Quem são os jovens comunistas portugueses?
Alguns entraram com 13 anos, uns por influência da família, outros pelos amigos, e há também os que se inscreveram pela ausência das outras juventudes partidárias. Todos acreditam na “luta”. Será o próximo líder do partido um ex-JCP?
Publicado 13/12/2021 18:36 | Editado 13/12/2021 22:49
Maria Santos inscreveu-se na JCP quando tinha 13 anos, sentia-se “identificada e pronta”; Pedro Rodrigues tinha 16 anos, ainda se lembra do dia exato e não recusa a influência da irmã e do pai; Beatriz Marvão “fez-se” militante com 15 anos, na Festa do Avante, e só tem menos três anos de militância que o pai; Carmen Granja, a “comuna” como o pai ainda hoje lhe chama, “entrou” com 16 anos durante “um furo” nas aulas levada por amigos; Inês Rodrigues que é de Guimarães inscreveu-se, também aos 16 anos, durante “a primeira ligação à JCP”, no congresso de Setúbal, em 2017.
O que os fez entrar na juventude comunista? Maria Santos, que vive no Barreiro, não sente que a simpatia política dos pais – “penso que o meu pai nem sequer é militante” – ou dos avós tenha sido decisiva. “Quase nula, nunca me quiseram influenciar em escolha nenhuma. Se alguma vez quisesse entrar, entrava. Mas tinham a vida política deles à parte da minha”. O que a motivou, garante, foi “o contacto na escola, dos panfletos e distribuições que eles [JCP] faziam. Eram ideias com as quais eu concordava, eram pessoas muito abertas, muito disponíveis, independentemente do quão estúpida fosse a pergunta. Quando percebi o que defendiam e comecei a explorar isso fiquei curiosa. E achei: primeiro vou a um debate, ver como é que funciona, se é bem assim ou se é assado. E fui… sentia-me mais identificada. E então, achei que queria ser mais do que alguém que só ia a debates”. Maria Santos tem agora 16 anos, está no 11.º ano, é membro da comissão regional de Setúbal, da direção nacional e da coordenadora nacional do ensino secundário (CNES).
Carmen Granja, alentejana dos Canaviais (Évora), diz que “nem avós nem pais eram do PCP, sempre foram bastante apartidários. A minha família, pelo menos a do meu pai, sempre foi mais PS até à altura em que votaram. Quando me inscrevi fiquei a saber que já não votavam há bastante tempo”. A influência chegou através dos amigos da secundária “que iam muito à festa do Avante”. “Foi nessa altura que comecei a ler coisas de [Karl] Marx e [Friedrich] Engels, a aproximar-me muito deles. Ali, o Partido Comunista era muito próximo nas ruas, nas escolas, tudo o que víamos era CDU, era PCP. E aquilo começou a fazer-me sentido. Nessa altura, porém, não militei muito na JCP, mas fiquei logo ligada. Só tive tarefas, mais a fundo, quando fiquei a substituir na JCP uma camarada que tinha subido a deputada. E, em 2013, quando fui candidata à minha freguesia… era a número 4 da lista. Na altura da inscrição, com 16 anos, a minha mãe não levou a coisa a sério, o meu pai riu-se. Só perceberam que era a sério quando aceitei ser candidata”, lembra. Carmen Granja, tem agora 30 anos, é produtora de teatro, faz parte do sector intelectual (em Lisboa), é membro do Movimento Democrático de Mulheres e participa no Manifesto em Defesa da Cultura.
Inês Rodrigues considera que o “algum ativismo sindical” do pai, “operário metalúrgico e militante do partido”, “teve influência” na sua “perspetiva de ver o mundo”. Mas somente por aí, porque nem os avós, em Guimarães, que eram trabalhadores agrícolas, ou o outro avô, trabalhador do têxtil (tal como a mãe de Inês), eram militantes. Foi na escola “pelas distribuições que iam fazer na minha secundária” que se aproximou do partido. “A dada altura chegou-me um documento da JCP a divulgar o 11.º Congresso, em 2017, em Setúbal, estava eu no 11º ano. Pensei: “isto faz muito sentido, estou a gostar do que estou a ler, vou pedir para ir ao Congresso”. E fui… foi assim a primeira ligação à JCP. Na altura comecei a participar, criámos um coletivo de jovens comunistas na minha escola. A primeira reunião, lembro-me que foi no café, mesmo à porta da escola, com a malta da minha turma, que não era da JCP, mas que achava justo aquilo que eu dizia. Na altura, lembro-me que as nossas maiores reivindicações, e aquilo que puxou a malta para luta, naquela altura, foi não haver papel higiénico na casa de banho”. O papel higiénico apareceu? “Apareceu. Não sei se estava diretamente ligado à luta, mas foi uma conquista. As minhas primeiras reuniões do coletivo eram lá à frente do café da escola, e não era a discutir Marx… era a discutir os problemas da minha escola”. Inês Rodrigues, agora com 20 anos, estudante na Universidade do Minho, que faz parte da direção nacional, da comissão política e do secretariado, faz a “ligação às organizações regionais de Vila Real e Bragança, as do secundário”.
