STF descaracteriza piso de enfermagem, mas rejeita regionalização

STF abre brechas para que setor público e privado não paguem o piso e vincula à jornada de 44 horas. Derrota de proposta de Toffoli evitou precarização ainda maior.

Após julgamento no Plenário Virtual, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, por oito votos a dois, que o piso nacional da enfermagem deve ser pago aos trabalhadores do setor público pelos estados e municípios na medida dos repasses federais. 

A ação foi proposta pela entidade patronal Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde) pedindo suspensão do piso, no que foi atendida. Por voto médio, o Tribunal definiu que prevalece a exigência de negociação sindical coletiva como requisito procedimental obrigatório, mas que, se não houver acordo, o piso deve ser pago conforme fixado em lei.

O voto médio foi necessário uma vez que, em relação ao setor privado, três correntes de votos foram registradas. Havia uma proposta pelo simples cumprimento da lei, uma que regionalizava o piso e outra que prevaleceu, feita pelo relator da ação cautelar e presidente em exercício da Corte, ministro Luís Roberto Barroso.

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Jornada vinculada

Além disso, ficou definido, por oito votos a dois, que o pagamento do piso salarial é proporcional à carga horária de oito horas diárias e 44 horas semanais de trabalho, de modo que se a jornada for inferior o piso será reduzido.

Houve um consolo em meio à revolta da categoria, que estava mobilizada em greve para sensibilizar os ministros. Segundo Solange Caetano, presidente da Federação Nacional de Enfermagem (FNE), se tivesse prevalecido o voto do ministro Dias Toffoli teria sido pior ainda. 

Além reincorporar o que já descaracterizava a Lei do Piso Salarial da Enfermagem na proposta de Barroso, ele ainda propôs uma regionalização que favorecia a criação de pisos estaduais, que poderiam ser menores conforme a capacidade de arrecadação local. Solange também citou o fato de Toffoli igualar o piso à remuneração, o que permitia que se somassem gratificações para compor o valor mínimo.

“Como prevaleceu o voto do Barroso, foi ruim porque vinculou o piso à jornada de 44 horas, mas não diz que piso é remuneração, em que se pode somar gratificações para chegar ao valor”, ressaltou a sindicalista em entrevista ao Portal Vermelho.

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A vinculação do piso à jornada é muito ruim, na opinião dela, porque 44 horas não é compatível com a realidade da categoria. A medida nacional é de 36 a 38 horas, dependendo da região.

“Isso diminui o valor hora do profissional, quando ele for ter negociação coletiva. Isso vai ser um parto nas negociações coletivas, com certeza”, lamenta ela.

O Fórum Nacional da Enfermagem estuda agora a forma jurídica de ingressar com embargo de declaração para tentar esclarecer essa questão da jornada e, ao menos, reduzir para a realidade média praticada pela categoria.

“Agora, precisamos conversar ministro a ministro para tentar sensibilizar que este não foi o voto que a categoria esperava, nem merecia. Para tentar reverter no mérito”, diz ela.

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Risco da precarização

Existe a tendência de enfermeiro do setor privado estar ganhando menos que no serviço público, caso se utilize o argumento da jornada. Para Solange, isso causa o risco de sucateamento da profissão, porque são poucos os concursos públicos. “As contratações são feitas por meio de terceirizadas e organizações sociais, consórcios intermunicipais e fundações, que acabam jogando com valores iguais do setor privado”, explica ela.

No município onde só a prefeitura contrata e ela terceiriza, o trabalhador acaba aceitando o que se oferece. “Precisamos tomar cuidado para que esta história do piso, em vez de melhorar para os trabalhadores, acabe piorando. Isso vai ser trabalho longo de muita resistência dos trabalhadores e dos sindicatos”, alerta a enfermeira.

Se outro governo não priorizar o pagamento do piso, pode ocorrer do servidor público também receber menos que o piso. “Se os valores necessários forem maiores que os R$ 7,3 bi aprovados no orçamento do governo e não tiver uma recomposição do orçamento, por qualquer motivo, consequentemente, essas instituições vão pagar o que chegou”, analisa.

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Nenhum piso a mais

Barroso e Gilmar disseram também, no seu voto conjunto, que novos pisos nacionais que venham a ser aprovados serão considerados inconstitucionais.

A inconstitucionalidade progressiva proposta pelo ministro Barroso na medida cautelar, considera que qualquer projeto de lei de piso salarial proposto por outras categorias, para o STF, será considerado inconstitucional. No entendimento dele, a progressividade ocorre quando o piso de uma categoria afeta outras categorias correlatas, o que impacta todo o mercado de trabalho.

“O que é muito ruim, porque piso salarial está na Constituição e há um entendimento de que os deputados e senadores, e mesmo o governo, vão ter que sentar com o STF para debater. Não é possível que nenhuma categoria possa ingressar com um projeto de lei pensando em melhorar seu nível salarial”, critica Solange.

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Maturidade política

Neste momento, há trabalhadores em greve pressionando seus municípios a iniciar o pagamento e o governo federal fazer o repasse. “Agora, os trabalhadores estão muito mais revoltados do que estavam”, avisa. 

Em reunião com o Fórum Nacional da Enfermagem, a ministra da Saúde, Nísia Trindade disse que o sistema fica aberto até o dia 5 para atualização de dados de folha de pagamento dos municípios e estados. “Nossa expectativa é que até o dia 15 ou 20 esteja chegando o pagamento, após a publicação das portarias”.

Na opinião da sindicalista, a mobilização e greve geral ocorrida, desde a quinta-feira (29), foi boa porque demonstra que a categoria está amadurecendo politicamente, algo que não havia antigamente. “Agora, tivemos resposta de mobilização e greve em vários estados, e no caso do Ceará e do Espírito Santo ainda estão mobilizados”, diz ela. 

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No entanto, não houve o retorno esperado para a mobilização. “O STF simplesmente ignorou a tentativa de sensibilizá-lo com as mobilizações e votou como entendeu ser melhor. No entanto, a greve mostrou para o governo que os trabalhadores estão propensos a buscar o que é direito deles”, ressaltou.

Agora, a capacidade de mobilizações vai depender de como será encaminhada a questão do mérito do Piso Salarial. Solange diz que, agora, é o momento dos movimentos todos pararem para analisar o acórdão publicado ontem (3), como vai afetar os trabalhadores e reorganizar a questão da votação do mérito.

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