Conheça a argumentação da PGE para tornar Bolsonaro inelegível

Leia trechos do parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral que pedem a inelegibilidade de Bolsonaro e saiba como ele se defendeu.

Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE

No início do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que poderá tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível, quem o denuncia por abuso de poder é o PDT, mas quem reafirma a argumentação pela inelegibilidade do ex-presidente é a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE). 

O parecer da PGE que pede a condenação de Bolsonaro também foi lido na sessão de abertura do caso nesta quinta-feira (22). A PGE defendeu que o ex-presidente fique impedido de concorrer a qualquer cargo por oito anos. Em seu parecer, ela aponta os indícios e provas que confirmam a intencionalidade de Bolsonaro para tumultuar o processo eleitoral, restando à defesa contestar estes elementos.

Leia ao final do texto trechos do parecer da PGE que pedem a inelegibilidade de Bolsonaro.

O julgamento começou com o relator da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije), ministro Benedito Gonçalves, lendo o relatório do caso, uma espécie de resumo do processo. 

No documento, Gonçalves apresenta as alegações do autor da ação, o PDT, da defesa de Bolsonaro e do Ministério Público Eleitoral. Além disso, lista as provas que constam no processo e também cita uma avaliação inicial sua sobre o discurso do ex-presidente.

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Além do parecer da PGE, foi feita ainda a exposição dos argumentos da acusação e da defesa. Nenhum dos sete ministros registrou votos, etapa que ficou para a próxima semana.

O julgamento será retomado na terça (27) com o voto do relator. Em seguida, votam os ministros Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia (vice-presidente do TSE), Nunes Marques e, por último, Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal.

Acusação

O PDT pede que Bolsonaro seja considerado inelegível por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação devido à reunião realizada com embaixadores, no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado.

Na ocasião, Bolsonaro fez ataques sem provas ao sistema eleitoral. O PDT afirma que o então presidente criou um ambiente propício para a “propagação de toda sorte de desordem informacional”.

A legenda ressalta que, ao transmitir o discurso na TV Brasil e em redes sociais, Bolsonaro teve “expressivo alcance na difusão de informações falsas já reiteradamente desmentidas”.

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O advogado do PDT, Walber Agra, destacou que a ação não tem como foco apenas uma reunião, com evidente desvio de finalidade, de um presidente da República com embaixadores estrangeiros, no Palácio da Alvorada, no dia 18 de julho de 2022. “Trata-se de uma Aije contra ataques sistemáticos ao sistema eleitoral, em defesa das instituições e da democracia”, afirmou o representante do partido.

Defesa

Os advogados do ex-presidente alegaram que a reunião configurou “típico ato de governo” e que Bolsonaro apenas “enfatizou seu desejo por eleições limpas e pela correção de falhas”, de acordo com o relatório.

O advogado Tarcisio Vieira de Carvalho Neto reiterou que o então presidente da República estaria, na ocasião da reunião com os embaixadores, resguardado pela liberdade de expressão e que “a exposição de pontos de dúvidas à comunidade internacional, em evento público constante de agenda oficial de chefe de Estado soberano, foi no afã de aprimorar o processo de fiscalização e transparência do processo eleitoral”.

Ele também reafirmou que Bolsonaro abordou, de forma legítima, o debate com embaixadores sobre a confiabilidade do sistema eleitoral e que suas manifestações respeitaram os limites da liberdade de convicção pessoal. Segundo a defesa, não existem “provas contundentes do prejuízo ao processo eleitoral”, mas apenas “considerações vagas e imprecisas acerca da eventual gravidade do discurso apresentado aos embaixadores”.

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A defesa também pede que o candidato a vice na chapa, Walter Braga Netto, seja excluído da ação, pois não teve participação nos fatos investigados.

Ministério Público

O representante do Ministério Público Eleitoral (MPE), o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco, já havia apresentado uma manifestação escrita no processo, mas nesta abertura do julgamento apresentou o seu posicionamento como “fiscal da lei”. 

A Procuradoria-Geral Eleitoral defendeu que Bolsonaro seja considerado inelegível, alegando que o discurso “atacou as instituições eleitorais” e que isso contribuiu para “inquietar ânimos pessimistas com relação à legitimidade do pleito”.

Na avaliação da PGE, Bolsonaro deveria ser enquadrado nos crimes de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Gonet, porém, defendeu a absolvição do candidato a vice-presidente na chapa, o general Walter Braga Netto (PL), por não ter identificado sua participação na reunião com embaixadores, ocorrida em 2022, na qual Bolsonaro proferiu os ataques ao sistema eleitoral que motivaram a ação.

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Ao apresentar o parecer favorável ao pedido de inelegibilidade de Bolsonaro, Gonet afirmou que no caso da “Aije dos embaixadores” estão reunidos todos os elementos definidores do abuso de poder político — que tem como pena a impossibilidade de participar das eleições por oito anos.

