Moradores de BH protestam contra volta da mineração na Serra do Curral

Órgão do governo de Minas vai decidir hoje se autoriza a extração de minério de ferro na Zona Leste da capital mineira

Passeata em Belo Horizonte contra a volta da mineração na Serra do Curral - Foto de Aloísio Morais

Centenas de moradores e ambientalistas participaram hoje de uma passeata contra a volta da exploração de minério de ferro na Serra do Curral, que separa Belo Horizonte da vizinha cidade de Nova Lima. Os manifestantes saíram da Praça Raul Soares às 18h e seguiram até as praças 7 e da Estação, no centro da capital mineira.

Nesta sexta-feira, dia 29, a partir das 8h, será realizada a reunião virtual em que a Câmara de Atividades Minerárias do governo mineiro pretende autorizar a destruição de grande parte da Serra Curral pela Taquaril Mineração S.A. (TAMISA), com grandes buracos a 150 metros do Pico Belo Horizonte.

O Pico é o símbolo e o ponto mais alto da cidade e está estampado na bandeira e no brasão do município. Por estar ao lado de bairros como o Taquaril, Serra e Mangabeiras, a TAMISA prejudicará seriamente a saúde da população com sua poeira, tráfego intenso de caminhões e constantes explosões de dinamite. Além disso, está localizada no coração de uma das últimas regiões de mata atlântica ainda preservada na região metropolitana da capital, ao lado do Parque e do Hospital da Baleia, Parque das Mangabeiras e a menos de 5 km do centro de Belo Horizonte.

Um estudo ambiental identificou 86 espécies endêmicas de animais e plantas na região, ou seja, que não existem em nenhum outro lugar do mundo, só lá. O local é habitat de pelo menos 39 espécies de animais e plantas ameaçadas de extinção, como a jaguatirica, lobo guará, bromélias, orquídeas, arnica e outras plantas com propriedades medicinais.

A mineradora pretende construir três gigantescas bacias de sedimento acima da adutora da Companhia de Saneamento de MG (COPASA) que fornece a maior parte da água de Belo Horizonte e 40% da água da região metropolitana. A Serra do Curral está em fase final de tombamento em nível estadual, que, se aprovado, inviabiliza a mineração em sua área. Mas o governo de Minas está travando o julgamento do processo.

Concentração na Praça Raul Soares para a passeata de protesto – Foto de Aloísio Morais

Confira, a seguir, o texto do jornalista e ambientalista Gustavo T, Gazzinelli sobre o histórico das ameaças à integridade da Serra do Curral, que já teve boa parte de sua estrutura comida pelas Minerações Brasileiras Reunidas e Vale S/A na exploração do minério de ferro.

“A área minerada na base do pico fica no município de Belo Horizonte. Foi explorada no passado pela Empabra e a Emitaq – atividade embargada, como outras de mineração em BH, na gestão do prefeito Eduardo Azeredo e do secretário de Meio Ambiente Maurício Andrés Ribeiro. Depois disso houve a tentativa de transformar essa terra arrasada em um loteamento que “recuperaria” a área atingida pela mineração.

Era um loteamento proposto com lotes de 500 m². Nesta ocasião, no final dos anos 1990, a serra do Curral já estava tombada pelo município de Belo Horizonte. E a Área de Diretrizes Especiais (ADE) da Serra do Curral, parte do Plano Diretor de BH, não permitia parcelamento do solo em parte dessa área e, na parte permitida, determinava que os lotes tivessem no mínimo 2500 m² – na realidade 10 mil m², subdivididos em até 4 lotes.

O loteamento tomou bomba no Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de BH.Depois disso, a gestão do prefeito Fernando Pimentel publicou uma reforma administrativa em que criava cinco super-secretarias, às quais se subordinariam as secretarias setoriais, como as de Meio Ambiente e da Cultura. Tirou com isso a autonomia de secretários mais afinados com as questões ambientais e patrimoniais. E transformou os super-secretários em presidentes dos conselhos municipais do Meio Ambiente (Comam) e Deliberativo do Patrimônio Cultural (CDPCM). Paulo Maciel era secretário de Meio Ambiente, nomeado por Célio de Castro, e passou a ser subordinado a Murilo Valadares, o supersecretário da área de Pimentel. Mas tão grave quanto – Pimentel fez nesta reforma administrativa uma mudança na indicação dos representantes da sociedade civil no Comam e no CDPCM.

Os nomes da sociedade civil passariam pela indicação dele, prefeito. Os governadores Anastasia e Pimentel, e Zema na sequência, determinaram que os dirigentes das secretarias que compunham os conselhos seriam os membros titulares dos conselhos de Meio Ambiente e de Recursos Hidricos do Estado – assim mostrando que estas áreas não deveriam ter menor autonomia técnica na análise do mérito de assuntos ou projetos que, por conveniências políticas e outros tipos de acordos, seriam ajustados e orientados nas negociações palacianas. Assim segue o baile.Atualmente, está em discussão uma proposta de Regimento do Conselho Estadual de Recursos Hídricos em que a secretária de Meio Ambiente Marília Carvalho Melo (e os que a sucederem) passarão a exercer a triagem dos conselheiros da “sociedade civil”. Definindo-os a partir de listas tríplices e currículos que a metodologia do mandonismo vier julgar a mais procedente para evitar a rebeldia e o pensamento crítico. Essa é a democracia participativa imposta por governos e personagens autocratas à sociedade mineira e belo-horizontina.

