Plataformas digitais espionam cidadãos mais que governos, diz Chelsea Manning
Ex-militar presa em 2010 por revelar crimes dos Estados Unidos ao Wikileaks mostra que a regulação é um meio de se proteger das plataformas digitais.
Publicado 12/05/2023 16:43 | Editado 15/05/2023 13:09
A facilidade com que se espiona dados privados de cidadãos de todo o mundo, hoje, supera qualquer vigilância que governos faziam, até então. Foi a avaliação da ex-militar Chelsea Manning, à Folha de S. Paulo, durante o congresso de tecnologia Web Summit Rio. Ela afirma que os ataques do Google ao Projeto de Lei de combate às Fake News no Brasil demonstram o poder dessas empresas de tecnologia.
As plataformas digitais abusam de dados em massa da internet para construir esquemas de publicidade e manter os usuários nas redes sociais, segundo a ex-militar. “As corporações estão no topo da hierarquia de vigilância”, afirma. De acordo com a entrevista, há formas individuais de se proteger de vigilância, mas o abuso dos dados privados pelas mídias sociais é algo que só a regulação pelos países pode minimizar.
Chelsea diz que os governos também se beneficiam desses dados colhidos pelas Big Techs. “Os governos também podem se aproveitar dessas corporações para conseguir dados sem realizar uma busca diligente”, disse.
“Eles obtêm dados em massa, sugando esses dados da internet para usar dentro de seus termos e condições, construindo seus algoritmos ou ferramentas, esquemas de publicidade e para aumentar o tempo de visualização”, explicou.
Ativista digital
Chelsea, 35 anos, ficou conhecida por vazar segredos criminosos do Departamento de Defesa dos Estados Unidos ao Wikileaks. Ela foi presa em 2010 e depois condenada, em 2013, a 35 anos por traição pela atuação como informante do Wikileaks e ativista digital. O ex-presidente dos EUA Barack Obama suspendeu a pena em 2017, mas a Justiça norte-americana ordenou a prisão da ex-militar outra vez em 2019, quando ela se recusou a prestar depoimento contra Julian Assange, fundador do WikiLeaks. Desde 2020, ela está livre.
Consultora de segurança da Nym Technologies —um projeto que oferece navegação na internet de difícil rastreio—, Chelsea criticou o Google na disputa pela regulação das plataformas digitais no Brasil como propaganda disfarçada de conteúdo editorial.
As pessoas, de acordo com ela, precisam ceder à vigilância das grandes empresas de tecnologia, sob pena de serem excluídas da vida digital. “Esse é o sistema que construímos, liderado pelo Vale do Silício e seguido, agora, por corporações chinesas.
Como se proteger?
“Precisamos urgentemente de ferramentas para enfrentar o problema da coleta de dados por grandes empresas do Vale do Silício”, defende ela, que acredita que os mecanismos de segurança estão aumentando, e podem ser utilizados pelos usuários comuns. Na opinião dela, após a pandemia, as pessoas passaram a usar ferramentas como Zoom e outras de trabalho remoto acreditando que estão com a privacidade protegida. “Esta centralização nos obriga a renunciar às nossas informações, uma situação que precisamos evitar no futuro”.
A ferramenta Nym funciona como um VPN ou Tor, navegadores que não deixam rastros, protegendo conexões entre dois pontos na internet. Processos que protegem contra quem promove vigilância ao redor do globo e fornece uma camada adicional de segurança e proteção contra a censura. “Grandes empresas e governos podem promover devassas contra a privacidade, mas ferramentas como o Nym ajudam a manter a segurança, especialmente para aqueles que precisam de uma camada extra de proteção”.
Embora essa ferramenta reduza a velocidade de navegação, ela garante a reputação de quem navega, pondo em quarentena os mal-intencionados. Chelsea também sugere o uso de ferramentas como o Signal, onde você não precisa saber nada sobre criptografia para usá-lo, e incorporar a criptografia à infraestrutura da internet por padrão. “Dessa forma, não precisamos escolher”.
Pagando o uso com dados privados
Como várias formas de comunicação passaram a ser criptografadas, a coleta de dados acaba ocorrendo por meio dessas empresas a quem o próprio usuário entrega os dados, aceitando suas regras de privacidade. Esses dados não funcionam apenas como estatística, mas também como predição de comportamentos.
Ela compreende que o público está ciente, “mas sente que não tem escolha a não ser participar”. “Como pesquisadora de segurança com 20 anos de experiência, avalio que esse é um grande desafio”.
Inteligência Artificial e fake news
Chelsea também avalia que, muito rapidamente, vai ficar cada vez mais caro identificar informações verificáveis. “Ser capaz de verificar e autenticar sua informação é o que realmente lhe confere poder”, diz ela, sobre um momento em que é muito barato produzir desinformação.
“Como verificamos se o que estamos vendo é um vídeo real? Como sabemos que uma conversa é real com os vídeos falsos gerados por inteligência artificial. Não é preciso muito para convencer as pessoas, os seres humanos são muito ruins em discernir a realidade da ficção”, diz ela, apontando também os limites éticos ultrapassados pela Inteligência Artificial acessível a qualquer usuário.
Há muitos modelos de linguagem de IA, com possibilidade de utilização ética, mas ela acredita que o debate sobre o assunto não tem seguido um rumo seguro, há muitos anos.