetuação de facções políticas

A situação política no Líbano é igualmente problemática, com um sistema eleitoral que favorece partidos sectários e não permite mudanças democráticas significativas. O sistema de pequenos círculos eleitorais torna difícil a emergência de novos líderes ou partidos. O dirigente comunista destacou que o povo libanês é altamente politizado, mas os resultados das últimas eleições mostraram quase 50% de abstenção, indicando uma desconexão entre o sistema político e as aspirações do povo.

“Em termos políticos, o país é igualmente um desastre porque é um país sectário, onde o sistema político está desenhado à medida, ou à talha, digamos, dos partidos sectários, com círculos eleitorais muito pequenos e refletem sempre os mesmos partidos”, acrescentou.

Al-Masry também alertou sobre as intervenções estrangeiras, em que a situação política já instável é complicada ainda mais com Israel representando uma ameaça contínua de invasão. Além disso, o Líbano é frequentemente palco de disputas regionais e interesses divergentes, resultando em um ambiente político volátil e muitas vezes ineficaz. Ele descreveu o Líbano como politicamente ditatorial, apesar das eleições regulares, devido ao sistema de círculos eleitorais sectários que perpetuam o poder sempre dos mesmos partidos.

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Acordos contraditórios, interesses privados

Firas Al-Masry explicou que o Acordo de Taife, concebido para encerrar a guerra civil em 1989-1990, não abordou efetivamente as realidades militares e políticas do país. Embora tenha terminado a guerra civil, não conseguiu proporcionar uma solução política duradoura. Em vez disso, os líderes sectários acabaram por se beneficiar do acordo, perpetuando assim um sistema político disfuncional.

“Em vez de aplicar a Constituição, como defende o Partido Comunista, desde os anos 1980, o problema é que estamos a aplicar no Líbano acordos, como o de Taife que foi imposto após a guerra civil, e que tinha caráter temporário, mas passou a permanente. A solução é fácil, mas não há vontade, porque esses partidos que se beneficiam do poder não querem soltar o queijo. Dividem o queijo entre si”, explicou. 

“Atualmente não há governo. Há um primeiro-ministro em exercício, assim como há um presidente em funções, portanto o país funciona sem instituições. Isso também é produto do sistema político, que leva meses a tentar formar um governo de coligações e não se chega a nenhum resultado”, critica.

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O líder do PC Libanês defendeu a aplicação da Constituição do Líbano como uma solução para a crise, destacando que o país precisa de uma reforma abrangente e uma governança mais justa para proteger os ganhos da resistência à ocupação israelense.

“Nós, como um país em conflito com a entidade sionista, convém termos um sistema político coerente e forte para proteger os ganhos conseguidos com a resistência. E a situação atual, tanto econômica como política, sob essas condições, não protege esses ganhos, esses benefícios logrados ao longo dos últimos anos”.

Ele enfatizou o compromisso contínuo do Partido Comunista Libanês em apoiar movimentos de libertação nacional e proteger as fronteiras do país, bem como a causa palestina. Al-Masry detalhou a contínua luta pela devolução dos corpos dos mártires da resistência detidos em Israel. Ele destacou a importância da resistência no Líbano, liderada principalmente pelo Hezbollah, na luta contra a ocupação israelense. O líder libanês enfatizou que, apesar de terem empurrado Israel para fora de grande parte do território libanês, ainda há mártires cujos corpos estão retidos em Israel há décadas. “Só para mostrar aqui a imagem do estado terrorista de Israel que até os corpos retém”. 

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Ele explicou um acordo recente entre o Líbano e Israel para resolver disputas de fronteira marítima e permitir a exploração de gás natural. Ele enfatizou que esse acordo “péssimo” foi firmado sob pressão dos Estados Unidos, aproveitando a difícil situação econômica do Líbano. Segundo ele, o acordo não reflete os ganhos conquistados pela resistência, e o Líbano deveria ter obtido mais direitos com base nas diretrizes das Nações Unidas.

Al-Masry explicou que o Líbano tinha mais direitos marítimos de acordo com as linhas da ONU, mas o acordo atual não reflete os interesses do país, um sinal do fracasso do sistema político libanês. “Recentemente, este famoso bloco novo, que adjudicaram para os franceses, há dois ou três dias, resulta que não há gás nesse bloco. No entanto, o bloco ao lado onde os israelenses estavam a tentar ganhar e ganharam, tem gás. Portanto, um desastre desse sistema político, desses representantes políticos libaneses que estão a trair a confiança do libanês em todos os níveis”, criticou.

Outro aspecto que ele chamou atenção deste acordo é a contradição entre não reconhecer o estado de Israel, mas fazer acordos que formalmente legitimam este reconhecimento. “É contraditório. O país como tal não reconhece, mas depois chega a um acordo para delinear as fronteiras marítimas, sem qualquer menção aos territórios libaneses ainda ocupados”. 

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Conflito na Palestina

Após a recente operação da resistência palestina em Gaza, o Líbano também entrou em conflito com Israel. O líder comunista descreveu uma resposta heróica e profissional da resistência, causando perdas significativas ao exército israelense. O confronto ocorreu dentro das fronteiras do Líbano, com baixas no lado israelense. O líder do Partido Comunista Libanês lamentou a falta de cobertura midiática internacional sobre esses eventos.

Al-Masry mencionou o assassinato de jornalistas e repórteres durante os confrontos. Ele relatou que 21 jornalistas e repórteres foram mortos na região, incluindo no Líbano, desde o início dos conflitos. Ele ressaltou que a morte de jornalistas recebe pouca atenção da mídia internacional.

A resistência libanesa, especialmente o Hezbollah, estabeleceu duas “linhas vermelhas” para seu envolvimento: o deslocamento forçado do povo palestino de suas terras e uma invasão terrestre israelense que ameace a resistência palestina. O líder do Partido Comunista Libanês enfatizou que a resistência está pronta para intervir caso essas linhas vermelhas sejam cruzadas, acreditando que este é o momento para forças da resistência regional fazerem a diferença em apoio à causa palestina.

No final da entrevista, Al-Masry destacou a importância de compreender a questão palestina como uma questão fundamental de justiça, onde um povo tem sido sistematicamente oprimido por um estado com meios desproporcionais de violência.

“Quero dar um abraço ao povo brasileiro, pois temos muita história em comum e é muito importante que saibam a realidade. A questão palestina é uma questão de justiça elementar, onde há um povo vítima que sempre foi massacrado e há um outro estado que usou de meios terroristas para massacrar esse povo, e que não podemos compará-los. Se num momento dado esse povo se levanta para defender o próprio território, nunca podemos titulá-lo ou acusá-lo de terrorista. Isso é injusto, e é muito importante que o povo brasileiro saiba isso”, afirmou. 

Sua análise revela a complexidade das questões políticas e militares na região do Oriente Médio, enfatizando a contínua busca pela justiça e a necessidade de solidariedade internacional.