“Império da dor”

Minissérie de ficção da Netflix aborda em sua trama as origens e as consequências da crise do vício em opioides nos Estados Unidos.

Império da Dor é a mais nova série dramática da Netflix | Foto: Divulgação/Netflix

Pode-se considerar um verdadeiro escândalo e uma profunda ação de interesse capitalista, visando lucrar e não se importando com o sofrimento e mortes de aproximadamente 500 mil pessoas nos Estados Unidos, decorrentes da utilização de substâncias opioides (derivados sintéticos do ópio), o OxyContin, lançado em 1995. Tal acontecimento resultou na falência e dissolução da empresa Purdue Pharma, da família Sackler, tendo a justiça norte-americana encerrado em agosto de 2021 o referido processo – conforme matéria do El País – acerca da longa disputa contra a empresa farmacêutica, grande responsável pela grave epidemia de dependência química de opioides nos Estados Unidos.

A minissérie de seis capítulos disponíveis na NetFlix, com o título “O Império da Dor”, através da dramatização de fatos reais, na realidade, poderia se dizer que conta uma história de terror. Dirigida por Peter Berg, baseia-se no livro “Pain Killer”, de Barry Meier, e no artigo “The Family That Built an Empire of Pain”, de Patrick Radden Keefe. A série procura mostrar, em seus seis episódios, a luta de Eddie para incriminar o representante da indústria farmacêutica, Richard Sackler (Matthew Broderick), por sua responsabilidade pelo aumento do consumo dos opioides no Estados Unidos, bem como pelos escândalos envolvendo uma das maiores redes farmacêuticas do país.

Os seis capítulos vão demonstrando como os valores éticos, que deveriam prevalecer na área da saúde e na vida das pessoas, vão sucumbindo e dando lugar somente para os interesses capitalistas, em que as necessidades humanas são descartadas e tudo se torna mercadoria. Para esta empresa farmacêutica (e provavelmente para muitas outras), pouco importam as misérias das pessoas, o sofrimento, as relações sociais, a vida, já que o mais lucrativo é a própria dor, e tudo se resume em se obter lucro. A situação se agrava ao se constatar que tal tragédia ocorre tendo como suporte a adesão de médicos, aparatos estatais e toda uma mega ilusão repassada aos e pelos representantes comerciais da Purdue Pharma, composta inclusive por maioria de jovens mulheres, assediadas ideológica e fisicamente pelos médicos e por altos funcionários da referida empresa. Na busca de aumentar cada vez mais seus lucros e acumular capital às custas de mortes, cada vez mais crescentes, tendo ainda como cúmplices funcionários e o governo americano.

A personagem principal, a investigadora e funcionária do governo norte-americano, vivida pela atriz negra e muito competente, Uzo Aduba, que vive Edie Flowers, destaca-se pela tenacidade, espírito investigativo e luta pela justiça, justamente nesse mundo em que a ética é um valor também descartado.

O remédio, OxyContin, considerado tão nocivo quanto heroína, é indicado para amenizar a dor e mesmo para contê-la em um pequeno espaço de tempo. Porém, torna-se uma obsessão, um martírio, se usado como prescrito na época, tornando-se uma esgotante e lancinante história de desespero para aqueles que o utilizam e para suas famílias, que são envolvidas por comportamentos de crises de abstinência, alterações comportamentais, isolamento social e abandono de atividades cotidianas, assim como o descontrole financeiro, a perda de suas referências, a negligência consigo mesmos e o afastamento de familiares e amigos.

Protesto de familiares contra a empresa Purdue Pharma, nos EUA.

Entre os vários personagens da série, destaca-se a dor de Glen (Taylor Kitsch), e sua família. Ele é proprietário de uma loja de pneus, que luta com sua vida, a retomada da relação com sua família, após uma queda onde tem lesão nas costas e acaba por se tornar dependente da droga. O estrago que essa droga provocou, com apoio da FDA, órgão que controla os medicamentos nos Estados Unidos, expressa-se como um verdadeiro tráfico legal de drogas, que devastou os Estados Unidos nos anos 90, com repercussões até os dias de hoje, mesmo que a empresa tenha sucumbido pelos mais de 3 mil processos de familiares, enfrentando uma situação de falência. No entanto, as marcas ficaram registradas na vida das pessoas e marcam ainda hoje o país mais capitalista e belicoso do planeta, hoje enfrentando a epidemia de opioides com o fentanil. O Brasil não está fora dessa trágica situação, o fentanil, um anestésico 50 vezes mais viciante que a heroína e 100 vezes mais forte do que a morfina, foi apreendido em março no Espírito Santo conforme registra estudo da Fiocruz.

Para evitar mais spoilers, só destaco a emoção e tristeza em cada início de cada capitulo. O depoimento de familiares, mães e pais que perderam seus filhos para a OxyContin impacta a todos/as, chamando atenção para o quanto “Império da Dor”, se constitui em uma das maiores tragédias do século XX.

Referências:
Justiça dos EUA encerra litígio contra Purdue Pharma pela crise dos opioides
Estudo da Fiocruz aborda uso crescente de fentanil no Brasil

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