Machismo, racismo e educação

Educar contra o machismo, contra o racismo e todo e qualquer tipo de preconceito é educar nas contradições da luta de classes, é formar cidadãos conscientes do seu papel transformador na sociedade

Para começar este texto é preciso, antes de mais nada, dizer que ele é somente um desabafo. Embora seja mulher e negra, nunca me debrucei a fundo nessas questões. Tenho camaradas muito gabaritas nas tais, que me servem de guia.

Mas semana passada passei por uma situação inusitada: um ato de racismo e machismo. Me envolvi em um pequeno acidente de trânsito, no qual eu tinha responsabilidade (não gosto da palavra culpa). Saí do carro pronta a me desculpar e arcar com qualquer dano. A outra mulher negra, também muito nervosa, só gritava, e a primeira coisa que disse ao sair do carro foi: “Tinha que ser mulher”. Mesmo eu pedindo calma, ela continuou: “Mulher e preta não sei porque tem carro, vá aprender a dirigir”.

Fiquei completamente atônita. Chorei, tive raiva, ódio, tudo ao mesmo tempo. Passado algum tempo, volto eu aqui para a minha Seara, a educação, e me pergunto: uma educação antimachista e antirracista resolveria o problema? O que seria uma educação antimachista e antirracista? Volto a repetir, isso é muito mais um desabafo e um convite a uma reflexão do que a defesa de uma opinião.

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“Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina sua consciência”. E ainda, essa consciência se faz sob condições historicamente determinadas. Marx continua em outro texto, “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”(MARX, 1997, p. 21).

Digo isto porque não entendo o racismo e o machismo como uma mera concepção individual, a concepção estrutural vai além dos atos individuais. O racismo e o machismo são reproduzidos como fenômenos estruturais. Não estou querendo dessa forma “passar um pano” para a senhora que me ofendeu. Quero mesmo pensar em como relacionar isso com a nossa educação.

A escola e a educação formal não fogem à regra de estar sob o hegemonismo de uma determinada classe dominante, a burguesia que existe de mais atrasada no nosso país. Ao analisar currículos, programas governamentais, projetos (antes de Bolsonaro), já enxergávamos ações antirracistas e machistas, porém todas elas tratadas de formas autônomas não historicizadas e desconectadas da totalidade social.

Claro que não podemos esperar a revolução para educarmos nossos meninos e meninas a serem seres emancipados e livres de preconceitos, “sem as lutas identitárias que combatam formas de opressão e de desigualdade social não há emancipação humana possível… mas as lutas de classes e as lutas anticapitalistas devem caminhar juntas mancomunadas com as lutas antiopressivas particulares (ditas identitárias)” (MONTANO, 2021 P. 93).

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Repito um mantra todos os dias ao ir trabalhar: a escola é o espaço das contradições e é sob elas que vou trabalhar.

Educar contra o machismo, contra o racismo e todo e qualquer tipo de preconceito é educar nas contradições da luta de classes, é formar cidadãos conscientes do seu papel transformador na sociedade. É preciso, claro, mostrar e valorizar para o negro, o branco, a mulher, o homem, o hetero e o gay a sua identidade, mas antes de tudo é necessário ensinar-lhe a sua condição de classe, fazê-lo enxergar a diferença de classe em si para si. Para isso a escola precisa ensinar, transmitir conhecimento. Vivemos não uma crise de ensino pedagógico, mas uma crise cultural, transformando os homens em seres vazios que só conseguem pensar e agir dentro de estereótipos da pós-modernidade. Por isso o objetivo deve ser transmitir “conhecimento, que tendo sido produzidos pelos seres humanos concretos em momentos históricos específicos alcançaram validade universal e, dessa forma, tornam-se mediadores indispensáveis na compreensão da realidade” (DUARTE, p. 25). Por isso o papel da educação formal e do professor é prover homens e mulheres dos meios necessários para que não apenas assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas aprendam o processo de sua produção bem como as tendências de sua transformação (SAVIANI, 1997 P.14).

O real não é o cotidiano, é o processo histórico. Aquela mulher é fruto de um processo histórico que estamos dispostos a transformar. Nosso compromisso é com a construção de uma nova sociedade, e para efetivação desse compromisso a educação é estratégica para a formação do novo ser humano, menos alienado.

Por fim, gostaria de deixar claro que não existe contradição entre as pautas identitárias e a luta de classes. Essas são lutas que se complementam, a luta revolucionária não pode prescindir das lutas antiopressivas, e a escola/educação não deve se furtar a isto. Mas mesmo sendo um chavão vou repeti-lo aqui: não transformemos a escola no palco para a solução de todas as mazelas da sociedade.

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