Águas de Capivara: três parques, uma cidade

No rio se via uma solução mitigadora. Sempre são apresentados projetos para sua navegabilidade.

Cheguei em janeiro de 1979. Fugindo da poluição, do trânsito infernal que a megalópole paulista me oferecia. No meu imaginário, tudo seria diferente. Aspectos outros me encantaram, apaixonei-me pela cidade, não a abandono mais. Infelizmente, os motivos primários não se confirmaram, a cidade cresceu e apresenta os tão indesejáveis aspectos que procurei evitar.

A mobilidade ficou insuportável. O trânsito com grandes congestionamentos, a fumaça nas narinas, a tosse que aparece. Recife cresceu mais do que o esperado e, com isso, as mazelas do crescimento se tornaram patentes. Li outro dia que foi classificada como uma das piores cidades do mundo para a locomoção por veículos automotivos, pior do que São Paulo e Rio de Janeiro e mesmo de que grandes cidades como Nova York, Paris ou Pequim.

Sou andarilho. Abandonei a condução de veículos há onze anos, tenho carteira, mas não dirijo. Faz-me mal à alma, me deixa ansioso e tenso. Gosto muito de me locomover a pé, percorrer boas distâncias observando a cidade. Apreciando seus detalhes, suas características.

Capibaribe, água de capivara em língua Tupi. O rio que marca a cidade. Sua beleza, suas margens de mangue, seu recortar que direciona a cidade. Em suas margens me locomovo, através delas acompanho os fluxos que determinam o ritmo que nos impulsiona, que faz com que as populações se movam.

Sobre suas pontes paro. Observar as águas é comovente, têm seus problemas, claro, o aguapé se movimentando em época de chuva sinal de existência de elevado nível de poluentes, mas, também, o belo, as diferentes paisagens que conseguem escapar da especulação doentia, fazem com que bons minutos sejam sempre bem utilizados.

Infelizmente a poluição se avoluma. O despejar de dejetos, dos esgotos, não foi estancado. Os plásticos se acumulam, suas margens estão repletas, a correnteza traz cada vez mais objetos. Lembro de um movimento começado num bar, o Capibar, em que de barquinho se saia catando esse entulho. Até geladeira e sofás eram encontrados.

Nos anos oitenta e noventa trabalhei em um projeto com a Prefeitura e o British Council que pretendia transformar o rio no Tâmisa brasileiro. Acreditava-se que em pouco tempo se teria um rio limpo e despoluído. Anos passaram e infelizmente nada foi feito para viabilizar idéia tão importante.

O trânsito da cidade. Volto a reafirmar que ficou infernal. No rio se via uma solução mitigadora. Sempre são apresentados projetos para sua navegabilidade. Participei de dois, o último no início do século XXI. Não é fácil, está muito assoreado, as pontes deixaram vigas não utilizadas cuja retirada aumenta em muito o custo das obras.

Os projetos de navegabilidade previam estações. Embarque e desembarque. Em pontos estratégicos que permitiriam diminuir o caótico movimento de transporte na cidade. Estações que começam a ser repensadas. Uma tentativa de reurbanização do Recife as inclui. Parques são idealizados para o lazer das populações. O aproveitamento de espaços públicos de uma maneira racional e prazerosa.

Uma caminhada. Começo na Vila Vintém, perto de um shopping e um aglomerado de habitações populares. Murais de araras e capivaras nos pilares da ponte que atravessa o rio. Parquinho para as crianças, com brinquedos bem cuidados. Um anfiteatro dando para as águas poderá ser aproveitado para espetáculos e manifestações populares. O píer onde pequenas embarcações podem nos levar a um passeio pelas águas. Da ponte uma corda, trinta metros de altura, mais ou menos. Jovens fazendo rapel em pleno centro do Recife. Fico impressionado.

 Chego no do Baobá. Pequeno e muito bem cuidado. Mesas enormes que permitem piqueniques e bons papos em espaço bem sombreado. Árvores enormes, inclusive o belo baobá. Dois balanços enormes onde namorados poderão fazer juras e confissões sentados juntinhos. No píer, um simpático navegador. Oferece passeios incríveis que permitem até chegar ao lócus em que o Beberibe e o Capibaribe se unem e formam o oceano Atlântico. Imaginem.

Mais um quilômetro e o novíssimo Parque das Graças se apresenta. Muito bem concebido, muito bem organizado. Os murais lindos, com cores fortes que representam bem o que é o Recife. Tem até um painel que é sonoro. A modernidade do QR code permite escutar o barulho das raízes das plantações características com música de fundo. A recuperação e o plantio do mangue dão o tom à preocupação ecológica. O parquinho infantil com brinquedos modernos e diferentes. O caminhar pela pista à beira rio permite um bom exercício matinal. Quando as árvores crescerem será bem sombreado. O mirante para fotos e admiração da paisagem. O “parcão” movimentado pela predileção da classe média, os pets indispensáveis. Parque que modifica a qualidade de vida dos moradores das proximidades.

O rio que se identifica com a reurbanização da cidade, lhe dá características marcantes, valorizando os espaços públicos. Navegabilidade algum dia chegará, parques já se fazem presentes. Uma cidade mais verde, uma cidade mais humana.

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