A PROPOSTA DE MINERAR O PICO BELO HORIZONTE E A DERIVAÇÃO MAIS MONUMENTAL DA SERRA DO CURRAL NA REGIÃO DO TAQUARIL

A área já destruída pela mineração na Serra do Curral, conforme foto de Arthur Nicolato

A foto aqui publicada mostra a área degradada pelas empresas Empabra e Emitaq na chamada fazenda Corumi (região do Taquaril) – objeto de um acordo de recuperação ambiental feito com a Prefeitura de Belo Horizonte e o Ministério Público de Minas Gerais. A parte degradada está toda em BH. No limite superior e à esquerda da área degradada está a divisa dos municípios de Belo Horizonte e Nova Lima. É aí que pretende entrar o projeto da Taquaril Mineração S.A. (Tamisa, de propriedade da construtora Cowan, da mineradora AVG e de um grupo de investidores coreanos – pelo menos na época da constituição da empresa).

Para recuperar a área atingida em BH foi permitido que a mineradora Empabra explorasse os minérios, a título de formação de taludes e estabilização geotécnica do terreno a ser recuperado. Uma CPI liderada pelo vereador Gilson Reis (PCdoB), na legislatura passada da Câmara Municipal de BH, descobriu que a Empabra havia tirado muito mais minério do que o que estava acertado no acordo.Hoje, esse processo vem sendo bem acompanhado e fiscalizado pelos mandatos das vereadoras Bella Gonçalves (PSOL) e Duda Salabert (PDT), e pelos das deputadas federal Áurea Carolina (PSOL) e estadual Beatriz Cerqueira (PT).

Pela sociedade civil temos o papel relevante de vários grupos organizados. Destaco o projeto Manuelzão, coordenado pelo professor Marcus Polignano, o Movimento ‘Sabará, eu rejeito barragens’, coordenado pelos amigos Renato Matarelli, Magda Bonfim e Mauro Fogli, um grupo de moradores da região do Taquaril, como o Arthur Nicolato e o Euler Cruz, este também do Fórum Permanente São Francisco, junto com amigas e amigos valorosos que têm defendido como podem a serra do Curral, especialmente nesta região. Somam-se a eles em diferentes momentos os amigos do ‘Movimento contra a Barragem – Raposos’ e da Ecoavis, grande defensora da criação do Parque Lagoa Seca ou Acaba Mundo, em área também impactada pela mineração na Serra do Curral, entre os bairros Belvedere, Sion, Comiteco e a Vila Acaba Mundo. Quase tod@s aqui reunidos no ‘Gabinete de Crise da Sociedade Civil – plataforma de informação e justiça socioambiental’.

TOMBAMENTO ESTADUAL

Um esforço enorme está sendo feito para garantir que nenhuma licença seja concedida antes de aprovado o tombamento estadual da Serra do Curral – que já tem processo administrativo próprio e um dossiê pronto há mais de ano – e que, portanto, já possui o caráter de tombamento provisório. Recentemente a secretária de Meio Ambiente estendeu o mandato dos conselheiros de comitês de bacias por mais um ano, e agora sua secretaria alega que o mandato dos conselheiros do Patrimônio Cultural do Estado venceu, e eles, que majoritariamente posicionam-se favoráveis ao tombamento estadual de acordo com o Dossiê do Iepha, não seriam mais conselheiros. Isto, inclusive, porque o Estado chefiado por Zema fez questão de empurrar esse tombamento pra frente, e com improbidade e negligência, tem deixado de cumprir sua obrigação, para, ao que parece, a mineradora Tamisa começar a impactar essa área e criar um fato consumado para atingir o objeto do tombamento.

Além disso, cabe lembrar, a Tamisa quer fazer uma hipotética ‘Fase 1’ para descaracterizar o ordenamento ambiental e minerar uma cava (Cava Norte) na contiguidade da área minerada retratada na foto, mas do outro lado da divisa com Nova Lima, cidade cujos prefeitos são capachos históricos da mineração. Com isso, a recuperação que a Empabra tem obrigação de fazer na área destruída em Belo Horizonte, será transformada numa provável área operacional da Tamisa e sofrendo os impactos diretos da operação nas suas bordas. Ou seja, será criado o álibi para que a área degradada na base do Pico Belo Horizonte nunca seja recuperada, pelo menos, nos próximos 50 ou 100 anos. Se a falta de caráter desse governo é indiscutível, a pergunta que não quer calar é porque Alexandre Kalil não tomou uma atitude mais firme para impedir essa picaretagem estadual. Ao também amigo Mário Werneck, secretário de Meio Ambiente de BH, venho respeitosamente perguntar o que será feito para impedir essa mineração numa área cara ao patrimônio cultural e natural de nossa capital.”

Autor