Pressão pelo fim da guerra na Ucrânia cresce onde menos se espera
A classe dominante dos EUA rotula a promoção da paz com a China ou a Rússia como antiamericana, mas existem fissuras.
Publicado 06/09/2023 19:48 | Editado 07/09/2023 08:24
A análise a seguir foi preparada pela Comissão de Paz e Solidariedade do Partido Comunista dos EUA e publicada no dia 30/8 pelo People’s World, jornal continuador do histórico Daily Worker (Diário do Trabalhador), fundado em 1924 como Órgão Central do PCEUA.
Os apelos à paz, à diplomacia, às negociações e à cooperação entre as nações raramente têm espaço na mídia corporativa. Promover as guerras do Governo e do Congresso gera muito mais centímetros de coluna, minutos de vídeo e, o mais importante, lucros. As invasões norte-americanas do Vietnã, do Afeganistão, do Iraque, da Líbia e tantas outras foram todas aplaudidas nos nossos jornais tradicionais e nas principais redes e estações de televisão por cabo.
Recentemente, o New York Times publicou uma reportagem “investigativa” que atacava a “Code Pink” e outras organizações porque estas se opõem à guerra – fria ou quente – com a China, defendendo, em vez disso, a cooperação e a paz. O artigo macartista do Times insinuou que a paz não é algo que as pessoas progressistas e de mentalidade democrática nos EUA procurariam por si próprias e que tais desafios à política externa dos EUA devem necessariamente receber orientação e financiamento do Partido Comunista da China.
A classe dominante dos EUA, buscando tanto lucros de guerra como restrições aos seus concorrentes comerciais internacionais, rotula a promoção da paz com a China ou a Rússia como antiamericana. A lição que devemos tirar é que as iniciativas de paz são obra da subversão estrangeira. O corolário que disto se depreende é que a guerra sem fim segue sendo a base da política externa dos EUA.
A administração Biden reconheceu que o seu objetivo é prolongar a guerra na Ucrânia até que a Rússia seja derrotada e destruída como grande potência, embora uma vitória convencional esmagadora de qualquer um dos lados possa facilmente fazer com que os arsenais nucleares da Rússia e da OTAN entrem em ação, devastando em chamas dez mil anos de civilização.
Diante desta mensagem pró-guerra e pró-catástrofe, qualquer pessoa que peça um cessar-fogo na guerra na Ucrânia e insista num acordo negociado corre o risco de ser acusada de ser um mero instrumento do Presidente russo, Vladimir Putin.
Isso ficou claro em outubro passado, quando uma carta assinada por 30 parlamentares da bancada progressista do Congresso dos EUA foi divulgada semanas antes das eleições de meio de mandato.
A carta endossou o apoio militar e econômico da política do Presidente Biden ao governo de Kiev, mas considerou grave o perigo de que a escalada da guerra conduzisse a um conflito nuclear. Exortou Biden a acabar com isso usando a diplomacia. Apesar da gentileza da carta, em 24 horas uma tempestade bipartidária de críticas forçou a sua retratação.
Mesmo para os membros do Congresso, apenas aqueles que apoiam a política externa dos EUA são considerados merecedores de uma escuta séria.
No entanto, existem fissuras na armadura ideológica do imperialismo norte-americano, como mostram alguns artigos recentes, publicados nos meios de comunicação capitalistas, que desafiam a narrativa pró-guerra.
Em maio, a Eisenhower Media Network publicou um anúncio assinado de página inteira no New York Times intitulado “Os EUA deveriam ser uma força para a paz no mundo”. Os autores, principalmente militares de alta patente e diplomatas reformados dos EUA, deploram todos os aspectos da guerra na Ucrânia, afirmando que a causa imediata é a invasão russa.
Ao mesmo tempo, porém, contradizem a ideia de que a invasão não foi provocada, fornecendo provas em contrário.
O anúncio exibe uma cronologia dos acontecimentos desde 1990, descrevendo uma longa série de provocações militares dos EUA contra a Rússia, incluindo a anulação de tratados de segurança internacionais, a instalação de mísseis nas fronteiras da Rússia e a rejeição dos EUA a todas as propostas diplomáticas da Rússia sobre segurança mútua.
O que, perguntam os autores, fariam os Estados Unidos se a Rússia construísse bases, instalasse mísseis e realizasse exercícios de guerra no Canadá e no México?
