Haddad e Lula falam em ampliar BRICS, mas sem se tornar Torre de Babel 

Ministro diz que Brics defende valores comuns e Lula quer países comprometidos com o grupo. Analista internacional diz que BRICS não querem ser instrumento da política externa chinesa

Lula e Haddad na cúpula do BRICS em Joanesburgo, África do Sul.

Durante cúpula do Brics, na África do Sul, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu nesta terça-feira (22) a reforma de organismos internacionais para a inclusão de países emergentes. Embora ele se referisse a diversos organismos multilaterais, enfatizou a importância do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) defender esses valores. 

A fala está alinhada com o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse mais cedo, em live transmitida da África do Sul. No entanto, o presidente brasileiro sinalizou para preocupações quanto a incluir países que, depois, se revelem contrários aos interesses do bloco. Ele também quer evitar que o BRICS vira um contraponto ao G7 (formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido).

A analista internacional Flávia Loss

Em entrevista ao Portal Vermelho, a analista internacional Flávia Loss, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) revela que os critérios de “pertencimento” para uma expansão dos BRICS são subjetivos, ainda. “Não tem nada muito claro ainda, porque eles estão voltando. Eles não deixaram de existir, mas estão com um novo impulso para continuar os seus projetos. Estão elaborando quais são esses critérios de pertencimento e tentando negociar”, diz ela.

Lula sugere que a expansão do grupo precisa envolver compromisso dos países. “Porque, se não tiver grau de compromisso dos países que entram no Brics, vira uma torre de Babel”, afirmou o presidente em live nas redes sociais, acreditando que o grupo deve sair expandido e renovado desse encontro. Ele fez referência ao mito bíblico da ambiciosa torre construída pela humanidade, que Deus puniu criando diferentes línguas para que não se entendessem.

“Obviamente, tem que estabelecer determinados procedimentos para que as pessoas entrem e para que, amanhã, a gente não descubra que a gente colocou alguém que era contra o Brics”, completou Lula.

Emergentes e hegemônicos

O grupo surgiu apenas como uma sigla criada pelo economista Jim O’Neill em 2001, da agência de investimentos Goldman Sachs e orientar investidores, ao se referir a economias emergentes. Depois, os países resolvem fazer um uso político da sigla, aos se juntarem e defenderem interesses comuns. De lá pra cá, a China cresceu muito economicamente, destoando dos demais países da sigla, embora mantenha parcerias exclusivas e prioritárias com esses países. 

Ela observa que os BRICS eram países que faziam (e fazem) parte do G20 também, mas com problemas sociais muito complexos, democracias que ainda estão se fortalecendo. Na última década, tiveram problemas, e não foi um grupo que se desenvolveu como poderia, na opinião dela. “Até o Brasil, por conta da sua crise política nos últimos anos, em que o governo de Dilma Rousseff participou cada vez menos. Agora, o Brasil volta com força nesse contexto da guerra da Ucrânia”, afirma. 

Em maio, na reunião do G7, o presidente Lula cobrou a inclusão de novos integrantes permanentes no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) para “recuperar a eficácia, autoridade política e moral para lidar com os conflitos e dilemas do século 21”. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, ao menos 22 países já manifestaram interesse em compor o Brics. 

Lula também pediu a inclusão da África no G20 e defende a entrada de novos países no grupo BRICS, como a Argentina. “O Brasil não pode fazer política de desenvolvimento industrial sem lembrar que a Argentina é um país que tem que crescer junto com o Brasil”, afirmou.

Grupo pró-China

Flávia acredita que um dos critérios que podem ser adotados é o fato do país já fazer parte do G20, como economia emergente. “Uma preocupação do Brasil agora tem sido que o bloco não se torne um instrumento da política externa chinesa, com seus interesses no sistema internacional, rivalidades com a União Europeia e os Estados Unidos”, explicou. 

Por isso, a analista compreende a cautela do Brasil, “essas palavras muito comedidas do ministro Haddad”, em sintonia com a política externa brasileira, que é de moderação e diálogo. Dificilmente, o Brasil vai agir abertamente como parte de um bloco pró-China.

