Os EUA são o Grande Boss do mundo, a China só é membro da paz mundial
A China tem influência limitada na Ucrânia. EUA e a OTAN não devem ter expectativas irreais sobre o que podem fazer, nem ver os laços China-Rússia através das lentes da Ucrânia
Publicado 14/03/2023 15:19 | Editado 15/03/2023 11:18
Em 24 de fevereiro de 2023, a China publicou a posição do país em relação à solução política da crise na Ucrânia em um documento, listando 12 pontos para acabar com esse conflito armado pungente, incluindo a cessação das hostilidades, a retomada das negociações de paz, a resolução da crise humanitária e promover a reconstrução pós-conflito.
O principal diplomata do país, Wang Yi, chegou a Moscou com um plano de paz, que era parte de um esforço significativo de Pequim para evitar que a crise na Ucrânia se deteriorasse ou saísse do controle. E, no entanto, parece que as partes diretamente envolvidas na crise estão se preparando para uma guerra em larga escala. Altos funcionários da Ucrânia, dos EUA e da Otan disseram que a Rússia enviou dezenas de milhares de soldados em uma ofensiva de primavera, para invadir e capturar a região de Donbass e reverter sua atual situação desvantajosa.
Após vários meses de esquemas secretos, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez uma viagem incomum a Kiev, onde declarou sua determinação inabalável de apoiar a Ucrânia. Posteriormente, em um discurso de Varsóvia, ele disse: “A Ucrânia nunca será uma vitória para a Rússia – nunca”. A OTAN está mais unida do que nunca, declarou ele, acusando a Rússia de ter cometido crimes contra a humanidade.
O discurso de Biden em Varsóvia incorpora um forte significado simbólico. A Polônia é vista pelos países ocidentais como a vanguarda dos esforços para combater a Rússia. Ele afirmou firmemente que a Rússia deve ser “derrotada” e seus gastos militares respondem por 3% de seu PIB – mais do que a proporção de 2% de outros estados membros da OTAN.
Durante a Guerra Fria, em 1955, a União Soviética criou o Pacto de Varsóvia para contrabalançar a OTAN. O impasse entre os dois lados deixou muitas nações europeias, incluindo a Polônia, com memórias pungentes. O Pacto de Varsóvia desapareceu com a dissolução da União Soviética. Atualmente, Polônia, República Tcheca, Romênia, Lituânia, e outros países antes da esfera soviética, têm a Rússia como sua maior ameaça geopolítica. A crise na Ucrânia os empurrou ainda mais para o campo dominado pelos EUA, enquanto tentam reforçar o flanco oriental da OTAN.
Além do discurso preparado de Biden, os EUA têm aumentado sua assistência substantiva à Ucrânia, enviando continuamente um grande número de armas. Desde que o conflito Rússia-Ucrânia eclodiu em fevereiro de 2022, os EUA forneceram US$ 46 bilhões em apoio militar à Ucrânia, incluindo US$ 27,2 bilhões em assistência de segurança. O governo Biden fornecerá ainda cerca de US$ 10 bilhões a mais em apoio econômico nos próximos meses.
Os EUA promoveram a Iniciativa de Assistência à Segurança da Ucrânia e outros mecanismos que fornecem apoio militar maciço a Kiev. Antecipando a ofensiva da primavera deste ano, os EUA estão enviando mais armas pesadas – e novas armas – incluindo a bomba de pequeno diâmetro lançada do solo, que tem um alcance de 150 quilômetros e enfraquecerá ainda mais a presença militar russa e o suprimento de retaguarda.
O apoio militar à Ucrânia por parte dos estados europeus também está passando por mudanças fundamentais. Alemanha, Reino Unido, Itália e vários outros países concordaram em enviar sistemas de foguetes de lançamento múltiplo, um sistema de mísseis de defesa aérea, veículos blindados e tanques de guerra para a Ucrânia. Portanto, a guerra terrestre em grande escala, que ocorreu no continente europeu durante as duas guerras mundiais, provavelmente acontecerá novamente.
