De Olho no Mundo, por Ana Prestes

A original forma de escolha de candidatos a presidente do Chile é o principal destaque na análise internacional de Ana Prestes, que também aborda, nesta segunda-feira (19), as investigações sobre o assassinato de Jovenal Moise, presidente do Haiti, a tentativa de Joe Biden de constranger o governo cubano, os protestos e distúrbios na na África do Sul, a falta de entendimento entre as forças político-religiosas do Líbano para compor um novo governo, a tensão entre a União Europeia e a Hungria em razão das políticas homofóbicas do governo de Viktor Orban e o crescimento da empresa chinesa Xiaomi.

Gabriel Boric (à esquerda) e Daniel Jadue disputaram a prévia para representar a aliança de esquerda na eleição presidencial do Chile.

Chile passou neste domingo(18) por primárias presidenciais. Como funcionam? Não é um processo obrigatório, os partidos optam por realizar primárias internas ou em coalizões. Para tanto inscrevem suas candidaturas no Serviço Eleitoral (Servel) do país que faz todo o trâmite burocrático. A eleição ocorre em caráter nacional e no 20º domingo anterior à data da eleição para Presidente. Cada partido ou aliança de partidos informa ao Servel quem poderá votar nas suas primárias e há cinco opções: só os filiados ao partido (no caso de primária interna a um único partido); filiados e eleitores em geral que não tenham filiação partidária (primária partidária interna); apenas filiados aos partidos que integram a coalizão; filiados aos partidos da coalizão e eleitores sem filiação partidária; todos os eleitores aptos a votar. No caso das primárias de 2021, duas coalizões colocaram seus pré-candidatos para passarem por um escrutínio eleitoral com ampla votação da cidadania, a coalizão de direita Chile Vamos e a coalizão de esquerda Apruebo Dignidad.

Nos meses que antecederam as primárias, as pesquisas de intenções de votos davam a dianteira para o comunista Daniel Jadue, filiado ao Partido Comunista do Chile, seguido por Joaquín Lavín, da UDI – Unión Democrata Independiente, partido conservador de direita do oficialismo. As pesquisas voltadas para as primárias especificamente também apontavam os dois como favoritos em suas respectivas coalizões. Porém a votação levou a outro resultado. Pelo Chile Vamos, foi eleito Sebastian Sichel e pelo Apruebo Dignidad foi eleito Gabriel Boric. O bloco Apruebo Dignidad angariou mais de 1,7 milhão de votos, sendo 60% para Boric e 40% para Jadue. Já o Chile Vamos conquistou 1,3 milhão de votos, sendo 49% para Sichel, 31% para Lavín e quase 10% para Mario Desbordes do Renovación Nacional e mais 9% para Ignacio Briones do Evópoli.

Em seu discurso de vitória, Boric disse que se o Chile foi o berço do neoliberalismo, será também sua tumba. Disse também que trabalhará incansavelmente com Jadue pela vitória do Apruebo Dignidad nas eleições de novembro. Boric é proveniente da militância autonomista no movimento estudantil, da região de Magalhães e está em seu segundo mandato como deputado nacional. Está filiado ao partido Convergência Social fundado em 2018 pelos autonomistas. Em sua campanha nas primárias destacou muito a perspectiva de gênero e as preocupações com o meio ambiente. Fala muito em uma paz social construída com justiça social. Defendeu a ampliação dos direitos coletivos dos trabalhadores. Apesar de ser um candidato da esquerda, Boric atraiu um voto anti-comunista e anti-Jadue. As regiões mais ricas do país em Santiago oriental votaram massivamente por Boric. Ele acabou se tornando uma “saída do meio” para chilenas e chilenos que querem mudanças, mas temem um comunista no poder. Já o candidato da direita será Sebastián Sichel, que já foi do partido Democrata Cristão, do Ciudadanos e agora se identifica como independente. É advogado de formação e trabalhou nos governos de Bachellet e Piñera, nos ministérios da economia, turismo e desenvolvimento social. Nunca ganhou uma eleição para nenhum cargo e se autodeclara porta-voz da centro-direita.

O presidente do Haiti, Jovenel Moïse, foi assassinado / Foto: Retamal de Hector-AFP

Uma reportagem da TV colombiana Caracol do último dia 15 aponta o atual primeiro-ministro e presidente do Haiti, Claude Joseph, como um dos possíveis mandantes do assassinato do presidente Jovenel Moise no último dia 7 de julho. Dois dias antes de falecer, Moise havia nomeado Ariel Henry para substituir Joseph como primeiro-ministro e montar um novo gabinete. O objetivo do crime seria sequestrar Moise para Joseph assumir a presidência. Para tanto, desde novembro de 2020, teriam planejado o crime e contratado colombianos que trabalham como agentes privados de segurança. Pela reportagem, 200 agentes foram contratados, mas não todos teriam sido mobilizados para a missão. A matéria é controversa ao falar em sequestro, mas diz que sete dos contratados sabiam que Moise deveria ser assassinado. Os colombianos presos e interrogados pelo FBI relataram proteção da polícia haitiana durante os meses em que viveram no Haiti ante do crime, também segundo matéria da TV Caracol ver: shorturl.at/jmyN4