Beatriz Marvão, de Lisboa, cresceu a ouvir as histórias dos avós e a ir, desde sempre, com o pai (que só é militante há cinco anos) à festa do Avante. Mas, o fascínio vem de “todas as histórias e convicções” do avô, José Marvão, e da avó, Maria do Rosário. “A minha avó já não está viva, mas o meu avô está. Eles pertenciam à clandestinidade, tinham aquelas coisas, as reuniões, as palavras-passe… e eu ficava muito fascinada porque eles me davam a entender que, naquele dia, se algo tivesse corrido mal eles podiam ter sido mortos. Fizeram tudo em nome da liberdade e daquilo que somos hoje, do que eu posso ser hoje. Os meus avós tinham histórias de coragem, da luta, da resistência. O meu pai, para mim, era, e é, a parte mais intelectual. Os meus avós lutaram pelos que vêm a seguir, que no caso sou eu, a neta, que está aqui para levar avante todas essas lutas. Eles respondiam-me com vivências sempre que ia esclarecer dúvidas. E isso é que me puxava mais, isto existe, isto é o que tem de ser combatido e é aí que eu vou estar”. Beatriz Marvão, 17 anos, está no 12.º ano, é membro da direção nacional, da comissão regional de Lisboa, da CNES e do coletivo do Agit, o jornal da juventude comunista.
Pedro Rodrigues, irmão mais novo de Inês, só despertou para a realidade política no 10.º ano, na escola. “Via, de vez em quando, umas pessoas à porta a distribuir uns folhetos. Cheguei e li um. Era da JCP. Sabia que a minha irmã andava na JCP, mas nunca fui assim muito por isso, mas é claro que sendo o meu pai dirigente sindical e do partido, há muitos anos, e a minha irmã sendo da JCP, é claro que tem influência porque vai-se sempre falando de algumas coisas”. Mas, assegura, não foi por causa da irmã nem do pai que decidiu inscrever-se: “Foi uma decisão autónoma, tinha lido os princípios orgânicos da JCP, li um bocado sobre aquilo, a cena do programa, todos os folhetos que entregavam na escola, as reivindicações dos estudantes”. Pedro Rodrigues, agora com 18 anos, estudante na Universidade da Beira Interior, é militante do coletivo na Covilhã e membro da organização regional de Castelo Branco.
Quem influencia quem?
A influência de amigos e familiares é traço comum em todos, mas também a ausência das outras juventudes partidárias “no ensino básico e secundário. “Este era o partido que estava sempre lá e que conhecia os problemas na minha escola e as realidades das escolas, de todas as escolas. Eles estavam lá preparados para ajudar e para responder naquilo era a luta dos estudantes. E foram estas coisas que eu nunca encontrei noutros partidos, só na JCP”, admite Maria Santos.
E a JS, a JSD? “Na minha escola nunca apanhei muito desses. Se existiam eram muito silenciosos”, responde Inês Rodrigues. “Essencialmente essa é diferença, nós estarmos presentes nas escolas, de não nos escondermos na nossa escola, na nossa universidade e sermos o agitador pela melhoria das condições e da educação pública, pela melhoria das condições de trabalho. Não querendo ser injusta com ninguém, mas aquilo que muitas vezes vemos nos outros é a caça ao tacho, a caça ao lugarzinho, a caça ao lugar na política local, nas autarquias”, acrescenta. Pedro Rodrigues, que diz nunca ter visto sinal de outras juventudes partidárias na Universidade da Beira Interior (UBI), não fica surpreendido com a falta de comparência. “Aqui na Covilhã, e estou aqui desde o início de outubro, ainda não vi sequer uma ação de outro partido nem publicidade, nem nada, nem uma ação de uma juventude partidária. Não me surpreende porque não é interesse dos outros partidos estar ligado às massas, nem estar ao lado dos estudantes. Essa é a nossa função, perceber aquilo que lhes faz falta, ajudar a consciencializá-los e fazer com que reivindiquem o que falta na faculdade deles, e aqui na UBI é muita coisa”.