Segundo relatos, cerca de 10 mil soldados ucranianos receberam treinamento no Reino Unido desde o verão passado, enquanto o governo britânico anunciou que treinará mais 20 mil soldados de infantaria, tanques e artilharia este ano.
Tudo isso é apenas parte do plano de treinamento da OTAN para as tropas ucranianas. Estima-se que aproximadamente 60 mil soldados totais da Ucrânia foram ou serão treinados. Como as armas avançadas enviadas para a Ucrânia são de países diferentes, as tropas ucranianas precisam dominar habilidades militares mais complexas.
Não há dúvida de que a crise na Ucrânia não é mais uma luta entre a Rússia e a Ucrânia sozinhas. Os Estados membros da OTAN, liderados pelos Estados Unidos, avançaram para um conflito direto contra a Rússia, o que também aumentará o risco de um conflito nuclear. O presidente russo Vladimir Putin disse, em um discurso sobre o estado da nação na terça-feira, que o Ocidente está “usando a Ucrânia tanto como um aríete contra a Rússia quanto como um campo de treinamento”. Além disso, Putin acusou os Estados Unidos e outros membros da OTAN de acelerarem a expansão de bases militares e laboratórios bioquímicos perto da Rússia e de desenvolverem novos campos de batalha para suas futuras operações militares especiais.
A “operação militar especial” da Rússia na Ucrânia não parece ter ocorrido bem. A Rússia subestimou a vontade de resistência da Ucrânia e, enquanto isso, superestimou as divisões internas dos estados membros da OTAN. Embora Putin afirmasse que a “guerra econômica” travada pelo Ocidente não conseguiria derrotar a Rússia, é difícil para Moscou se envolver em uma guerra prolongada de atrito.
A Rússia pode estar esperando ganhar algumas moedas de troca para uma negociação política final com sua ofensiva de primavera. De acordo com um relatório da politica estrangeira, a Rússia já possui 1.800 tanques, 3.950 veículos blindados, 2.700 sistemas de artilharia, 810 sistemas de lançamento múltiplo de foguetes da era soviética, 400 caças a jato e 300 helicópteros prontos para a nova onda de ataques.
Além disso, o país ampliou seus investimentos militares, aumentou a capacidade de suas empresas militares-industriais e reorganizou seu comando militar. Se a Rússia não conseguir avanços militares nos próximos meses, enfrentará uma situação mais difícil. A essa altura, teria que se preparar para mais ataques em seu próprio território.
Não é difícil ver que o ponto de virada, para a solução pacífica da crise na Ucrânia, não está próximo, e todas as partes envolvidas estão prontas para fazer uma aposta para ganhar vantagem no campo de batalha. Sob tais circunstâncias, é irreal esperar que a China possa trazer uma calmaria para a guerra.
Infelizmente, os EUA e outros membros da OTAN estão tentando concentrar a atenção internacional na China. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e o chefe da OTAN, Jens Stoltenberg, insinuaram que a China pretende fornecer suprimentos militares à Rússia. O governo Biden acaba de adicionar entidades chinesas a uma nova lista negra comercial por supostamente apoiar a Rússia. Os EUA alegaram que peças, chips, e outros equipamentos que a China exporta para a Rússia, têm valor militar.
Em poucas palavras, a crise da Ucrânia está adicionando peso à diplomacia da China. O jogo trilateral da China, dos EUA e da Rússia – adicionado à China, EUA e Europa – está ficando mais complicado. É necessário fazer todos os preparativos para evitar que esse conflito geopolítico se alastre ainda mais contra a China.
A China tem apenas uma influência limitada na crise da Ucrânia. Os EUA e a OTAN não devem ter expectativas irrealistas sobre o que podem fazer, nem devem ver os laços China-Rússia através das lentes da Ucrânia. De qualquer forma, impedir que a crise se transforme em um confronto global – para evitar que a sociedade humana caia em uma terceira guerra mundial e em um conflito nuclear – é do interesse de todos. Quero dizer, enfim, que os EUA são o Grande Boss do mundo. A China é só membro da paz mundial.