Lula tem preferência entre espíritas, que lançam manifesto contra reeleição de Bolsonaro
Candidato da coligação Brasil da Esperança tem o dobro de votos entre religiosos kardecistas. Manifesto já reúne 1.630 signatários.
Publicado 17/09/2022 10:57 | Editado 17/09/2022 13:38
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o candidato a presidente preferido pela maioria dos eleitores que se declaram católicos (54%) e espíritas (51%), de acordo com levantamentos de institutos de pesquisa de intenção de voto, como Ipec. Jair Bolsonaro (PL) lidera entre evangélicos, com 48% da preferência desse grupo, contra 31% de Lula, que vem aumentando gradualmente, conforme a campanha se aproxima mais desse eleitorado.
Noutro levantamento PoderData recente, o panorama é parecido entre os espíritas/kardecistas: Lula tem 54% e Bolsonaro, 24%. Do total de entrevistados, 53% disseram ser católicos, enquanto 25% se declararam evangélicos e menos de 3%, espíritas.
Espiritismo progressista
Agora, setores dessa comunidade religiosa, com predominância nas classes médias urbanas, lançaram um manifesto contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). O documento traz uma lista de motivos pelos quais Bolsonaro não deveria ser reeleito, por não estar alinhado com os princípios cristãos que norteiam a doutrina kardecista.
O Coletivo Espiritas à Esquerda Espíritas à Esquerda, a Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e a Ágora Espírita divulgaram o abaixo-assinado. Até a conclusão desta matéria, 1.630 pessoas haviam assinado o manifesto. O movimento – presente virtualmente em 17 estados brasileiros e em Portugal – tem posições críticas ao meio espírita conservador, liderado no Brasil por Divaldo Franco.
Médium de direita
O presidente Jair Bolsonaro (PL) visitou, no início de julho, a Mansão do Caminho acompanhado de Divaldo Franco, líder espírita que fundou a instituição em 1952, e que recebeu uma Insígnia da Ordem do Rio Branco em reconhecimento pelo trabalho social que tem desenvolvido.
Em diferentes ocasiões, Divaldo Franco já havia demonstrado apoio a Jair Bolsonaro, chegando a receber o apelido de “médium de direita”. “O atual presidente representava uma esperança, apesar de eu não aprovar seus discursos a favor da tortura”, afirmou ele, em 2019, em entrevista à revista Veja.
Na época, Dora Incontri, coordenadora da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita, chegou a se pronunciar sobre o posicionamento político de Divaldo, negando suposições de que ele representaria a doutrina. “Ele influencia muita gente e, como se porta como líder, parece que toda a nossa comunidade segue o seu pensamento, o que não é verdade”, criticou ela.
Édney Mesquita, professor de história e psicanalista espírita, criticou Divaldo, por tirar foto ao lado de um candidato que ele considera “representante das trevas”, porque a influência do médium angaria votos para ele.
O escritor espírita Marcelo Teixeira foi um dos que se manifestaram espantados ao ver um de seus líderes mais populares de braços dados com Bolsonaro. “Eu e muitos outros companheiros de doutrina espírita jamais aceitaríamos algo semelhante vindo de um presidente que desrespeita a vida com declarações escancaradamente machistas, homofóbicas, racistas e misóginas”, afirmou.
Segundo Teixeira, no espiritismo existe a consciência de que as pessoas são espíritos imortais presos temporariamente a um corpo material que reencarnam quantas vezes forem necessárias para encerrar determinadas pendências e auxiliar no progresso da humanidade e do planeta. “Isso significa que devemos lutar para sermos pessoas melhores, bem como participativos no que tange à construção de uma sociedade na qual haja trabalho, saúde, educação, moradia e salários dignos para todos”, explica ele.
Teixeira afirma que Divaldo Franco seria fruto de uma construção social que contribui para que a classe média que compõe o movimento espírita continue “inculta, reacionária, ranzinza, hipócrita, moralista, temerosa do comunismo e avessa ao progresso social, já que este implica na ascensão das classes que adoramos manter subalternas para limpar nosso chão, recolher nosso lixo, fazer nossa comida e lavar nosso banheiro”.