Nós temos uma resposta. Em 1962, o presidente John F. Kennedy reagiu aos mísseis nucleares que a URSS colocou em Cuba deslocando tropas para o sul da Florida e ameaçando uma guerra nuclear total se não fossem removidos. Mas Kennedy também negociou um acordo que incluía a remoção tanto dos mísseis soviéticos de Cuba como dos mísseis norte-americanos instalados na Turquia e apontados contra a URSS.
Outro artigo apareceu na Harper’s Magazine em junho: “Por que estamos na Ucrânia? Sobre os perigos da arrogância americana”, de Benjamin Schwarz, ex-editor do The Atlantic, e Christopher Layne, professor aposentado.
Washington condena como repulsiva a ideia de que a Ucrânia reside na esfera de influência de Moscou. No entanto, brandindo a Doutrina Monroe da década de 1820, os EUA não só reivindicaram o Hemisfério Ocidental como sua exclusiva esfera de influência, como alargaram esta esfera repetidamente para abranger o mundo inteiro.
O excepcionalismo dos EUA exige que outros países obedeçam ao direito internacional, ao mesmo tempo que se concedem o direito de violá-lo.
Desde o golpe de estado facilitado pelos EUA que derrubou o governo democraticamente eleito de Yanukovych (ex-presidente ucraniano) em 2014 até o presente, Washington incentivou a integração de nazistas no governo de Kiev. Durante oito anos antes da invasão russa, apoiou tacitamente o bombardeamento por Kiev da população etnicamente russa da região de Donbass, no leste da Ucrânia. Integrou as forças armadas de Kiev na OTAN e rejeitou todos os pedidos russos por reconhecimento de suas preocupações de segurança e por negociações.
No início de 2022, enquanto os militares de Kiev aumentavam os bombardeios contra Donbass e os EUA continuavam a rejeitar os apelos da Rússia sobre as suas preocupações de segurança, os militares russos invadiram a Ucrânia, transformando esse conflito civil num conflito internacional.
Um mês após a invasão russa, ocorreram mais negociações entre Kiev e Moscou para acabar com a guerra. Mas a administração Biden enviou o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, para inviabilizar qualquer possibilidade de acordo.
A administração Biden também atacou um plano de paz proposto pela China no início deste ano. Tanto o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, como a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, disseram inicialmente que estavam abertos a considerar pelo menos partes do plano, tendo Zelensky observado que “historicamente a China respeita a nossa soberania”. Zelensky, no entanto, seguindo os comentários de Biden de que “Putin está aplaudindo, então como poderia ser bom?” e “a ideia de que a China vai negociar o resultado da guerra… simplesmente não é racional”, voltou atrás e retomou os pedidos de mais carregamentos de armas.
A este respeito, o Comitê Nacional do Partido Comunista dos EUA disse que o plano de paz da China e da África do Sul fornece uma estrutura “para a Rússia retirar as suas tropas, [para] parar a expansão da OTAN e acabar com o fluxo de armas, inclusive dos EUA, único caminho para que a Ucrânia seja independente e soberana.”
Um terceiro artigo apareceu na NBC News em julho com a manchete: “Ex-funcionários dos EUA mantiveram conversações secretas sobre a Ucrânia com russos de alto escalão”. Embora isto tenha sido desmentido pela administração Biden, pode ter sido um balão de ensaio para testar a reação à possibilidade de os EUA estarem finalmente a avançar lentamente para as negociações.
Em 8 de agosto, a CNN, que sempre promove todas as guerras apoiadas pelos EUA, produziu uma reportagem que na verdade contradizia a sua cobertura anterior. Afirmando que “as forças ucranianas sofreram perdas enormes”, citou um diplomata ocidental para dizer que é “altamente improvável” que a contraofensiva de Kiev altere o equilíbrio do conflito.
O fato destes artigos estarem a aparecer neste momento deve ser visto como um sinal positivo de que a guerra na Ucrânia pode ser encerrada diplomaticamente.
Para conseguir isso, no entanto, as forças da paz devem aproveitar o momento para substituir a equação “manu militari” de Washington: “custe o que custar, pelo tempo que for necessário”. Em vez disso, devemos exigir justiça, diplomacia, negociações e paz.