Para Haddad, os Brics têm uma grande contribuição a dar a partir da sua perspectiva no mundo. “E que não signifique nenhum tipo de antagonismo a outros fóruns importantes dos quais nós mesmos participamos”, afirmou o ministro.

“Essa preocupação de Lula e Haddad, que o BRICS não se torne um contraponto ao G7 e nem aos Estados Unidos, é muito importante, porque a nossa política externa prega que o Brasil tenha boas relações com todos os países. O que está se tentando fazer é seguir os pilares tradicionais da política externa e não criar uma barreira em relação a União Europeia e aos Estados Unidos”, explicou. 

Flávia acredita que esta é uma preocupação válida, porque o Brasil tem interesses muito fortes em relação à China, maior parceiro comercial, mas também tem interesses importantes no G7. “A gente está negociando um acordo com a União Europeia, e isso não pode sair do nosso foco. Antes de qualquer disputa no campo ideológico que seja travada, é importante que a gente entenda e siga o que nos interessa no sistema internacional”, ponderou.

Diplomacia e equilíbrio

Haddad enfatizou o caráter diplomático defendido pelo Brasil, ao valorizar o multilateralismo, a diversidade cultural, e que as oportunidades têm de ser melhor distribuídas pelo planeta. “Nós, brasileiros, acreditamos que os organismos internacionais precisam de alguma forma refletir esse novo contexto global em que potências emergem, em que países se desenvolvem, em que modificam a face do planeta à luz da dinâmica econômica, social e política que atinge todo o globo”, falou o ministro em seu discurso, referindo-se ao modo como os organismos multilaterais ainda são organizados sob uma lógica pós-guerra.

“É, portanto, importante que os Brics se unam em proveito desses valores comuns. O valor da liberdade, da soberania nacional, de um mundo equilibrado, onde não há donos, mas povos soberanos. Do mundo que busca oportunidade para toda a sua gente, sem nenhum tipo de distinção”, completou. 

No entanto, na live realizada nesta terça, Lula ressaltou ainda que o Brics não pode ser “um clube fechado”, como o G7. Mas também afirmou que o BRICS não quer ser contraponto a ele, ao G20 ou aos EUA. “A gente quer se organizar, criar uma coisa que nunca existiu: o Sul Global. Nós sempre fomos tratados como a parte pobre do planeta, como se não existíssemos e fôssemos de segunda categoria”, frisou. 

“O Brics não significa tirar nada de ninguém, mas a organização de um polo muito forte. Queremos sentar em mesa de negociação em igualdade de condições com a União Europeia, com os Estados Unidos, e com outros países. O que a gente quer é criar novos mecanismos que tornem o mundo mais igual do ponto de vista das decisões políticas“, defendeu Lula.

A inclusão de novos países cria novas perspectivas para o Brasil, que é favorável à expansão. No entanto, essa ampliação tem uma interface que pode restringir a agenda, a unidade entre os países, reduzir a visibilidade do Brasil, que tem em comum com esse bloco atual a força populacional, territorial e econômica.

A insistência de Lula e Haddad, hoje, em enfatizar que o bloco não pretende se contrapor ao Ocidente, representado pelas potências europeias e EUA, demonstra que há uma preocupação com essa perspectiva. Caso siga esse rumo, o bloco pode deixar de ter um engajamento maior do Brasil.

A inclusão de mais países pode dificultar a busca de convergência e consensos, também. Com isso, o processo decisório sobre agendas fortes e convergentes pode se tornar difícil e bloquear uma atuação mais fluída do grupo.

Desta forma, a expansão e os critérios para isso dependerá de onde querem chegar países como China, Rússia e Brasil, que têm interesses geopolíticos distintos e fortes. A expansão do comércio e das opções de financiamento dos países envolvidos tem sido a maior convergência, até o momento. 

A expansão também pode favorecer o Brasil em relação ao acesso a mercado inexplorados, cooperação em desenvolvimento sustentável, infraestrutura e tecnologia, além do fortalecimento do papel internacional. 

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