Beatriz Marvão sente muitas vezes o preconceito “por ser comunista”. “Senti e continuo a sentir, na escola existe. Já me aconteceu estar numa discussão sobre política e o argumento contra, ou seja o contra-argumento era meramente eu ser comunista. Portanto, dizem, a minha opinião é duvidosa. E muitas vezes usam os argumentos do passado. Pessoalmente não entro por esse caminho. O passado foi o que foi, e aprende-se muito com o passado, trouxe coisas muito boas e coisas menos boas. O partido constrói-se todos os dias”. Carmen Granja, recua no tempo, a adolescência na JCP foi há 14 anos, e recorda que o que a afastou dos outros partidos, nomeadamente do Partido Socialista, foi “desde muito cedo, as pessoas do PS de Évora e mais ainda quando ligava aquilo tudo ao restante PS”. “O comunismo sempre me aproximou mais muito pela capacidade que nós tínhamos, e temos, de estar próximos das pessoas. E das razões sérias que levavam, e levam, as pessoas da CDU a candidatar-se a algum cargo. Senti na CDU as razões certas, nos outros os interesses”, completa.
E afinal o que é ser comunista, o comunismo? Inês Rodrigues não hesita um segundo, a frase sai-lhe de rompante. “Quando a gente coloca o comunismo no horizonte, da nossa luta, é criar uma sociedade sem explorados, sem a exploração do homem pelo homem, uma sociedade justa para todos. E é isto, é o horizonte. Vamos trabalhando, passinho a passinho, vamos construindo um mundo novo com os instrumentos que temos à nossa disposição. O objetivo final será sempre criar uma sociedade cada vez mais justa para o ser humano, sem a seleção do homem pelo homem… ou seja, em que tudo aquilo que produzimos, tudo aquilo que inventamos, esteja ao dispor de todos e seja usado para o bem de todos e não só para o bem de alguns”.
Maria Santos pensa um instante e quase que resume o conceito a uma palavra. “É uma luta pela igualdade, uma luta para não haver pessoas que estão acima das outras. Uma luta para que não haja pessoas que tenham más condições de trabalho, más condições de vida, para que todos possam viver… como é que hei de dizer? A igualdade. Acho que a igualdade é uma palavra boa”.
Pedro Rodrigues é ainda mais sintético e breve. “É um ideal, uma ideologia política, é uma sociedade sem classes, sem a exploração do homem pelo homem”.
Beatriz Marvão elabora um pouco mais e é perceptível nas suas palavras o passado dos avós. “É ver para além da condição a que estamos sujeitos, é ver que há algo para além dessa condição, é lutar por isso todos os dias. E saber que podemos não conseguir o que se está a reivindicar, mas saber que os que vêm a seguir vão manter a luta, tal como eu mantenho a luta dos que estiveram antes de mim”.
Carmen Granja hesita um instante, pensa em como resumir a ideia. “É uma força, um ideal, estar do lado das pessoas, dar voz a quem não tem voz”, afirma.
Um partido em queda?
A resposta de todos resume-se a uma palavra: não. E os argumentos são em tudo semelhantes. “Pessoas que acreditam no que estão a fazer, o partido não luta só por resultados eleitorais”; “Não receio isso, o partido já teve mais percentagem, menos percentagem. Mas continua sempre a estar ao lado dos trabalhadores”; “Somos um partido que nunca se regeu por mais ou menos votos. É um partido de convicções que responde às necessidades do país e dos trabalhadores”; “A influência do partido não se mede unicamente pelos resultados eleitorais. Vamos trabalhar sempre para melhorar a qualidade de vida das pessoas”; “Queria que tivéssemos muito mais força, mas nunca perdemos a convicção, a vontade de lutar”. Frases que se resumem na ideia expressa, no último domingo, por Jerónimo de Sousa na entrevista TSF/JN: “Uma causa nunca morre enquanto houver quem a defenda (…), esses anunciadores da morte do PCP têm um problema: haverão já de estar a fazer tijolo há muitos anos – eles e nós – e, no entanto, o Partido Comunista Português continuará”.