“A meu ver, de nada adianta ficarmos maravilhados com as minudências do além-túmulo que os livros espíritas evidenciam se, na vida civil, repetimos, com o nosso voto e a nossa mentalidade, comportamentos sociais escravagistas, opressores e injustos”, completa.
Religião define voto
Estudo de pesquisadores do Insper, feito em maio, mostrava que religião explica mais de 1/3 dos votos em Lula e Bolsonaro. Outros fatores como gênero, raça, renda e escolaridade eram menos determinantes, podendo se dividir entre as candidaturas. Já um não-evangélico tinha 16,9 pontos percentuais a mais de possibilidade de votar em Lula do que um evangélico.
Neste caso, ser evangélico era determinante para votar em Bolsonaro, naquele período de pré-campanha. Sozinha, a religião explicava até 40% da intenção de voto em Lula e um terço do voto em Bolsonaro. Conforme a campanha avançou, com investimento bolsonarista de pânico moral entre os evangélicos, e aproximação e diálogo maior da campanha de Lula entre este segmento, os números passaram a oscilar. A agressividade de Bolsonaro ao pedir voto em igrejas gerou rejeição em alguns segmentos, favorecendo a entrada de Lula.
Leia os motivos que o manifesto aponta para que espíritas não devam votar em Bolsonaro:
a) o espiritismo possui caráter essencialmente progressista, conforme textos de Kardec, como se lê, por exemplo, em “A gênese”, nos itens 10, cap. IV; 56, cap. XVII; e 24, 25, 28 e 30, cap. XVIII. E esse caráter progressista, colocado como lei no cap. VIII da parte III de “O livro dos espíritos” (LE), está ligado ao respeito e ao fomento das ciências, incluindo as ciências sociais, a à educação como base de nossas relações;
b) que “numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo ninguém deve morrer de fome”, como afirma a resposta à questão 930 de “O livro dos espíritos”, mostrando-nos que a justiça social é parte indissociável das propostas espíritas, pois “Deus fez o homem para viver em sociedade” (LE766) e que “todos devem concorrer para o progresso, ajudando-se mutuamente” (LE767).
c) que o primeiro de todos os direitos naturais é o de viver, como nos diz a resposta à questão 880 de “O livro dos espíritos”, e que tal direito é oposto à disseminação de armas e à falta de cuidados com a saúde da população;
d) que o compromisso com a vida se estende necessariamente aos seres que compartilham conosco o planeta que nos acolhe, sendo, portanto, essenciais o cuidado e a manutenção de todos os biomas naturais para a preservação da fauna e da flora;
e) que o espírito imortal não tem sexo, gênero, etnia ou nacionalidade e que, portanto, torna-se premente a superação da discriminação social que aflige grande parte da população, como o racismo, a LGBTfobia, o machismo, o capacitismo e todas as demais formas de discriminação e preconceito;
f) que a “justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais” (LE875) e que “o forte deve trabalhar para o fraco. […] É a lei de caridade” (LE685), não sendo possível, portanto, pactuar com a contínua e opressiva cassação de direitos básicos de trabalhadoras e trabalhadores; e
g) que, como a laicidade do estado é um pilar das sociedades contemporâneas, as pautas sociais discutidas nos parlamentos e na própria sociedade devem-se pautar exclusivamente pela ciência e pelo interesse social, excluindo-se quaisquer interferências de credo nesse debate.
Diante dessas premissas fundamentais do espiritismo e do fato de o atual presidente não se alinhar a NENHUM desses princípios, entendemos que o avanço da sociedade brasileira só será possível mediante a superação desse trágico momento social em que vivemos no Brasil e que isso passa necessariamente pela NÃO reeleição desse grupo ora no poder, pois o amor ao próximo e a justiça social estão justamente no seu lado oposto.”