“A desconexão do ato com algum propósito legítimo exibe o desvio de finalidade e os elementos do abuso e poder estão demonstrados. Um discurso que é apto por si a perturbar a tranquilidade institucional durante as eleições”, afirmou.

Segundo o MP Eleitoral, no pedido feito pelo PDT estão estampados todos os elementos que configuram abuso de poder político: a realização da reunião com embaixadores por um agente público, que era Bolsonaro, o desvio de finalidade da reunião, que serviu para atacar o sistema eleitoral, a busca de vantagem para situação eleitoral do candidato, que foi a propagação de um discurso de desconfiança contra o resultado do pleito e a gravidade da conduta para afetar a legitimidade do processo eleitoral.

Ainda segundo Gonet, levar em conta acontecimentos posteriores à reunião “não tem nada de revolucionário do ponto de vista processual”.

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“É sabido que o juiz pode levar em conta fatos supervenientes que possam interferir no mérito”, afirmou.

As provas

Além da própria reunião, uma das principais provas é a minuta que sugeria uma espécie de intervenção no TSE, encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres.

O PDT considera que a minuta era a “materialização da última fase de um plano milimetricamente traçado para derrubar o Estado Democrático de Direito”.

Os advogados de defesa afirmam, contudo, que o documento não pode ser considerado, “eis que não assinado, não apresenta identificação de que o produziu, não apresenta destinatário, bem como não identifica efetiva intenção e realidade/materialidade de seu conteúdo”.

Benedito Gonçalves determinou que a Casa Civil enviasse documentos sobre a participação de órgãos do governo na organização do evento.

O PDT considerou que a documentação apresentada demonstrou a atuação da própria Casa Civil, do gabinete pessoal da Presidência, do Ministério das Relações Exteriores e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

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Já a defesa afirmou que as informações mostraram que foi um “evento simples, verdadeiramente ‘franciscano’”, com um custo total de R$ 12,2 mil.

O relator

No relatório, Benedito Gonçalves cita uma decisão sua de março, em que ele havia feito uma avaliação prévia sobre o caso. Gonçalves apontou que Bolsonaro construiu um “arco narrativo alarmista”, que começaria com a alegação de que houve fraude nas eleições de 2018 e que poderia haver novamente em 2022.

O inteiro teor do relatório da Aije 0600814-85 já está disponível para consulta pública, no Portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), desde o dia 1º de junho.

Os trechos do parecer que pede Bolsonaro inelegível:

O discurso integrava um conjunto de assertivas que compõe o propósito de desacreditar a legitimidade do sistema de votação digital que será empregado nas eleições vindouras e que tem sido adotado desde 1996 […] (Divulgação) em período próximo das eleições, veiculando noções que já foram demonstradas como falsas, sem que o representado haja mencionado os desmentidos oficiais e as explicações dadas constantemente no passado.

Durante o período em que ocupou a Presidência, Bolsonaro por diversas vezes questionou a legitimidade das urnas eletrônicas e do processo eleitoral, apontando, entre outras afirmações falsas, uma suposta ausência de auditoria no processo. Ele repetiu essas alegações na reunião com embaixadores, realizada em 18 de julho de 2022, às vésperas do período eleitoral. O teor do material apresentado aos diplomatas é o principal pilar da ação movida pelo PDT.

O discurso a autoridades diplomáticas estrangeiras, que pretendia também alcançar autoridades brasileiras e que se voltava a impressionar, à toda evidência, a população em geral, culmina com avisos sobre a iminência de fraude, sempre associada ao voto digital, indicando que o sistema vigente estaria disposto para forjar resultado eleitoral favorável ao candidato do partido de esquerda, que desde sempre despontava como o seu principal oponente

Durante o encontro, Bolsonaro alegou que a contagem de votos seria feita por uma empresa terceirizada, e não pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e que não haveria forma de auditar a eleições no Brasil. No entanto, há uma série de possibilidades para checagem do processo, como a abertura do código-fonte a entidades fiscalizadoras, partidos políticos e quem mais se interessar em acompanhar.

Objetivamente, o discurso atacou as instituições eleitorais, e ao tempo que dava motivo para indisposição do eleitorado com o candidato adversário, que seria o beneficiário dos esquemas espúrios imaginados, atraía adesão à sua posição de candidato acossado pelas engrenagens obscuras do tipo de política a que ele seria estranho

O então presidente Jair Bolsonaro, ainda durante o encontro com embaixadores no Palácio da Alvorada, citou um inquérito da Polícia Federal que investiga um ataque hacker ocorrido em 2018. Contudo, o ex-presidente distorceu uma série de pontos da investigação, apontando que o invasor teria tido “acesso a tudo dentro do TSE” e que “eles poderiam alterar nomes de candidatos, tirar voto de um, transferir para outro” — acusações que não procedem.

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