Quem são os jovens comunistas
Mas, afinal, quem são e quantos são os militantes da JCP? Em 2014, eram cerca de cinco mil [valor estimado, pelos próprios, por altura do 10.º Congresso], hoje são quase 7800 [48% são mulheres, 52% são homens, 34% são estudantes do ensino secundário, 32% são do ensino superior, 29% são jovens trabalhadores e 5% são estudantes do ensino profissional] – nos últimos meses inscreveram-se 286 jovens.
Um retrato substancialmente diferente do analisado, nos anos 80, por Manuel Braga da Cruz [A participação política da juventude em Portugal – as elites políticas juvenis]. Nessa altura, 68,8% eram operários, quase metade tinha entre 20 e 24 anos, raros eram os que tinham um curso superior (3,2%) ou o 12.º ano (6,5%). A percentagem de estudantes no ensino secundário foi crescendo e chegou aos 50% no final dos anos 80. O mesmo aconteceu com as mulheres que passaram dos 25% para a fasquia dos 35%. Mais de 35,5% eram filhos de militantes que tinham a primária completa (61,3%). E naturalmente, havia mais militantes na juventude comunista.
A mudança estrutural no PCP, basta olhar para o grupo parlamentar, até pode prenunciar que o próximo secretário-geral do partido, depois de José Carlos Rates, Bento Gonçalves, Álvaro Cunhal, Carlos Carvalhas e de Jerónimo de Sousa, seja um ex-JCP (nomes como os de João Ferreira e João Oliveira, entre outros, por exemplo, são muitas vezes apontados à sucessão) – o que seria um regresso a um acontecimento até agora único: Álvaro Cunhal entrou formalmente no partido, em 1932, através da recém criada, na altura, Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas. Em 1935, então com 21 anos, seria seu secretário-geral.
Nada que esteja afastado do pensamento de Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, que no domingo, entrevistado na CNN Portugal, abria essa possibilidade – o sucessor ser um jovem dirigente – quando questionado se permanecerá no cargo até ao próximo congresso do PCP, em 2024. “Um dia sairei (…) é um descanso imenso” ver “um partido vitalizado com a juventude e capaz de assumir as responsabilidades (…) que bom que é saber que existe um conjunto de jovens dirigentes com grandes responsabilidades no meu partido, que estão em condições para assumir as mais altas responsabilidades”, em condições de o substituir no cargo.
Como se organizam
Os mais novos têm 14 anos, são dois alunos do 9º. ano: um de Mértola, outro de Telheiras (Lisboa). Os mais velhos têm 30 anos: uma é jurista e deputada, o outro é membro Conselho Nacional da CGTP e coordenador nacional da Interjovem. Quatro estão também no Comité Central do PCP. Do total, 25 são estudantes do ensino secundário (33%), 32 do ensino superior (42%), 14 são jovens trabalhadores (18%), cinco são estudantes do ensino profissional (7%). Há mais homens (54%) que mulheres (46%) e a média de idades é de 20 anos. As estruturas de Lisboa e Porto representam mais de 40% da composição do “comité central” dos jovens comunistas, dos 76 da direção nacional da Juventude Comunista Portuguesa.
A comissão política (21 militantes), que assume a direção política e traça as orientações da JCP, de acordo com o que está definido pela direção nacional, e o secretariado (seis militantes), que tem a responsabilidade de organização e acompanhamento das diferentes organizações regionais e sectores, são o “vértice executivo” de uma estrutura que abrange a direção central do ensino superior (34 militantes), a coordenadora nacional do ensino secundário (32 militantes), as comissões regionais (mais de uma centena de dirigentes), a organização do ensino profissional e a dos jovens trabalhadores.
Todas estas organizações replicam o modelo do PCP e em quase todas há um “congresso” e um “comité central”, só não há um secretário-geral “oficial”.
Na base estão os coletivos, centenas deles em escolas secundárias. “Cada coletivo deve definir a estratégia para o recrutamento, levantando nomes, pensando quais os elementos de contacto, que jovens queremos contactar, que iniciativas realizar e que objetivos concretos e gerais queremos alcançar (…). O recrutamento de militantes da JCP para o PCP tem-se demonstrado de grande importância para o rejuvenescimento do partido (…). A tarefa diária que se impõe aos comunistas é que, perante qualquer problema, sejamos capazes de envolver outros e, de forma consequente, esclarecer e organizar o descontentamento, transformando-o em luta”, refere a resolução política do 12.º congresso dos jovens comunistas.
Fonte: Diário de Notícias