Ilustração: Rádio Habana Cuba

Após suas investidas no final de semana de 11 de julho para transformar problemas internos de Cuba, como a justa insatisfação popular com a escassez energética, provocada em grande medida pelas condicionantes do bloqueio econômico, em um golpe contra o governo de Díaz-Canel, o governo dos EUA tenta novas medidas desestabilizadoras. Biden voltou a falar na Casa Branca em envio de vacinas contra Covid para Cuba, desde que administradas por agências internacionais, que não permitiriam “confisco da vacina por autoridades cubanas”, assim como falou em “restaurar o acesso à internet” que supostamente teria sido cortado pelo governo cubano. Os pronunciamentos tentam desviar a atenção do fato de que Cuba possui suas próprias vacinas, mas justamente o governo dos EUA inviabiliza acesso a seringas e outros insumos básicos para o desenvolvimento da vacinação. Assim como a rede de internet é afetada justamente por conta das limitações e restrições comerciais impostas pelo embargo econômico. Biden ainda não falou em revogar nenhuma das mais de 250 medidas restritivas à Cuba da Era Trump.

Distúrbios se espalharam pelas cidades sul-africanas após a prisão do presidente Zuma por desacato ao Tribunal que investiga corrupção em seu governo.

A África do Sul atravessou uma semana com muitos protestos e distúrbios de rua. Os protestos começaram no dia 8 de julho, logo após o ex-presidente Jacob Zuma se entregar à Justiça para começar a cumprir uma pena de 15 meses de prisão por desacato à corte do país. Ele enfrenta um inquérito por denúncias de corrupção no período de seu mandato presidencial (2009 – 2018). Muitos protestos deixaram inscritas as palavras “Free Zuma” nas paredes e muros das cidades, em especial em Durban, onde foram mais massivas. Protestos foram grandes também em Joanesburgo e Kwazulu-Natal, de maioria zulu. Há estimativas de mais de 200 pessoas mortas e mais de 2500 foram presas. Muitos centros comerciais foram invadidos, saqueados e depredados. A África do Sul é o país africano mais afetado pela pandemia da Covid-19 e enfrenta uma crise econômica e social profunda, com desabastecimento de combustíveis e alimentos. A taxa de desemprego no país está em torno dos 30%. O presidente do país, Cyril Ramaphosa, admite que o país está em grave crise e que houve demora para dar resposta aos protestos mais violentos. Muitas mortes foram causadas por civis e seguranças privadas no confronto com os manifestantes. Parte do governo acusa os partidários e apoiadores de Zuma pela onda de violentos protestos.

Explosão no porto de Beirute

No próximo mês de agosto completa-se um ano da trágica explosão no porto de Beirute, no Líbano. Desde então, o país está sem um governo em pleno funcionamento, após a renúncia de Hassan Diab. O primeiro-ministro interino, Saad Hariri, acaba de desistir de mais uma tentativa de formar governo, após oito meses de negociações e recusa do presidente do país Michel Aoun da proposta apresentada. Importante lembrar que no Líbano o governo é formado por cotas, presidente cristão maronita, primeiro-ministro muçulmano sunita e presidente do parlamento muçulmano xiita. Esse modelo vem desde os anos 1940, com a independência do país. Para elegerem seus representantes, os libaneses também votam em listas relacionadas à sua comunidade religiosa. O presidente Aoun alega que Hariri foi intransigente na última negociação que tiveram para a distribuição de ministérios. O Líbano sofre hoje de escassez de combustível, remédios, alimentos e produtos básicos, além de cortes de energia. Essa crise vem desde 2019 com aumento dos impostos em geral e perpetuação de esquemas de corrupção entre as oligarquias políticas religiosas.

Segue em alta a queda de braço entre Viktor Orban, primeiro ministro húngaro, e a União Europeia em relação às políticas homofóbicas do governo da Hungria. Na sexta-feira (16), a Comissão Europeia anunciou a abertura de uma investigação por considerar que as políticas de Orban de proibir difusão de conteúdo LGBTI em ambientes onde há menores de idade viola a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia em pontos como os da liberdade de expressão e direito à não discriminação. Outro procedimento semelhante foi aberto com relação à Polônia, por criar “zonas livres de ideologia LGBTI” em vários municípios do país.

A chinesa Xiaomi se tornou a segunda maior fabricante de smartphones do mundo, ultrapassando a Apple. A Samsung continua na liderança, com 19% do mercado. Xiaomi teve participação de 17% e a Apple de 14% no segundo trimestre de 2021 (Li no Meio).

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