Leia uma amostra da criação poética de Claudio Daniel, colaborador do Prosa, Poesia e Arte
Publicado 06/06/2023 09:42
O Prosa, Poesia e Arte (seção cultural do Portal Vermelho) apresenta quatro poemas de Claudio Daniel, um de nossos principais colaboradores. Poeta, escritor, tradutor e ensaísta, Claudio é formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, com mestrado e doutorado em Literatura Portuguesa pela USP, além de pós-doutorado em Teoria Literária pela UFMG. Confira abaixo algumas de suas criações poéticas.
MENOR, MAIOR
(para D. Pedro I)
coração
podre
do rei
menor
do país
maior
coração
podre
do herói
farsante
oligarca
obscuro
coração
podre
de quem
proclamou
o pacto
das elites
com seu
grito
operístico
obsceno
retórico
que o povo
não ouviu
coração-
imundície!
o país maior
não será livre
com gestos
encenados
de mímicos
com gritos
ou urros
de príncipes
milicos
condes
barões
ou ogres
do agro-
negócio:
joguem
fora
esse
coração
de merda!
operário
e camponês
farão
do país maior
pátria
soberana!
*
ÍBIS
estupor,
algo que cresce
por dentro
do punho
até as estrelas;
tinge o céu
noturno
de vermelho,
cor-
tumultuária
ou facho
de luz
com seu dialeto
açafrão,
com sua astúcia
de minério
e de flor.
música estranha
que invade
os ossos
e a pele,
se espraia
da nuca
aos tornozelos
de fogo-fátuo
ou íbis
totêmico,
amor amarelo
ou explosão
do sol.
*
JANELAS DE NINGUÉM
extinto estuque
e manchas de bolor;
vidro moído,
restos de arestas,
esqueletos
de estantes.
Nenhuma lua
amarela
Brilhando
sobre caixas
de papelão,
esferas de isopor
e resmas
de papeis
dispersos,
infinidade
de tocos de cigarro,
revistas velhas,
fios soltos,
emaranhados,
e uma dolorosa
solidão.
*
A MULHER QUE MATOU OS PEIXES
nada sabia das ilhas japonesas,
de suas cachoeiras, rios e cascatas;
nunca reparou na beleza ondulante
dos pequenos dragões vermelhos
brancos, amarelos, prateados
nem viu as “imagens do mundo flutuante”
pintadas em gravuras de madeira coloridas
nem as pipas em formato de peixe
hasteadas por meninos em dias festivos;
a mulher que matou os peixes
nada sabia sobre as antigas histórias
que as avós japonesas contavam aos netos:
que as carpas nadavam contra a correnteza
saltavam cascatas e até mesmo montanhas
para depositarem os seus ovos
e por isso dizia-se que eram dragões.
Não, a néscia nada sabia dessas histórias
e mesmo que soubesse, não faria diferença:
ela só queria roubar as pequenas moedas
jogadas por turistas no lago do Palácio.
2023
*