Mãe, olha os homens
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Publicado 01/12/2022 15:41 | Editado 01/12/2022 15:43

A porta tem as marcas do coturno. Eram cinco horas da tarde. A senhorinha fazia chá preto e não aguardava intrusos. Tinha visto o filho há cinco minutos fazendo com as mãos o sinal do coração e soprando um beijo.
O filho preto, de sonhos miúdos, já era pai, trabalhava de ajudante de pedreiro, quando era possível. Estudou pouco, na escola sempre o ensinaram a apertar parafusos e se contentar com sobras. Quando sobrava sossego, uma raridade, dormia.
A senhorinha tremeu, gritou, chorou. O filho preto, estendido no sofá, jorrava chá vermelho da sua boca que soprava beijo.
Da boca que soprava beijo até porta, o piso de cimento queimado estampava as marcas dos sapatos grandes. Um jarro de gesso espedaçado se misturava a um baralho velho e as flores coloridas de areia prateada.
Sozinha, aquela senhorinha se misturava ao sangue e tentava recompor nas mãos do filho o sinal do coração.